O sonho de Eike Batista – roleta russa e histórias alternativas (I)
A maior parte dos analistas de negócio é como comentarista de futebol-após o fato SEMPRE justificam o que ocorreu como se tivesse sido possível saber antes. Nós os lemos e escutamos precisamente por isso. Nossas mentes rejeitam a lógica. Lógica não vende. Pagamos por narrativas que nos transmitam a fantasia de que alguém sabe como o mundo funciona. Mas, num mundo carregado de “acaso”(randomness) analistas que fossem sempre lógicos nada teriam a declarar. Dizer “eu não sei”, requer coragem e não tem apelo comercial. Sei do que estou falando. Já fui consultor.
Só uma sequencia de acontecimentos (não um acontecimento único) pode legitimar qualquer afirmação sobre a competência de qualquer coisa – uma pessoa, uma empresa, um time de futebol. Evento isolado não diz nada. Como a “estrutura do caso” é diferente em cada atividade, cada uma tem um horizonte de tempo típico no qual a série histórica permitirá alguma afirmação que faça sentido.
Seu time pode estar vindo muito bem no campeonato e perder o próximo jogo, mas,se ele realmente estiver bem, a sequencia de jogos vai revelar. Ele poderá ou não ser campeão, mas sua competência estará estabelecida (naquele ano; naquele campeonato). Mais do que isso não se pode dizer.
É chato né? Especialistas , supostamente ,deveriam poder dizer mais porque nós queremos saber mais. Mas o que se pode dizer é só o que eu disse. O resto é “torcida”, e torcida não tem nada a ver com fatos, só com desejos.
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Mesmo durante uma única partida,a competência pode não vencer(seu time domina o jogo inteiro, não faz gols, e sofre um,em lance esporádico no final). Acaso conta.Um resultado não diz nada sobre talento, só uma sequencia deles. Para fazer história, um time de futebol tem que apresentar resultados por vários anos- eu chutaria, no mínimo 5 anos. É a estrutura do acaso do futebol que determina isso. Vitórias numa janela de 5 anos, sinalizariam um grande time, mas, para a história, precisa mais tempo.
Nassim Taleb, o pensador mais original sobre esses temas, diz assim: entre um operador financeiro rico, e um dentista igualmente rico, devemos respeitar mais o dentista. O acaso desempenha um papel muito menos relevante em sua profissão do que na do operador financeiro. A chance deste ter enriquecido por sorte, é maior que a do dentista.
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Você me consulta se deve fazer roleta russa. Ganha R$10 milhões se não morrer. Eu, consultor lógico, digo:”não faça isso”. Você me ignora, faz, e embolsa 10 milhões. Você pode se considerar um gênio, mas eu o considero um idiota sortudo (e rico).
Você me demite, claro. Eu ainda tento argumentar:”construa uma série de eventos, continue a fazer roleta russa e verá que é um estúpido (ou melhor, não verá porque vai morrer)..”.
Mas nós só enxergamos o visível imediato- o que, com muita frequência, é simplesmente resultado do acaso (randomness).Adoramos construir narrativas épicas em torno de não-significados.
O especulador financeiro que ficou rico deve saber o que está fazendo porque o “resultado” mostra que ele tomou decisões certas. Calma! Não julgue desempenho por resultados isolados em nenhuma área. Só séries históricas contam. Você tem de dar o desconto do tempo. Dê mais valor às cicatrizes do que à vitória do momento.
Voltemos à roleta russa. Se o tambor do revolver tem 6 posições e só uma bala, o ganhador dos 10 milhões despertará a admiração dos “analistas” (o mesmo pessoal que admira os maiores bilionários do mundo;esse tipo de coisa…). Rapidamente, o “vencedor” da roleta russa estará sendo usado como um modelo por sua família, amigos e vizinhos.
Mas, com o tempo, se o apostador tolo repete sua fórmula de sucesso, histórias ruins vão alcança-lo. Assim, se um apostador de 25 anos faz roleta russa, digamos, uma vez por ano, haveria uma possibilidade muito pequena de ele sobreviver até os 50. Mas, se houver jogadores suficientes (milhares de jogadores de 25 anos) podemos esperar ver um punhado deles extremamente ricos, rodeados por um gigantesco cemitério. Numa população de milhões de pessoas jogando na loteria, alguém vai ganhar o grande prêmio, só que, provavelmente, não vai ser você.
Isso tudo me remete ao caso Eike Batista (continua).