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Para entender as coisas direito: um livro melhor (e menos badalado) do que o de Picketty

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Aprendi que não existe “capitalismo” como conceito monolítico. Existem vários capitalismos. Há grandes diferenças entre os cerca de 200 países que praticam capitalismo. Todos têm em comum o fato de considerarem legítimo que os indivíduos “tenham coisas que possam chamar de suas”; ou seja, todos são baseados na titularidade da propriedade privada.

Há 4 tipos de capitalismo como ensina o scholar William Baumol em “Good Capitalism, Bad Capitalism – and the economics of growth and proposperity”, de 2007. Alguns tipos são bons, outros ruins.Ao considerar um grande agregado chamado “capitalismo”, Picketty erra o alvo. Não existe isso. Colocar tudo no mesmo saco invalida o que ele conclui.

Em certos bolsões da America Latina, Oriente Médio árabe e África, há o que chamam de capitalismo oligárquico. Nele, riqueza e poder são altamente concentrados, e as regras existentes reforçam essa situação. É um capitalismo ruim.

Noutro tipo, o capitalismo é guiado pelo estado – governos incentivam os setores da economia que identificam como tendo mais chance de serem vencedores. As economias do sudeste asiático tiveram sucesso assim, mas nas regiões miseráveis do mundo não há nada parecido com uma base industrial da qual se possa selecionar “vencedores”. Nesses lugares o capitalismo nasce e se perpetua concentrando renda.

Um terceiro tipo seria o capitalismo de grandes corporações – o que parece ser o objeto de tantos. Grandes empresas dominam a produção e o emprego, produzindo em massa, inovações criadas por empreendedores. Europa Ocidental e Japão são exemplos.

Será que grandes corporações poderiam representar um papel produtivo para incluir pobres ou diminuir a desigualdade? Difícil. Para isso, elas teriam de inovar de uma forma estranha ao seu DNA. Falemos claro: grandes empresas tendem a só inovar para ganhar dinheiro da maneira pela qual estão estruturadas para ganhar dinheiro. Não lhes falta talento ou recursos, o que elas não têm é apetite para arriscar – têm medo de gerar a percepção de que podem tornar seus acionistas mais pobres com inovações de margem de lucro ($$) mais baixa. Esse tipo de inovação é o único que pode dar certo em “mercados de pobre”. Vale a pena ilustrar isso; veja só:

A IBM perdeu a liderança em PCs porque não deu para conciliar seus processos para comercializar main frames [caros e com margens de mais de 60%],com processos para PCs [baratos e margens de 20-30%]. Canon e Ricoh com pequenas copiadoras de mesa de margem baixa, fizeram a poderosa Xerox sangrar. As motos Honda idem com as Harley Davidson. Rádios e TVs transistorizados Sony acabaram com os modelos de mesa da RCA (e acabaram, de quebra, com a própria RCA) .

Inovações “para pobre” geralmente entram no mercado “por baixo”-têm performances inferiores, são mais baratas e só têm apelo ao público que não usa o produto-padrão.

Quase ninguém usava fornos de micro-ondas na China antes da Galanz. Com um modelo de negócio de altos volumes a preços muito baixos, a chinesa Galanz (não a Samsung, não a GE, não a Siemens) criou um mercado: em 1993 ela tinha 2% de market-share, em 2000 tinha 76%. Clientes menos exigentes (pobres) ficam felicíssimos em adotar produtos assim, pois a outra opção é não ter produto nenhum.

As grandonas, quando agem, o fazem quase sempre para reagir à ameaça de “tubaínas” locais. Veja a Unilever. Sua subsidiária na Índia – a Hindustan Lever – sempre focara o topo do mercado, até que apareceu a Nirma oferecendo detergente “para pobre”, muito mais barato, produzido segundo um modelo de baixo custo. Formulação, embalagem, produção, distribuição – tudo diferente. A Unilever teve de se mexer. Reformulou totalmente seu modelo para evitar que a “tubaína” da Nirma, vinda de baixo, continuasse a bicar o topo do mercado como já começara a fazer. A Unilever é das poucas que reconhece ativamente o mercado “para pobre”, tendo incorporado sua experiência hindu às suas práticas globais, mas ela é exceção. A GM fala há anos em produzir um carro abaixo de 3000 dólares, mas quem já lançou um foi a indiana Tata Motors. É assim desde sempre: a poderosa Western Union dona das comunicações no século XIX (telégrafo), rejeitou o telefone de Graham Bell porque seu sinal só alcançava três milhas. A Bell Telephone começou então com um modelo de baixo alcance e “subiu”, melhorando pouco a pouco a tecnologia até matar a Western Union.

Portanto, não esperem que as grandes empresas promovam inclusão, elas são vitais para produzir emprego, e aumentos de produtividade, mas não distribuição de renda.

O quarto tipo de capitalismo de que fala William Baumol – o capitalismo de empreendedores – é o que oferece melhores perspectivas. Nele, o dinamismo se origina em empresas pequenas que são iniciativas de indivíduos empreendedores (modelo americano). Um montão de inovações que criaram setores econômicos inteiros surgiu assim.

Quem quer incluir os pobres no capitalismo deveria estimular o empreendedorismo, não tentar mudar a cabeça das grandes corporações, nem taxar os ricos (taxar os ricos destrói a motivação do empreendedor para empreender; ou seja, condena a população à pobreza).

Empreendedores sempre existem, independentemente da população ser pobre ou rica. Empreendedorismo é um fenômeno estatístico que tem a ver com diferenças individuais diante do risco. A ação dos empreendedores se dá por meio do processo “schumpeteriano” de sempre: eles introduzem o novo “destruindo criativamente” o que havia antes.

Só uma coisinha: nos locais dominados pela pobreza, não há nada a ser destruído porque não há nada criado. O estímulo “de fora” deve ser para o surgimento da “criação criativa” mesmo. A partir daí, o empreendedor local resolve.

 

 

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