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Para refletir com calma

1- Não existe uma Nova Economia, “apenas” novas tecnologias.
Certo, essas tecnologias podem alterar explosivamente a paisagem empresarial, mas, se elas são novas, os fundamentos econômicos são velhos. São os de sempre. Lembra? Caixa, pessoal, caixa!

Portanto, rapaziada, esqueçam essa tola fantasia de “jovens – empreendedores – produzindo – home – pages – na – garagem – e – ficando – milionários – aos – vinte – anos”. Não é que estejam fazendo algo errado, apenas não estão fazendo nada certo, entende? A safra (uma meia dúzia?) acabou. Garagem é lugar de guardar carro. Tire essa bermuda, vista uma roupa decente, e vá trabalhar, rapaz!

2- Abaixo o mind share, viva o market share!
O pressuposto de grande parte dos chamados negócios (?!) virtuais é: conquiste a mente, que o talão de cheques vem em seguida. Nem Drucker, nem eu apostaríamos nisso… Negócios virtuais baseados só em hits no site (gente que passou por lá e deu uma olhada) vão fracassar. Investidores que caíram nessa já se arrependeram. Acabou. A enorme maioria dos sites que (ainda) sobrevivem vendendo espaço de propaganda com base nessa lógica voyeurista, não tem futuro. As avaliações em bolsa de empresas pontocom têm se baseado na hipótese de que elas vão abocanhar uma bela fatia de mercado de empresas existentes, mas, como Drucker lembra, os ganhos das grandes inovações tecnológicas quase sempre vão para outros, não para os inventores.

3- Quer saber o que vem à frente? Olhe para trás.
História conta e conta muito. O telégrafo e a estrada de ferro provocaram, há mais de 100 anos, mudanças econômicas que especialistas comparam ao que ocorre hoje. 99% das 5000 empresas de estradas de ferro, nos EUA daquela época, não existem mais. Idem para 2000 fabricantes de automóveis pouco depois. No início, o consumidor sempre desconfia. As lojas de departamentos, há 100 anos, viabilizadas pelo frete barato que a estrada de ferro possibilitou, demoraram a se firmar. Não havia ninguém para explicar aos clientes as características do que compravam, e isso os deixava inseguros. Acabaram acostumando-se. Vai acontecer o mesmo com o e-commerce.

4- Não se iluda.
As empresas estabelecidas têm grandes possibilidades. Há enormes vantagens em eficiência a serem obtidas com base nas novas tecnologias. Tanto na ponta do custo interno, como “lá fora”, na distribuição. Encontrar o fornecedor certo, chegar ao preço certo, ao cliente certo, tudo pode ser feito com mais eficiência. As empresas estabelecidas têm enormes chances, se mergulharem de cabeça na otimização de seus processos usando a tecnologia da informação.

5- Se as oportunidades das empresas estabelecidas são grandes, os riscos são maiores ainda.
As maiores inimigas das estabelecidas não são as pontocom, são elas mesmas. O maior risco é não saber gerenciar a inovação – algo decisivo, mas geralmente, muito mal colocado. Inovação, hoje, é sinônimo de mudança gerenciada. Não basta “cabeça aberta” para assimilar o que o acaso coloca à nossa frente. Casos clássicos – como o do Post It da 3M (fruto do acaso) – são folclóricos, mas representam apenas um aspecto menor do processo que realmente importa. É grande o mérito da 3M – empresa sempre aberta para o novo – mas o essencial, hoje, é o abandono de modelos de negócio que “sempre deram certo”. Isso pode implicar, até mesmo, a canibalização do modelo de negócio existente (aquele tal que “sempre deu certo”).

A partir de certo ponto, é simplesmente mais razoável matar a empresa-mãe e fazer outra do zero. Sim, pode ser que o melhor para a empresa seja optar por não mais existir. Sair da frente e dar lugar a outra.

Empresas não são entidades moldáveis infinitamente. Elas, como as pessoas, têm limites em sua plasticidade. Management – a prática que Drucker inventou – vai ser cada vez mais central. Liderança será mais essencial que nunca. Não falo de líder carismático, mas do líder inteligente – aquele que entende mais de processos de negócio, em geral, do que do seu negócio, em particular.

6- O modelo real-virtual pode tornar-se padrão e deveria ser o foco da nossa atenção imediata.
Não há razão alguma para que no mundo do e-commerce tenha de ser tudo ou nada. Ou real ou virtual. Venda virtual e entrega num local físico fazem sentido econômico.

A universidade tradicional pode complementar-se on-line. Os métodos do varejo tradicional idem. Eu quero poder comprar um livro virtualmente, mas pegá-lo (e pagá-lo) numa livraria real. Isso tornaria a transição real-virtual mais gerenciável. Além do mais, não há evidência conclusiva sobre quais atividades estabelecidas seriam mesmo substituídas por equivalentes 100% virtuais. Muito menos quando isso ocorreria. Portanto, é até mais inteligente pensar em complemento, não em substituição. O “tudo ou nada” é um equívoco. É verdade que integrar os dois modelos num negócio único exige outro tipo de cabeça. Planejar não poderá mais ser para fazer, mas para aprender; daí a ênfase de Drucker em educação. Aprender enquanto se faz. Continuamente. Isso é novo. As empresas brasileiras, que já têm presença relevante no e-commerce, deveriam dar prioridade à integração de seus modelos cimento-e-tijolo com o virtual.

Lojas Americanas. Ponto Frio. Pão de Açúcar. Falo de varejo, não de serviços bancários (os websites que os brasileiros consideram mais confiáveis). Se conseguirem integrar gerência de forças de venda, estoque, distribuição etc. nos mundos virtual e real, essas empresas estarão idealmente posicionadas para o futuro, seja ele qual for.

7-Logística e Direito, duas competências de futuro.
Coisas bem “velha economia”, né? Varejo é sobre o produto certo, pelo preço certo, no local certo, na hora certa. O e-commerce tem vantagens em todos os itens, menos “na hora certa”. Se você quer comprar uma camisa para a festa de hoje à noite, é mais prático pegar seu carro e dirigir até o shopping. Entrega é o desafio do e-commerce. Estudem engenharia de produção e especializem-se em logística; esqueçam design de webpages. Em cada esquina, haverá um especialista nisso.

Outra boa profissão é o velhíssimo direito. Algumas questões típicas da economia da informação – monopólios, tributação, direitos de autor – não têm jurisprudência no mundo on-line. Ninguém sabe como tratá-las, e serão crescentemente importantes. Os advogados vão deitar e rolar.

8- A empresa brasileira deve adotar o que funciona.
Mobilidade de capitais, tecnologia e eficiência gerencial são os três pilares da globalização. Tecnologia fica cada dia mais barata/disponível, e o Brasil tem tudo para ser um pólo cada vez mais atraente para o capital. Tudo dependerá de nossa imaginação e competência para utilizar tanto tecnologia como capital. O aprendizado (os erros, portanto) dos países criadores de tecnologia devem ser usados em nosso favor, por que não?

Devemos nos expor ao mundo, não tentar nos proteger dele. Podemos e devemos queimar etapas, colocando em prática o que dá certo em management lá fora. O Brasil começa a ter uma elite empresarial sintonizada com o que há de melhor em termos de idéias no mundo empresarial. Essas idéias, hoje, não têm dono. Falar em modelo gerencial brasileiro é tolice. O que existe é “peru à brasileira”, não gerência à brasileira. Nosso modelo tem de ser o que funciona no mundo, senão estaremos fora do mundo. A empresa brasileira pode ser a vanguarda do nosso desenvolvimento. Pode liderar nossa revolução no aprendizado, por exemplo. Nada melhor do que o pragmatismo empresarial para implementar o modelo “aprenda o que dá certo”. Daqui a 25 anos, diz Drucker, as empresas serão muito diferentes: via tecnologia, a coordenação dos processos empresariais se fará de forma mais eficiente. Podemos nos tornar realmente bons nisso. Depende só de nós.

*Artigo publicado na Revista Exame de 11/2000.

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