Uma entrevista com Richard Dawkins
Numa entrevista para o Channel 4, da TV inglesa, em Agosto de 1994, Richard Dawkins revelou seu estilo por inteiro. A mídia gosta de enfatizar sua anti-religiosidade apresentando-o como uma espécie de cruzado do ateísmo, mas para mim isso não é o importante. O que acho importante é o centro do seu discurso: o entendimento científico pode ser uma tremenda fonte de realização humana. Importante ainda é a maneira como ele constrói o conceito dessa entidade abstrata a que chama de replicador, apresentando-a como algo fundamental, não só no planeta Terra, mas no universo inteiro.
Ele aposta que isso, a que chama de “sobrevivência diferencial de entidades replicadoras” – isto é, o Darwinismo; o processo da evolução via seleção natural, atuando em cima de memes, genes, ou do que mais venha a aparecer – é um princípio geral, quase transcendental. Algo como o E=mc² de Einstein.
Abaixo estão alguns trechos da tal entrevista.
A jornalista que entrevistou Dawkins chama-se Sheena McDonald. Ela assumiu uma atitude que podemos identificar com o chamado bom senso das pessoas comuns. Uma coisa assim meio Einstein; você entende…
Sheena McDonald não fala a linguagem do cientista, mas sim aquela linguagem que aprendemos em casa e na escola. É uma linguagem que descreve perfeitamente bem o mundo de grande parte de nós. Dawkins, prazerosamente, ficou como o Frankenstein da história.
FranksteinDawkins x McDonaldEinstein
McDonald
Dawkins:
McDonald
: Mas para aceitar sua visão, tem-se que rejeitar algo que tantas pessoas valorizam tanto: a fé. Por que a fé religiosa é incompatível com a sua visão?
Dawkins:
McDonald:
Dawkins:
McDonald:
Dawkins:
Há muitas coisas que trazem conforto. Eu esperaria que uma injeção de morfina fosse confortante – pelo que sei, seria até mais confortante. Mas dizer que alguma coisa traz conforto não quer dizer que essa coisa seja verdadeira.
McDonald:
Dawkins:
McDonald:
Dawkins:
Dizer que nós somos veículos para nosso DNA, que nós somos hospedeiros de parasitas de DNA que são os nossos genes, é um insight que ajuda muito. Mas seria um emocionalismo dizer que isso é tudo o que há, e que poderíamos mesmo parar de assistir às peças de Shakespeare, desistir de ouvir música etc, porque isso nada teria a ver. Isso é uma coisa completamente diferente.
McDonald:
Dawkins:
McDonald:
Dawkins:
Mas, em particular, dizem a elas que não só elas têm de se comportar de certa forma, mas também que quando elas crescerem elas têm o dever de passar a mesma mensagem para seus filhos.
Agora, uma vez que você tem essa pequena receita, na realidade ela é uma receita para ser transmitida pelas gerações afora. Não tem importância quão tola a mensagem original possa ser, se você a diz com convicção suficiente a crianças crédulas o suficiente. De modo que quando crescerem, elas vão retransmiti-la a suas crianças, que vão retransmiti-la, retransmiti-la. e a coisa se propagará. Esse processo de transmissão pode ser uma explicação suficiente para o fato da coisa se propagar.
McDonald:
Dawkins:
O vírus da raiva tem um mérito considerável, e o vírus da AIDS tem um mérito enorme. Essas coisas se espalham com muito sucesso e a seleção natural embutiu nelas métodos extremamente efetivos para se espalhar. No caso do vírus da raiva, ele faz suas vítimas espumar pela boca, e o vírus se espalha na saliva. Ele faz com que as vítimas mordam outros animais e se transmitam. É um vírus muito, muito bem sucedido. Tem um mérito muito considerável.
De certa forma, a mensagem completa dessas idéias de genes e memes é que o mérito é definido como a competência em se fazer espalhar; competência na auto-replicação. É claro que isso é muito diferente do que nós humanos podemos considerar mérito.
McDonald:
Dawkins:
Eu poderia escrever num pedaço de papel “Faça duas cópias deste papel e passe adiante para dois amigos”: eu daria a você, você leria e passaria adiante, e seus amigos fariam duas cópias e teríamos 4 cópias, 8, 16 cópias. Logo o mundo inteiro estaria com papel até os joelhos. Mas claro que para isso terá que haver algum tipo de indução; então eu teria de dizer também alguma coisa como: “se você não fizer duas cópias desse pedaço de papel e passar adiante, você terá má sorte, ou você irá para o inferno, ou alguma coisa terrível vai acontecer com você”.
Eu acho que se você começar com uma carta-corrente. bem, o princípio da carta-corrente é muito simples, mas se prosseguirmos e descobrirmos induções mais e mais sofisticadas para passar a mensagem adiante, nós teremos uma boa explicação…
Essas induções sofisticadas podem incluir a “Missa em B Menor”, e a “Paixão Segundo São Mateus”. Essas coisas são lindas. São muito sofisticadas, são muito, muito lindas. Vitrais, a Catedral de Chartres… essas coisas funcionam e não há espanto nisso. Quero dizer, elas foram lindamente elaboradas.
Mas eu acho que sua pergunta é se o sucesso das religiões pelos séculos afora implica em haver alguma verdade no que elas propõem. Eu não acho que isso seja necessariamente assim, de jeito nenhum. Acho que existem várias outras explicações que se saem melhor na tarefa.
McDonald:
Dawkins:
McDonald:
Dawkins:
McDonald:
Dawkins:
O que eu quero é oferecer alguma coisa. Se a religião desaparecer pode ser que realmente fique um vácuo importante na psicologia das pessoas, na felicidade das pessoas, e eu não digo que sou capaz de preencher esse vácuo, e não é isso que eu quero fazer. Eu quero descobrir a verdade.
Agora, sobre o que eu poderia oferecer, eu tentei transmitir a excitação e o entusiasmo de se obter um quadro tão completo quanto possível do universo em que você vive. Você tem a capacidade de construir um modelo muito bom do universo em que você vive. Vai ser temporário, você vai morrer, mas a melhor forma que você poderia passar seu tempo no universo, seria entender porque você está nele e construir o modelo mais preciso dele que você possa, dentro de sua cabeça. É isso o que eu gostaria de encorajar as pessoas a fazer. Eu acho que fazer isso é uma coisa extremamente realizadora.
McDonald:
E esse seria um mundo melhor?
Dawkins:
McDonald:
Dawkins:
Nós somos acidentes de muita sorte ou, pelo menos, cada um de nós em particular é. Se nós não estivéssemos aqui, alguém estaria. Eu falo isso tudo para reforçar meu ponto de vista de que nós… de que eu sou fantasticamente sortudo por estar aqui e você também é, e nós deveríamos usar ao máximo nosso breve tempo sob o sol tentando entender as coisas e obter uma visão tão completa do mundo e da vida quanto nossos cérebros nos permitam, o que é muita coisa.
McDonald:
?
Dawkins:
*Para conferir a entrevista na íntegra, em inglês, acesse o site:
www.geocities.com/krishna_kunchith/misc/dawkins.html Bem, eu não quero diminuir o amor ao próximo. Seria triste se nós não fizéssemos isso. Mas, tendo concordado que devemos amar nosso próximo, e tudo o mais que essa frase singela contém, eu acho que…, sim. entender… entender é um mandamento muito bom. E essa é a primeira obrigação, direito, responsabilidade, prazer, de homens e mulheres. Os cristãos diriam “ame a Deus e ao próximo”. Você diria “tente entender” Você se prepara para ela encarando a realidade de que essa vida é o que nós temos e, portanto, é melhor que a vivamos plenamente dado que não há nada após. Como você se prepara para a morte num mundo sem Deus? Certamente seria um mundo mais verdadeiro. Isto é, as pessoas teriam uma visão mais verdadeira do mundo. Eu acho que provavelmente esse seria um mundo melhor sim. Acho que as pessoas brigariam menos porque muito da motivação para o conflito teria sido removida. Eu acho que seria um mundo melhor. Seria um mundo melhor no sentido de que as pessoas estariam mais realizadas por ter um entendimento correto do mundo, em vez de um entendimento supersticioso. Falando em “anatomia de um lagarto”, você está querendo fazer a platéia rir. Mas se você colocar a coisa de outro modo – por exemplo, perguntando: pode o tempo geológico, ou: pode a evolução da vida na Terra – poderiam essas coisas servir de inspiração para uma grande sinfonia? Bem, claro que poderiam. Seria difícil imaginar uma inspiração mais colossal para uma grande obra de música ou literatura do que dois bilhões de anos de mudança evolucionária, lenta, gradual. Mas será que a anatomia de um lagarto poderia inspirar uma grande sinfonia? Apenas pense quão mais extraordinárias elas teriam sido se tivessem sido impelidas por verdades. E ainda assim essas conquistas artísticas extraordinárias foram impelidas por inverdades.Não, de jeito nenhum. Acho que as grandes experiências artísticas… eu não quero diminuí-las de jeito nenhum. Eu acho que elas são experiências muito, muito extraordinárias e o entendimento científico é algo ombro a ombro com elas. Não exaspera você que as pessoas encontrem mais prazer e inspiração em Chartres ou em Beethoven ou ainda nas grandes mesquitas, do que na anatomia de um lagarto? Eu acho que essa analogia é muito boa. Sinto muito se ela é ofensiva. Estou tentando explicar por que essas coisas se espalham; eu acho que é como uma corrente de cartas. Você escolheu uma analogia para a religião que muitos considerariam bastante ofensiva: que ela é como o vírus da AIDS, o vírus da raiva. Sim, há mérito nisso. Se você perguntar por que uma entidade replicadora sobrevive ao longo dos anos e das gerações, é porque ela tem mérito. Mas mérito para um replicador significa simplesmente que ele é bom em se replicar. Mas a religião é um meme muito bem sucedido. Quer dizer, no nosso próprio corpo os genes que sobrevivem são aqueles mais bem sucedidos – aqueles genes mais egoístas e bem sucedidos provavelmente têm algum mérito. Agora, se a religião é um meme que tem sobrevivido por milhares e milhares de anos, não é possível que haja algum mérito intrínseco nisso? Elas não se transmitem horizontalmente como uma epidemia de sarampo. Transmitem-se verticalmente pelas gerações afora. Mas esse tipo de coisa, eu acho, se transmite pelas gerações porque crianças até certa idade são muito vulneráveis à sugestão. Elas tendem a acreditar naquilo que se diz a elas. Afinal, elas têm de aprender um idioma e várias outras coisas com os adultos. Por que elas não acreditariam se alguém lhes diz que elas têm de rezar de uma certa forma? E as práticas religiosas? Sim, existem entidades culturais que se replicam de uma forma bem semelhante ao DNA. O hábito de usar bonés com a aba para trás é algo que se espalhou pelo mundo ocidental como uma epidemia. É como uma epidemia de varíola. Você poderia estudar isso usando métodos de epidemiologia. A coisa atinge um pico, fica estável um tempo e, sinceramente, eu espero que morra logo. Vamos falar de ouvir música e ir a peças de Shakespeare. Você inventou uma palavra para designar essas atividades culturais que não são dirigidas geneticamente, e essa palavra é “meme”; mais uma vez esse é um processo de replicação? Sim, se você me pergunta como um poeta como eu reajo à idéia de ser um veículo para o DNA, isso não soa muito romântico, não é? Não é o tipo de visão que um poeta teria, e eu fico muito feliz – e estou pronto a admitir – que quando eu não estou pensando em termos científicos, eu estou pensando de uma forma bem diferente. É essa descrição assim, crua, que nos define? É isso o que nos constitui? Nós não somos nada além de coleções dos genes que herdamos, cada um lutando para seguir seu caminho via sobrevivência dos mais aptos? Replicadores são coisas que se fazem copiar. Isso é uma coisa muito, muito poderosa. É difícil imaginar que coisa poderosa foi essa de um dia aparecer a primeira entidade auto-replicadora no mundo. Hoje as entidades auto-replicadoras mais importantes que conhecemos são as moléculas de DNA; as primeiras provavelmente não eram moléculas de DNA mas faziam coisas similares. Uma vez que você tem algumas coisas que se auto-replicam – coisas que fazem cópias delas mesmas – você rapidamente chega a uma população delas. Você rejeitou a religião e você escreveu e apresentou suas próprias respostas para as questões fundamentais da vida, que são, a grosso modo: nós, assim como os porcos-espinho, morcegos, árvores… somos todos dirigidos por replicadores, genéticos e não genéticos. Agora, eu queria saber, o que isso significa? Agora, muita gente acha grande conforto na religião. Não é todo mundo que é como você, bem sucedido, elegante, rico, com um bom trabalho, família feliz. Quero dizer, sua vida é boa. Não é todo mundo que tem uma vida boa, e a religião traz conforto a essas pessoas.Não, e a coisa boa em se usar a evidência é justamente que nós podemos chegar a um acordo sobre isso. Mas se você ouvir duas pessoas muito religiosas discutindo sobre alguma coisa, e cada uma delas tem uma fé apaixonada; cada uma tem certeza absoluta de que está certa, mas ambas acreditam em coisas diferentes – pertencem a religiões diferentes, fés diferentes – não há nada que elas possam fazer para chegar a um acordo e resolver o impasse, a não ser uma dar um tiro na outra, que é o que elas fazem muito freqüentemente. Mas se eu digo que acredito em Deus, você não pode provar que Deus não existe? Bem, a fé, tal como eu a entendo… você não usaria a palavra fé a menos que a estivesse contrastando com outra forma de se saber algo sobre alguma coisa. Assim, para mim, fé significa conhecer alguma coisa apenas porque você sabe que ela é verdadeira, não porque você tenha qualquer evidência de que a coisa seja verdadeira. O mundo e o universo são lugares extremamente bonitos, e quanto mais nós os entendemos, mais bonitos eles parecem. É uma experiência enormemente excitante ter nascido neste mundo, nascido no universo, e olhando ao redor, perceber que antes de morrer você tem a oportunidade de entender uma tremenda quantidade de coisas sobre este mundo e sobre este universo; sobre a vida e sobre por que nós estamos aqui. Nós temos a oportunidade de entender mais, muito mais, que qualquer de nossos antepassados jamais entendeu. Essa é uma oportunidade tão excitante que seria vergonhoso desperdiçá-la e terminar a vida sem ter entendido o que há para ser entendido. : Richard Dawkins, você tem a visão de um mundo livre de mentiras; não as pequenas mentiras que usamos para nos proteger, mas daquilo que você veria como a grande mentira, que é um Deus ou algum criador onipotente ter criado e supervisionar o mundo. Agora, muita gente está a procura de significado no mundo, e muita gente descobre significado através da fé. Então o que é que atrai no seu mundo sem Deus; o que é belo nele? Por que alguém haveria de querer viver no seu mundo?