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COVID19, COVID 25, 33… BUUMMM! Nossos saberes desmoronaram!

mundo

Assustado com o vírus de 2019, o mundo talvez faça algo para não ser pego de surpresa de novo. Bill Gates injetará dinheiro, as grandes potências se entenderão, a OMS será reforçada, centros acadêmicos vão se unir em pesquisas, o Papa dará sua benção.

O mundo se voltará para a ciência.

Tudo ótimo, mas se tivermos de encarar nova pandemia daqui ha alguns anos (em 2025 digamos) poderemos até derrotar um COVID 25, mas será melhor mudar de planeta. Espero que a “ciência” entenda isso. Temos de nos voltar para a ciência certa.

 A ciência que pode evitar a catástrofe não é a dos experts que aparecem na TV para nos lembrar de como são geniais. Precisamos de outra coisa.
Há lições de vida e morte a aprender enquanto ainda estamos na versão 19 do corona.

Mesmo que ganhemos batalhas contra possíveis COVIDS 20,25,35..- haverá uma versão dele que nos derrotará. Isso é certeza matemática (que começo a explicar neste post e termino no seguinte), só não sabemos até qual versão do vírus resistiremos.

É que pandemias criam riscos que brotam de um tipo de incerteza contra a qual não há antídoto.
Ela está fora dos limites do que mentes humanas podem conceber. Sabemos que existe, mas não como domá-la.
Para entender isso direito é preciso entender os insights da ciência da complexidade.

Antes, alguns conceitos.

  • Mundos complexos são mundos de efeitos surpreendentes. Efeitos que são paridos na intimidade de redes de vários tipos- de pessoas, de não humanos (ecologias/florestas/ oceanos), objetos inanimados, países, economias, até de ideias…
  • Para haver complexidade tem que haver agentes (coisas) conectados. Tudo que aumenta a conectividade entre agentes de quaisquer naturezas pode criar efeitos emergentes (ou seja, “surpresas”) que surgem de conexões entre os nós da rede.

Por exemplo: Conexões de neurônios produzem uma surpresa que ninguém entende nem consegue reproduzir: a consciência humana. Formigas conectadas produzem formigueiros, que são agregados que não podem ser entendidos estudando formigas individuais, tem que estudar o formigueiro todo. Idem abelhas numa colmeia. Idem vários outras coisas orgânicas que constroem ecossistemas em várias escalas e vários domínios- florestas e oceanos por exemplo.

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  • Conexões produzem contágio.

Podem ser contágios “bons” como as inovações que se espalham e fazem o mundo melhorar, ou ruins como as “pandemias”.

Pandemias são surpresas geradas e nutridas numa rede cujos “nós” são seres humanos.
O fato de termos sido pegos de surpresa testemunha nosso despreparo para o que é importante. Ninguém entendeu nada.

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  • A identidade de um vírus está enraizada na biologia ancestral profunda (chame de biologia dark, se quiser). Eles devem ter surgido assim que a vida surgiu, e surgiram com a única missão de parasitá-la, fazendo-se confundir com os mecanismos “legítimos” de replicação nas células. Replicar-se é a razão de sua existência, mas são tão obscuros que nem sabemos se são coisas vivas ou não. Não admira que humanos tenham sido sequestrados por eles, é para isso que existem. De quebra, sequestrou nossas mentes também; claro, mentes confusas ajudam a propagá-lo.
  • A pandemia do Covid 19 é consequência de redes (interconexões) que engenheiramos no mundo para criar eficiências cada vez maiores. Redes formadas por cadeias de suprimentos, fluxos financeiros, fluxos de comércio, de relacionamentos pessoais viabilizados por viagens fáceis e baratas..
  • Nossa busca por eficiência pode ter nos vitimado.A pandemia pode ser punição para coisas que considerávamos virtudes, não pecados.

Eficiência significa estar ADAPTADO a um ambiente existente da forma mais “ótima” possível .

É exatamente o contrário da qualidade que precisávamos: estarmos aptos a reagir, não estar rigidamente engenheirado, sermos ADAPTÁVEIS, resilientes.

Precisávamos de redundância, folga, diversidade- coisas que a modernidade “just in time” repele.

Entender isso é chave para o jogo que terá de ser jogado a partir de agora.

Estamos todos num “Titanic”.

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  • As eficientíssimas redes que construímos são ambientes irresistíveis para vírus porque são apertadas, sem folga, sem capacidade de reação (se não fossem assim, não seriam eficientes). Elas foram engenheiradas a partir de uma concepção de ciência que nos vinha sendo útil, mas que, como aprendemos (espero), teremos de subordinar a um tipo de saber diferente.

A ciência da qual precisamos deve se inspirar no que sobrevive porque se adapta.

Evolução, aprendizado e adaptação, em algum nível bem fundamental são a mesma coisa. O mundo orgânico não é otimizado, é cheio de “desperdícios”, mas é extremamente funcional -sabe sobreviver a choques.

As redes naturais construídas no corpo humano, num formigueiro, numa floresta tropical, ou na vida nos oceanos- aprendem por que deixam folga para imprevistos, aumentando assim as chances de não morrerem.

Há abundância de “ineficiências” nas ecologias naturais (dois pulmões/dois rins são provisões para dar conta de surpresas no ambiente) que garantem possibilidades de recuperação após choques (dentro de certos limites). Daria para sobreviver em ambientes “normais” com um só pulmão ou rim, só que para a evolução ambientes normais não existem.

Sendo orgânicos, sistemas que têm folgas têm a capacidade de se regenerar. Tire um pedaço do cérebro e ele pode se refazer (dentro de certos limites). Idem um formigueiro, uma floresta, um oceano…

A natureza não é otimizada, não é elegante, mas funciona muito confiavelmente.

O DNA não é otimizado. Se tivesse sido projetado “por um especialista”, seria uma estrutura hiper eficiente , “erro zero”, e nada aconteceria. Não haveria evolução, pois para haver é preciso que haja variação.

O paradigma que deve inspirar nossa reação ao COVID-19 é o do mundo orgânico. Nosso treinamento, nossa preparação, tem que ser baseado em exposição a choques que possamos controlar, que não nos matem, mas que nos levem a aprender criando “casca”. Nosso curriculum serão nossas cicatrizes.

Insights da complexidade levam a essas conclusões. Esqueça intervenções heroicas de experts salvadores. Precisamos de sistemas sociais que façam o que tem de ser feito, sem que alguma autoridade tenha que dizer o que se deve fazer. Temos de embutir “circuit breakers” na sociedade. Nossos sistemas terão de ser projetados para aprender e recomeçar. Só será possível achar soluções num mundo pós pandêmia–na sociedade, na empresa, na vida pessoal – implantando, fazendo, experimentando.

  • Como efeito secundário da pandemia, constatamos que não tínhamos máscaras, respiradores ou insumos para produzir remédios. As redes de suprimento do mundo para essas coisas estão concentradas em poucos fornecedores. A conectividade global não é orgânica.

A busca de eficiência levada a extremos gera fragilidade.

  • Vamos ter de repensar o mundo “just in time”. Esta será uma consequência para os gestores e líderes de empresas e países, que vamos explorar em posts seguintes. Isso vai exigir uma tremenda mudança . Uma das principais lições que deveremos tirar da atual crise é esta.

Ciência da Complexidade tenta desvendar a “surpresa”. Portanto, é uma ciência de manifestações que aparecem “de repente” , fora da curva das expectativas “normais”.
Não existe “normal” para elas.

Vamos entender a assinatura da complexidade.

Pense num monte de areia ao qual você vai adicionando mais grãos aos pouquinhos.

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Você faz isso até que, de repente, um único grão adicional provoca uma avalanche que pode ser pequena ou grande. O tamanho do efeito não é proporcional ao da causa. Vai vendo aí! Vai pensando numa pandemia que pode ter se originado num mercado esquisito, num lugar remoto no interior da China. Vai vendo se a dinâmica não é “parecida”.

Continue soltando areia sobre o monte. Novas avalanches, grandes e pequenas, se sucederão. Não há como prever o tamanho delas nem quando acontecerão, só podemos ter a certeza que ocorrerão. Registre suas intensidades e você notará um padrão, uma estrutura matemática na distribuição das avalanches- uma espécie de lei de |Pareto: poucas avalanches produzem grande parte do estrago no monte de areia; a maioria delas é irrelevante em termos práticos, mas uma ou outra (poucas) podem fazer o monte desaparecer. Não é possível porém, saber quais . O tamanho da próxima avalanche é não sabível; incomputável, como dizem.

Aliás, também não é possível prever a magnitude do próximo terremoto, nem do próximo incêndio na floresta, ou crise financeira global. Todos esses fenômenos e muitos outros seguem o mesmo padrão. Todos trazem a assinatura da complexidade,

Essa imprevisibilidade vem da natureza das conexões que existem entre os agentes em cada sistema .Não há modelo capaz de prevê-los.

Assim como nossa inteligência é incapaz de prever o tamanho da avalanche seguinte , ela também não é páreo para versões subsequentes de um vírus. Não sabemos quando acontecerá a nova avalanche/pandemia, mas sabemos que acontecerá se tudo voltar ao “normal” de antes

Esta é a assinatura da complexidade.

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No coração da coisa está a descoberta de que redes (de todos os tipos) – átomos, moléculas, espécies, pessoas, ideias –têm uma tendência forte a organizar-se de maneiras semelhantes à que detectamos nas avalanches no monte de areia.

Os respectivos sistemas gravitam espontaneamente para “estados críticos em que um único pequeno evento pode desencadear uma catástrofe- um grão microscópico que é deslocado, uma falha geológica que produz uma rachadura e gera um terremoto, uma árvore na floresta que pega fogo após um raio, um investidor que decide vender suas ações, alguém que faz uma sopa de morcegos no interior da China.

Pesquisadores descobriram impressões digitais de estados críticos em quase tudo que nos assusta: terremotos, desastres ecológicos, crises financeiras, disseminação de epidemias, incêndios em florestas. Estado crítico é a situação de tensão máxima, aquela na qual qualquer perturbação, por mínima que seja, pode produzir a “avalanches” que soterram tudo. Estado crítico é quando se está à beira de um evento radical.

A maior das catástrofes não precisa ter causas excepcionais; na verdade, a noção de “causa” é opaca em mundos complexos.

O sistema continuará pacientemente na “borda do caos” esperando o próximo “grão de areia”, e outro, e mais outro, até que…

Nosso planeta chegou a um estado crítico. Precisamos de líderes que entendam isso. Nessas situações “a diferença entre o que achamos que sabemos e o realmente sabemos, é sempre perigosamente grande”..

A maneira certa de combater pandemias é não deixar que elas ocorram, não é confiar na ciência ou na expertise dos que se dizem experts.

Pandemias vem do mesmo lugar de onde vem avalanches e terremotos. Vem da região (matemática) onde moram os eventos extremos.

Vamos explorar mais isso no próximo post. Não podemos confiar na ciência estabelecida para nos proteger de novas pandemias, porque ela não tem competência no tipo de saber que é necessário. Precisamos de líderes que entendam a essência da complexidade.

(continua…)

 

Próximos posts:

-O Principio da Precaução (Precautionary Principle) proposto por cientistas da complexidade, poderia ter nos poupado dos piores efeitos da pandemia. O que ele diz?

-Por que as cabeças convencionais de tomadores de decisão rejeitam essas coisas?

-Os mandamentos da gestão de pernas para o ar. Resiliência ou eficiência?

-Liderança, Pessoas, Estratégia, Processos, Tecnologias, Sustentabilidade.

-O que os líderes e gestores terão de fazer. Como será a gestão daqui para a frente num mundo vulnerável ao desconhecido?

-A área da saúde como exemplo do que deve ser reinventado.

 

 

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