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TRUST não é TRUQUE. Ou: só reciprocidade constrói confiança, marquetagem não

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Numa série de posts em 2009, mostrei como pesquisadores estão simulando comportamentos sociais que tem tudo a ver com o que está ocorrendo no Brasil hoje. Veja um resumo AQUI.

O centro de tudo é o que chamam de TRUST- confiança construída com base em reciprocidade. No Brasil, tenta-se substituir TRUST por TRUQUE baseado em marquetagem. Não pode se sustentar.

Reciprocidade quer dizer: eu recebo na proporção do que dou. Isso é algo tão importante na constituição do nosso make up  comportamental que muitas vezes preferimos nos prejudicar para não permitir que uma “injustiça” aconteça. É antropológico, não ideológico.Desconsiderar isso, pretender apoiar-se só em “marketing”  para conquistar confiança é um erro gravíssimo. Marketing é para vender coisas, só reciprocidade constrói confiança.

Um experimento famoso mostrou o seguinte: duas pessoas devem dividir uma soma em dinheiro (R$100,digamos). Uma delas propõe quanto cada uma vai receber, e a outra aceita ou rejeita. Se rejeitar, ninguém ganha nada. Para que possa haver a partilha, ambas têm de concordar. Seria de se esperar que mesmo um rateio 99:1 fosse aceito, porque, racionalmente, um real é melhor do que nada.

Na prática, porém, pouca gente aceita uma divisão menor do que 70:30. Se você ousa propor menos que isso, o outro jogador veta a partilha e prefere ficar sem nada só para punir sua ambição. O considerado “justo” é 50:50, meio a meio. Qualquer outra coisa é considerada uma violação da ideia de reciprocidade que está programada em nossas mentes. A revista The Economist de 20 de Dezembro de 2005, diz:

 ”a grande descoberta do darwinismo moderno foi a identificação do papel da confiança (trust) como eixo central da evolução humana. Pessoas que são relacionadas geneticamente colaboram, mas fazem isso com base no nepotismo (uma tendência natural [instintiva] a darmos tratamento preferencial a quem tem genes compartilhados conosco). Tem que haver um lucro descomunal a ser ganho ou uma provocação igualmente descomunal para que alguém ignore um parente com o qual compartilhe muitos genes. Confiança, por outro lado, permite que estranhos colaborem, e faz isso por meio de um processo que envolve a contabilização de quem faz o que e quando, e também a punição dos fraudadores. Fora os primatas, só os morcegos confiam assim em estranhos (não parentes), mas o mecanismo é o mesmo: morcegos bem alimentados regurgitam uma parte do alimento para alguns colegas que estão famintos, e fazem isso esperando a retribuição quando forem eles que estiverem famintos. Eles negarão qualquer favor àqueles que os trapacearam no passado”.

-Matt Ridley, autor de livros já clássicos sobre este tema , diz que “a reciprocidade é como uma espada de Dâmocles sobre nossas cabeças”. Repare como nosso dia-a-dia está cheio de manifestações como as abaixo: 

● “Nós já os convidamos duas vezes para jantar em nossa casa e eles nunca retribuíram”.

● “Ele só está me convidando para a festa para que eu fale bem dele em minha coluna na revista”.

● “Depois de tudo que eu fiz por ele, como ele pode agir assim comigo?”.

● “Que ingratidão!!”.

● “O que eu fiz para merecer isso”?

●” Você me deve isso “

… Obrigação; dívida; barganha; contrato; troca; acordo… nossa linguagem e nossas vidas são permeadas pela ideia de reciprocidade.

Está na hora de substituirmos marqueteiros por estadistas.

 

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