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Sua empresa vai durar mais 100 anos?

No mundo empresarial, a “pergunta de um bilhão de dólares” é a seguinte: o quê é preciso para que uma empresa dure? Não me refiro a empresas cujos donos enriquecem, nem às que se dão bem por uma ou duas gerações – falo das que se mantêm relevantes ao longo do tempo, apesar de recessões, guerras, mudanças na legislação, na demografia, no perfil dos consumidores, novas tecnologias, concorrentes mais assanhados… essas coisas.

A mortalidade infantil no mundo corporativo é espantosa. Um estudo patrocinado pela Shell cobrindo Europa, Japão e EUA, identificou apenas 30 empresas que já existiam na segunda metade do século XIX. O famoso “Feitas para Durar” de James Collins e Jerry Porras [Rocco], usando outro critério e metodologia, chegou a apenas 18 empresas (todas americanas com exceção da Sony). A mais velha é o Citicorp, fundado em 1812. A caçula – Wal Mart – é novinha, foi fundada em 1945. No caso de empresas familiares (alô Brasil!), segundo a McKinsey, o que se diz é verdade: a primeira geração constrói a empresa, a segunda a preserva, e a terceira acaba com ela. Só 15% sobrevivem no controle da família após a terceira geração (e, segundo se comenta, só 3% continuam tendo algo a declarar, o resto perde a relevância). Entre as espécies desse “gênero” a que chamamos “empresa”, as multicentenárias são exceção (a sueca Stora tem 700 anos, e a Japonesa Sumitomo, 400). A expectativa de vida média é de menos de 50 anos para as que ultrapassam a adolescência. A maioria não ultrapassa: morre bem antes dos 20. É uma doença endêmica. Descubra a cura e ganhe um bilhão.

Muita gente tem tentado.Todos os estudos revelaram uma correlação importante entre aspectos ligados à cultura, processos e valores das empresas que duram e sua performance ao longo do tempo. Não são coisas técnicas nem específicas do setor de negócios em que atuam (nada a ver com inventar produtos revolucionários, nem com fazer boas aplicações financeiras, ou dominar certa tecnologia, ou ser craque em planejamento estratégico, ou…).Também nada a ver com o carisma dos fundadores. Fundadores morrem, minha gente. Sucesso duradouro tem a ver com comportamentos transmitidos e preservados ao longo do tempo: critérios para tomar decisões, atitudes abertas em relação ao erro, à experimentação e ao risco, capacidade de forjar um senso de comunidade entre os colaboradores. Comportamentos que, diante da mudança na paisagem lá fora, garantem a vitalidade depois dos fundadores.

Estamos no Brasil, pessoal. Só há muito pouco tempo estamos abertos à competição internacional, não temos mercado de capitais desenvolvido, e até há pouquíssimo tempo havia dúvidas sobre a real orientação econômica do governo que assumiu em janeiro de 2003 (escrevo em maio). Nossa maior empresa (Petrobras; estatal) é quase dez vezes menor do que a maior deles (Wal Mart).Não temos história empresarial nem estabilidade macroeconômica por tempo suficiente para nos permitir extrapolar performance pelo futuro a dentro. Nossa história empreendedora,desde o barão de Mauá, tem sido entrecortada por nacionalismos trêfegos, protecionismos tolos, estatismos contraproducentes e governança doméstica/familiar/amadora. Se, para durar, as organizações têm de ser “engenheiradas” para surfar nas ondas dos ciclos de negócios, nossa engenharia começa agora. Pegamos o bonde (ou melhor, a prancha) andando, mas temos feito progressos. Para nós, a pergunta de um bilhão é: alguma empresa brasileira, hoje na lista das melhores e maiores, continuará nela em 2103? Se sim, que princípios de projeto terá usado em sua engenharia? Mudamos de Dólar para Real – (e com isso perdemos uns bilhõezinhos) – mas tudo bem: o grande prêmio continua atraente.

Suspeito que nossas chances aumentarão se ouvirmos os cientistas.Gurus empresariais – modistas/curtoprazistas – nada têm a contribuir aqui. O método da ciência é observar a complexidade do mundo, coletar fatos, e “comprimi-los” em formulações simples que não apenas dêm conta do que se observou, mas que também prevejam o que se observará no futuro. Foi isso que fizeram Newton, Einstein, Darwin etc… Jared Diamond – biólogo, antropólogo e fisiologista da Universidade da Califórnia – tem sugerido para o mundo das organizações, princípios que descobriu nos “experimentos da história”. Bill Gates é fã dele. Diamond parte de certas perguntas: algumas sociedades são mais produtivas e inovadoras que outras. Por quê? Por que não foram os guerreiros Bantu, montados em rinocerontes, que se dirigiram para o norte para dizimar os romanos e criar o império África-Europa? Por que a China perdeu a liderança tecnológica que tinha na época do Renascimento? Qual a melhor forma de organizar pessoas para maximizar a produtividade, criatividade, inovação: isto é, geração de riqueza? Suas respostas têm tudo a ver com a pergunta do nosso “show do bilhão”.

A China foi líder mundial em inovação e tecnologia. Inventou o ferro fundido, a bússola, a pólvora, o papel, a porcelana, a tipografia… um monte de coisas. Tinha a maior frota, e seus navios viajavam para todo lado. Pareciam prestes a virar o Cabo da Boa Esperança, subir a costa da África e “colonizar” a Europa quando, um novo imperador chegou ao poder, decidiu que navios eram um desperdício e mandou desmantelar as frotas. A China era unificada, e todos tinham de cumprir as ordens. A tradição se perdeu. Compare com o que ocorreu na Europa: Colombo queria navios para atravessar o Atlântico. Na Itália, acharam a idéia estúpida, e ele fez seis tentativas em países diferentes, sem sucesso. Finalmente, na sétima, os reis da Espanha concordaram com uma frota pequena. Colombo descobriu o Novo Mundo, e Cortez e Pizarro, que o seguiram, trouxeram grandes quantidades de riqueza. Em pouco tempo, 11 países europeus competiam ferozmente no jogo colonial. Isso foi possível porque a Europa era fragmentada, sem comando central como na China. Colombo tinha opções. Na Europa houve autoridades que recusaram, a tipografia, as armas de fogo e até a luz elétrica. Mas, como no Renascimento ela estava dividida em dois mil principados, um imbecil sozinho não poderia abolir uma inovação numa tacada só. Inventores tinham muitas oportunidades; havia competição e, quando um estado experimentava algo que parecia ter valor, os outros adotavam. Em 1543, aventureiros portugueses apresentaram armas de fogo aos japoneses. Dez anos depois o Japão já tinha mais armas per capita do que qualquer país, e em 1600 tinha as melhores armas do mundo. Então, no decorrer do século seguinte, abandonou-as gradualmente por influência dos samurais que temiam camponeses armados. Em 1840 já não tinha armas de fogo. Isso só aconteceu porque não havia nenhum vizinho ameaçando o Japão. Quando as armas de fogo chegaram à Europa, também houve príncipes que as proibiram, mas quando um príncipe no meio da Europa bania as armas de fogo, em pouco tempo o príncipe vizinho o invadia e conquistava.O erro era percebido, e as armas recompradas rapidinho do reino ao lado.A proibição só funcionou no isolado Japão.

Essas histórias ilustram dois princípios gerais. Primeiro: a maioria das inovações vem de fora. Segundo: qualquer sociedade adota modismos que não fazem sentido economicamente e que acabam sendo revertidos porque as sociedades vizinhas, que não adotam os modismos, ganham vantagem, e passam a ameaçá-las. Fico pensando naquela nossa lei de reserva de mercado para a informática; nas tarifas que impusemos “para nos proteger” em produtos eletrônicos nos anos 80; num certo simplismo nacionalista em relação à Alca… Hummmm, sei não… A Alemanha é competitiva em química, metalurgia, mecânica fina… mas não em cerveja. Por que, se a cerveja alemã é a melhor do mundo? Há 1000 produtores de cerveja lá, protegidos da competição entre si e com os importados. Legislação protecionista somada à cultura local. Cada pequeno lugarejo alemão adora sua cerveja e detesta a do vizinho. Não há marca nacional de cerveja na Alemanha. A produtividade é muito baixa. Nos EUA, 67 cervejarias produzem 23 bilhões de litros por ano, na Alemanha, as 1000 cervejarias produzem a metade disso. Isolamento, falta de exposição, falta de competição, induzem baixa produtividade. Na ex União Soviética – controlada centralmente – os produtos eram horrorosos: mais de 2000 televisores explodiam (sim, explodiam) a cada ano em Moscou. Para cumprir metas de produtividade impostas na marra, os trabalhadores martelavam os parafusos em vez de os aparafusar. Quando tentaram vender tratores no mercado internacional, eles eram tão ruins que valiam mais desmontados como ferro velho do que como produto acabado. O valor agregado era negativo!

A tese central de Diamond é que não há superioridade inerente a qualquer grupo racial ou étnico. A trágica incapacidade de certos grupos de prosperar ou de resistir à outros vem do isolamento. Em boa parte é ligada ao acaso de não ter a geografia adequada para estimular fluxos de idéias e tecnologias e/ou não produzir animais domesticáveis. Porque os Bantus montados em rinocerontes, não invadiram a Europa? Simples: rinocerontes não se deixam montar. Nem zebras, nem hipopótamos. O ambiente dos Bantus impedia a quebra de seu isolamento. Francisco Pizarro com 62 combatentes a cavalo e 106 a pé – todos com armas de fogo – capturou em algumas horas o imperador Atahualpa levando pânico aos 80000 guardas do império Inca – o estado mais avançado da América. Isso nos dá um bom gancho.

As empresas que se revelaram duradouras até hoje não foram, na verdade, “feitas” para durar. Elas foram “selecionadas” pela ação da seleção natural (decorrente de sua exposição ao mundo e competição pela sobrevivência).Tinham os atributos necessários e, por isso, duraram! Esses atributos só na década de 80 começaram a ser identificados como típicos das duradouras, portanto, essas empresas não podem ter sido conscientemente “engenheiradas” durante a maior parte de sua história. Sua engenharia aconteceu sem projeto. Mas (e aqui está a novidade) daqui a diante, só vão durar as que tiverem projeto para durar. A culpa é da globalização cujo efeito mais espetacular é acelerar trocas de idéias, processo, tecnologias… Pelo que aprendemos, isso significa inovação e competição exponenciais. Só tem chance de durar (sobrar; ser selecionada) a empresa que for desenhada para responder à essa hiper-exposição, e é aí que as jovens empresas brasileiras têm as maiores oportunidades, pois todas, inclusive as gigantes lá de fora, estão percebendo isso no mesmo momento. Em que deve ser baseado nosso projeto para durar?

Todo organismo “que dura” tem a mesma competência central: sabe modificar comportamentos e práticas ao longo do tempo. Quem quiser durar terá de planejar o processo de mudar, não pode mais deixá-lo ao acaso. Não se trata de planejar “o fazer”, mas planejar o “aprender enquanto faz”, mudando de rota no timing adequado para continuar vivo. Não é um processo novo – só seu ritmo hiperacelerado é novo. Foi um processo assim que fez com que, ao longo do tempo (muito, muito tempo) uma barata, digamos, fosse modificando o que significava originalmente ser uma barata, e fosse ficando cada vez melhor em sobreviver em ambientes mutantes.Tudo o que compete pela existência, tudo o que é submetido à seleção natural, é assim: se existe, é por que se tornou competente em existir. Uma orquídea, um canguru… Empresas também. Na natureza, assim como no mundo das empresas, muitíssimo mais espécies desapareceram do que permaneceram.Há muito mais maneiras de morrer do que de viver. Desculpe comparar empresas duradouras com baratas, mas a dinâmica que explica a perenidade de ambas é exatamente a mesma: capacidade de aprender. Num nível bem fundamental, evolução, adaptação e aprendizado são a mesma coisa. Aprender é modificar a forma como você se comporta no mundo para tornar-se mais eficiente na arte de permanecer no mundo.

Carisma não é necessário, mas liderança é fundamental. É o líder que garante que a empresa vai acomodar o erro.Tem que haver erro! Não é possível fazer coisas complexas sem defeitos desde o início. Isso só é possível quando a gente sabe o que está fazendo, o que é cada vez mais raro. Só é possível achar soluções nesse universo aberto em que vivemos – na empresa, na vida – implantando, fazendo, experimentando.Tentativa e erro. O DNA não é otimizado. Se tivesse sido projetado “por um especialista” seria uma estrutura com “erro zero” e não haveria evolução, pois, para haver, é preciso que haja erro (mutações). Esqueça intervenções heróicas. Líder não é para ensinar, líder é para “engenheirar”.Você tem de desenhar um sistema que faça o que tem de ser feito sem que diga a cada momento o que se deve fazer, ou seja: a empresa tem de ser projetada para aprender. A natureza também não é otimizada, não é elegante, mas funciona muito, muito, muito confiavelmente. É como a Internet -extremamente “deselegante”, mas muito funcional. Sabe como ela gerencia aquele tráfego incrível? Kevin Kelly diz em “New Rules for the New Economy”:

É um desempenho robusto assim que temos de “engenheirar”. O projeto dessa “engenharia para durar” é orgânico, não mecânico. Sua dinâmica está na origem de tudo o que é vivo, interessante e duradouro. Empresas feitas para durar são organismos que aprenderão by design. Os princípios são os que vimos.

Não esqueçam meu bilhão de dólares… Ok, de reais. Dou garantia. Aceito cheque-pré para daqui a 100 anos.

* Artigo publicado no livro “30 anos de negócios no Brasil” lançado pela editora Abril em comemoração aos 30 anos de “Melhores & Maiores”. Julho/2003

Cada mensagem de e-mail é dividida em pedaços que são “colocados em envelopes” enviados para uma rede global de caminhos possíveis. Cada envelope “procura”, a cada instante, o caminho mais curto disponível. A mensagem torna-se uma colméia de bits que é reconstruída no destino, formando uma mensagem coerente. Se você mandar a mensagem de novo, ela pode ir através de um caminho completamente diferente. Ao mandar uma mensagem para alguém do outro lado da rua, seu e-mail pode ir antes a Timbuktu, para só depois voltar e atravessar a rua. Um sistema convencional nunca faria algo tão ineficiente. Mas as ineficiências individuais são compensadas pela extraordinária confiabilidade do sistema como um todo…

Uma das primeiras vitórias no campo da inteligência artificial foi um programa de computador que se aperfeiçoava enquanto jogava damas. Programas assim registram os arranjos mais favoráveis de peças no tabuleiro à medida que vão acumulando experiência em jogos sucessivos. Com isso podem sempre fazer escolhas que prometem levar a posições melhores nos lances seguintes de seus jogos atuais. Não é necessário que se pense na seqüência completa de movimentos até a vitória; basta procurar o que vai melhorar a posição atual. É paradoxal: você aumenta as chances de vencer concentrando-se num conjunto de critérios que não inclui vencer. O programa muda continuamente seus critérios de sucesso, em função de informação nova. Por exemplo: a experiência pode revelar que ter um certo arranjo de peças geralmente leva a resultados surpreendentemente bons (ou ruins) depois de alguns lances à frente. Quando chegava a arranjos assim, o programa revia os critérios de sucesso vigentes até então. Ele descobria quais mudanças em seus critérios de avaliação vigentes teriam previsto a surpresa, e faz as alterações correspondentes. Foi assim que aprendeu a jogar cada vez melhor. Essa coisa de embutir novos critérios de sucesso é poderosa. Note que “surpresas” são coisas melhores ou piores que o esperado. Ambas podem ajudar na melhora da performance. Você não tenta identificar o quê preveria o resultado.Você tenta identificar os fatores que preveriam a surpresa: o desvio do acontecido em relação ao esperado.

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