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Os “jogadores” do sistema de saúde

Imagine vários fazendeiros cujas vacas pastam no mesmo pasto. Sem regras, cada um tentará colocar ali o máximo de animais que puder, o que levará à destruição do pasto e à morte deles. A atitude racional é: “vou botar mais uma vaquinha, porque se eu não o fizer, alguém fará”. A solução é dividir o pasto de modo que cada fazendeiro tenha uma área definida para suas vacas, e não só colha os benefícios, mas também arque com os custos de sua preservação.

Exploração de recursos coletivos sempre leva à catástrofe, e só pode ser evitada introduzindo-se regras que incentivem o altruísmo (de preferência, financeiramente). O altruísmo tem que ser “comprado”, de certa forma. A China só decolou depois que camponeses tiveram permissão para lucrar com o resultado de sua produção individual. O apagão de 2001 no Brasil foi evitado porque consumidores passaram a pagar sobretaxas se ultrapassassem limites individuais de uso. 

A regra é geral: sem responsabilização individual, recursos coletivos não se sustentam. Em saúde – um domínio em que imperam “jogos de soma zero” entre todos os players- nenhuma reforma dará certo enquanto o cidadão (o usuário) enxergar sua saúde como “direito”, sem ser responsabilizado pelos custos que seus hábitos impõem a outros. Tem que haver penalização individual.O sistema de saúde é um emaranhado de conflitos de interesse entre usuários, prestadores de serviço, operadoras e empresas que as contratam. Veja só: o usuário tem mentalidade “churrascaria rodízio” – exige “tudo a que tem direito”, pois na sua percepção não é ele quem paga (é o plano contratado por sua empresa). Isso incentiva o prestador – remunerado por volume de serviços prestados – a prescrever mais e mais serviços, o que induz o plano a adotar artifícios para dificultar os desembolsos. O dinheiro que aceita liberar ao final desse ciclo (mensal) conflituoso e desgastante nem sempre corresponde à realidade do serviço prestado, mas os prestadores também “não são santos”: já contando com glosas e atrasos inflam as cobranças, e o ciclo se perpetua e auto reforça. Custos explodem.

Prestadores exigem aumentos que as fontes pagadoras negam, é claro. Empresas trocam de plano para outros que prometem mais por menos (lorota). Greves acontecem. Mais desgastes. Agências reguladoras tentam “proteger o usuário”(que também tem culpa no cartório, sejamos francos) e entidades de classe – os conselhos médicos da vida, e outros – reagem para defender o prestador. Todos perdem. Todos os agentes odeiam o sistema e odeiam-se mutuamente. Nenhum ganho se sustenta nesse jogo de soma zero. Tem saída? Tem. A teoria dos jogos diz como fazer.

Jogadores do sistema de saúde

Pense nos “jogadores” no sistema de saúde: o usuário (funcionário de uma empresa), a empresa que contrata a operadora do plano, a operadora, e o prestador do serviço (hospital, médico etc). Há outros players como a ANS (agência reguladora, o sistema judiciário, os fornecedores de insumos e indústria farmacêutica), mas os “quatro cavaleiros do apocalipse” que cito, já são suficientes para transmitir a ideia.

Os quatro (e todos os demais!) estão envolvidos num “jogo de soma zero”: agindo racionalmente fazem os preços aumentarem e a qualidade cair – gastamos cada vez mais para oferecer piores serviços. A teoria dos jogos ajuda a resolver isso. Para entender, lembre-se dos posts anteriores – “jogadores racionais” buscando “o melhor” para si, constroem uma catástrofe para o coletivo. No caso das vacas no pasto, o racional é cada fazendeiro colocar ali o máximo de vacas que puder, só que se todos imitam, o pasto acaba e as vacas morrem. Cada jogador no sistema de saúde (incluindo o usuário) empurra seus custos para outros. Às vezes unem-se dois a dois para isso, ex.: prestador e paciente demandando exames mais caros; paciente aceita porque “quem paga é o plano” (que cobrará maiores reajustes da empresa do paciente, claro). O prestador que prescreve o exame recebe um “agrado” de quem o realiza como premio pela indicação etc. Ninguém considera que sua ação individual levará o sistema à ruína. A solução (matemática) da teoria dos jogos é responsabilizar cada jogador pelos custos que gera. Como? Próximos posts…

 

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