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Como construir um humano

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Claude Shannon percebeu o que ninguém percebera (post anterior): para comunicação acontecer, temos que escolher a “mensagem certa” entre muitas mensagens possíveis, e fazê-la chegar íntegra ao receptor. Informação está relacionada à capacidade de escolher uma mensagem que supere a desordem, o não significado, por meio da seleção de algo que seja sinal para quem a recebe, não ruído.

Quer dizer, temos que superar aquela coisa a que os físicos chamam de entropia- tendência à desordem – uma noção que se originara no século XIX num campo da Física que nada tem a ver com informação- a Termodinâmica. Toda mensagem tende a se afogar em ruído e ser tragada pela entropia. Entropia aparece explicitamente na equação matemática que Shannon propôs para a informação e, apesar de abstrata, ela é uma quantidade tão mensurável como temperatura, volume ou pressão.

Qualquer coisa estruturada- seja de que tipo for, e esteja onde estiver no universo- tende a se desestruturar. Com o tempo, vai ficando uniforme, sem nuance, sem diferenciação, até que nada flui mais entre suas partes (não tem mais partes). O que Shannon estava dizendo é que comunicação é antinatural por ser algo que tem estrutura (linguagens têm estrutura!). Natural é a desordem, a indiferenciação e, portanto, para que ocorra comunicação tem que existir algum tipo de inteligência capaz de discriminar (separar) o que é informação do que não é. E o que não é informação é sempre muito, muito, muito mais provável do que o que é. Informação é a antientropia.

Uma mensagem é a seleção de um sinal improvável no meio de um oceano de ruído que é o estado natural das coisas.

Essa tendência natural à desordem se expressa de várias maneiras em linguagem coloquial. Por exemplo: “desordem não tem custo, ordem tem. Existem poucas maneiras de se estar vivo e infinitas maneiras de não se estar. É mais natural não ser nada do que ser alguma coisa. Não só não existe almoço grátis, como seu preço é sempre maior do que podemos pagar”. Minha formulação particular é :“tudo que tem valor tem custo”

É esse tipo de conjetura que está por trás da formulação de Shannon para comunicação. A capacidade de filtrar mensagens da confusão é o que chamamos de inteligência.Filtrar ordem da desordem. Selecionar.

A inteligência que separa sinal de ruído é o equivalente da energia que tem de ser injetada continuamente num sistema para contornar a entropia (temporariamente).

Tem que haver uma “mente” que faça a seleção, mas “mente” é qualquer dispositivo competente para selecionar mensagens. Pode ser qualquer coisa- um cérebro humano, ou uma bactéria, por que não? Uma máquina virtual como o Google, ou uma máquina real como uma molécula ou um chip. Poderia ser orgânico ou inorgânico, abstrato ou concreto. Não é questão de tecnologia física- a tecnologia pode ser qualquer uma.

Não conheço correspondência mais perfeita entre abstração profunda, no sentido mais matemático do termo, e concretudes absolutas no sentido de um taxi que chega à porta de sua casa a seu chamado, um robô que opera um tumor, um diagnóstico preciso de uma doença rara, um drone que acerta um alvo.Um óvulo fecundado. Tudo ancorado no processo que Shannon descreveu e esquematizou usando um diagrama de engenharia (ver ilustração atrás da imagem de Shannon no post anterior).

No mundo orgânico existem muitos tipos de “sinal” que constroem “comunicações” capazes de contornar a tendência natural à desordem. Aliás, a vida orgânica é resultado dessas “comunicações”; por exemplo, o diálogo óvulo-espermatozoide, mensagens gene-proteína, ou o maquinismo de filtragens (seleção!) dentro de uma célula por meio de membranas que deixam passar só o que vai contribuir para a construção de seres vivos funcionais (ilustração deste post detalhes AQUI).

Células são processadores de informação. No início do século XX cientistas descobriram que as células agem como bombas, filtros e linhas de produção. Processos fabris com finalidades bem específicas operam em escalas microscópicas. Quem ou o que estava no controle? Quem gerenciava a produção? A própria vida parecia ser uma força organizadora.

A biologia, que até então só usava a linguagem de fluxos de matéria e energia para explicar o funcionamento das células, passou a considerar um ingrediente mais fundamental- a informação.

A natureza opera por meio de regras de gramática! Envio e decodificação de sinais, produzem essas construções a que chamamos de seres vivos. A emergência das inteligências artificiais baseia-se nessa mesma mágica.

A replicação do DNA é cópia de informação. A fabricação de proteínas segue instruções enviadas por genes. Se mensagens podem ser transmitidas por ondas sonoras ou impulsos elétricos, por que não por processos químicos? É assim que se faz um humano.

PS: inspirado em parte no livro “Information: a history, a theory, a flood”- de James Gleick

 

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