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O “digital” é engenharia, não filosofia

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Shannon mostrou que podemos aumentar indefinidamente a precisão de um sinal se usarmos a linguagem certa, e que existe um código perfeito para isso- o código digital. A unidade de medida que ele definiu para a informação é o BIT . “O bit agora se juntava ao “metro”, ao “quilograma”, ao “minuto”, ao “volt”, à “caloria”, como unidade de medida”. Mas o que um bit mede?

Um bit é a quantidade de informação necessária para reduzir à metade a ignorância de quem recebe a mensagem . É uma unidade totalmente abstrata, associada a uma operação lógica- uma coisa mental: a existência ou ausência de algo- a presença ou não de certa condição. Uma possibilidade de algo se materializar, ou não. Uma mente ter seu estado alterado, ou não.

É abstrato mesmo, mas é concretíssimo. Veja exemplos que tomo emprestado do biólogo Richard Dawkins.

Um pai assiste à cesariana de sua esposa através da janela do centro cirúrgico, ansioso por saber o sexo do bebê. Como não consegue ver detalhes, combinou com a enfermeira que ela lhe mostraria um cartão rosa se fosse menina, ou azul, se menino.

Qual a quantidade de informação transmitida quando a enfermeira exibe um cartão rosa para o pai deliciado? Exatamente um bit. A ignorância anterior foi reduzida à metade: de duas possibilidades, para uma.

Outra alternativa seria o médico ir ao encontro do pai ansioso, apertar sua mão e dizer: “Parabéns, meu velho, fico muito feliz em informar-lhe que você é o pai de uma linda menina”. A informação transmitida por essa mensagem de 18 palavras seria ainda exatamente um bit.

Qual a forma mais econômica de transmitir a informação relevante para o pai? Claro que é através do código (digital) rosa-azul.

Segundo exemplo: você quer montar um sistema para avisar que a esquadra inimiga está se aproximando do litoral do seu país. Há cadeias de montanhas ao longo de toda a extensão da costa, e você coloca voluntários no topo de cada uma delas, separados, digamos, a cada dois quilômetros. O primeiro que avista um navio acende uma fogueira cuja luminosidade, ao ser vista pelo observador vizinho, faz com que ele acenda a sua, e assim sucessivamente. Logo uma onda de pontos luminosos, ao longo do litoral, irá espalhar a notícia da invasão à grande velocidade.

Como poderíamos adaptar esse sistema para transportar mais informação? Quero avisar não só que “a esquadra inimiga está chegando”, mas também quero informar o tamanho da frota que se aproxima. Uma possibilidade seria fazer o tamanho de sua fogueira proporcional ao tamanho da frota. Frota grande, fogueira grande e vice-versa. Trata-se de um sistema analógico. Todo sistema de comunicação assim, baseado em correspondência direta entre coisas físicas, é chamado de analógico. É claro que, com esse sistema, as imprecisões iriam se acumulando à medida que o sinal luminoso fosse percorrendo a costa e, ao chegar ao outro extremo, a informação sobre o tamanho da esquadra inimiga teria sido reduzida a nada. O conteúdo da mensagem teria se degradado. Exatamente como quando você tira copia-da copia-da-copia-da-copia-da copia…de algum documento; pequenas imprecisões vão se amplificando, e, no final, se o número de cópias é grande, você tem um borrão no papel. Informação zero.

Todo código analógico tem esse problema (analógico é o oposto de digital. É a codificação direta da coisa, não a abstração da coisa em bits, como no código digital).

Como um código digital resolveria isso? Uma possibilidade seria a seguinte: não se preocupe com o tamanho das fogueiras, elas podem ter qualquer tamanho. Dando para acender um foguinho cuja luz seja visível pelo ocupante do próximo morro, tudo bem. Coloque um anteparo ao redor de sua fogueira. Para mandar um flash de luz para seu colega no topo do morro vizinho basta levantar e baixar o anteparo. Repita esse flash certo número de vezes e depois deixe o anteparo encobrindo a fogueira. Fica tudo escuro durante certo tempo. Repita tudo. O número de flashes em cada sequência é proporcional ao número de navios na frota. Se o observador vizinho conta oito flashes, são oito flashes que ele passa adiante para o próximo observador. A mensagem tem uma ótima chance de percorrer todo o litoral, de norte a sul, sem se deteriorar- exemplo da superioridade do código digital.

Não preciso lembrar que a troca de mensagens que constrói a vida é também digital- no sentido exato de Shannon. A única diferença é que o código não é binário, é quaternário- são quatro as bases químicas que codificam as mensagens que produzem seres vivos usando o DNA como canal, mas a lógica é rigorosamente a mesma.

O código digital constrói coisas. É engenharia, não filosofia.

 

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