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O crime da saúde – todos os suspeitos são culpados

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O sistema de saúde brasileiro está morto. Foi assassinado.

Pessoas que não precisariam estar morrendo, estão. Doentes que poderiam estar curados, não estão. Pessoas que não precisariam sequer ter adoecido, tornaram-se doentes crônicos. A miséria da saúde não é um desastre natural, ela foi construída. Não intencionalmente, mas foi construída. Como não se trata de uma fatalidade, responsáveis há, e é um crime pelo qual todos os suspeitos são culpados.

As mortes evitáveis (provavelmente milhões por ano) e outros assombros , são consequência de gestão inexistente, um efeito que tem muitas origens. É um rio alimentado por muitos afluentes. Todos poluídos.

Eis a lista dos suspeitos-culpados:

1-     Líderes (públicos e privados, empresários e dirigentes) que ignoram os fundamentos da gestão por conveniência ou interesse. Sabem que a saúde morreu, mas ficam jogando para a plateia.

2-      Usuários (pacientes/clientes) desinformados, manipulados, infantilizados pelos que dizem querer protegê-lo. O usuário acha natural transferir seus custos com saúde para a sociedade, em parte porque a constituição lhe garante “direito à saúde”; ou seja, o usuário opera sob a lógica de que alguém (que não ele) terá de se responsabilizar pelos custos que gera. Não tem nenhum incentivo para tratar sua saúde como trata seu dinheiro por exemplo, e exige recursos e intervenções desnecessários porque “tem direito e o plano paga” (ou o SUS, ou alguém).

3- Entidades de classe (conselhos médicos) corporativistas, presos ao passado, buscando preservar status, poder e influência. Dizem que agem motivados pela segurança do paciente, mas se agissem estariam defendendo mudanças na vanguarda da inovação em assistência à saúde. Não só não estão, como tendem a reagir às tentativas de inovação que podem ressuscitar o sistema (mais sobre isso adiante).

4- Prestadores de serviços de saúde (hospitais, médicos, laboratórios…) presos a lógicas de atuação que destroem valor em vez de criar. Geralmente são remunerados pela quantidade de procedimentos que realizam (volume), não pelos resultados que geram para o usuário. Induzem uso e promovem um desperdício brutal realizando procedimentos e incorporando tecnologias desnecessárias. (Ex: no Brasil se fazem mais exames de ressonância magnética do que em qualquer outro lugar do mundo).

5- Operadoras de saúde, seguradoras, cooperativas médicas que intermedeiam a relação do usuário com os prestadores do serviço. No Brasil, existem cerca de 800 dessas organizações, e a grande maioria vive no “cheque especial”, inviáveis do ponto de vista econômico financeiro. Nenhuma se sustentará sem alterar profundamente suas práticas atuais. Vivem numa carnificina eterna com os prestadores de serviço que dependem delas para sobreviver, mas atrasam pagamentos, glosam, criam todas as dificuldades para lhes pagar. Não há equivalente disso em nenhum outro setor da economia. Não no nível que há em saúde.

6- Indústrias de medicamentos/insumos/materiais/aparelhos, que tiram partido do descalabro reinante sem contribuir em nada para a solução. Muitas são “amiguinhas” de médicos e prestadores de serviço, que utilizam os produtos que fabricam. Interprete “amiguinhas” da maneira que quiser, mas é uma coisa negativa mesmo-uma relação pouco transparente, muitas vezes suspeita.

7- Empresas privadas que contratam planos de saúde para seus funcionários e aceitam pagar cada vez mais por um serviço que não sabem qual é. Poucas têm visão de gestão da saúde de suas populações de empregados, e seus RHs e gestores de benefícios (que contratam esses planos) morrem de medo de investir nesse conhecimento-gestão de saúde de populações- pois os resultados só aparecem após alguns anos. Preferem fazer média com seus superiores e continuam contratando “caixas pretas”, buscando planos de saúde mais baratos para tirar a pressão de custos de suas empresas no curto prazo.

8-Agências do estado capturadas por interesses políticos, sem independência para fazer o que deveria ser feito mesmo que tivessem competência técnica para fazê-lo. Os responsáveis pela regulação da saúde fingem que não veem que a maioria das operadoras não poderia existir, porque, você sabe, se as proibirem de operar, o sistema público vai ficar sobrecarregado e não dará conta.

9-Um sistema judicial que aprofunda a desconfiança geral, legitimando a violação de contratos e tomando decisões a partir de uma jurisprudência que garante “direito à saúde” de forma indiscriminada. O sistema judicial se apoia na visão da autoridade suprema do “médico” que é a defendida pelo suspeito número 3 (os conselhos de medicina) que infantilizam o usuário (suspeito número 2) que por sua vez adora ser infantilizado. Tudo errado.

Os suspeitos não são cúmplices, não há um conluio geral (só localizado, aos pares) – eles tentam se dar bem cada um por si, mas são culpados porque, ao defenderem interesses individuais estreitos, produzem assimetrias que inviabilizam o sistema.

Assimetrias no nível das que existem em saúde fazem qualquer sistema desabar. Se existisse algo análogo em outros setores, não haveria montadoras de automóveis, por exemplo; não haveria varejo de alimentos, não haveria sistema financeiro. Não haveria uma economia!

Desculpem o tom, mas acho melhor evitar logo de saída a falsa cordialidade que impera nas relações entre os “suspeitos”. Todo dia há inúmeros fóruns nos quais se discute a falência do sistema de saúde. Todos se odeiam, mas fingem que se amam. Como se “pensa certo” sobre o problema da saúde no Brasil?

Proponho a ciência da gestão para resolver isso, e digo exatamente o que entendo por gestão. Gestão é a montagem de tríades “processos-pessoas-ferramentas tecnológicas”, que deem conta de necessidades concretas no mundo real.

Posso imaginar pouca coisa que se qualifique melhor como “necessidade concreta” do que o sistema de saúde brasileiro.

 

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