Innovatrix

Entrevista para o site Administradores.com

O segredo das ideias que dão certo
Clemente Nobrega conversou com o Administradores.com sobre o tema de seu novo livro

Existem negócios que nunca envelhecem. Eles se readaptam, modernizam e são capazes de sobreviver aos modismos. O pesquisador em gestão e estratégia Clemente Nobrega conhece os segredos das empresas que são capazes de se manter relevantes e, segundo ele mesmo destaca, essa é a palavra-chave da inovação. Ele escreveu o best-seller “Empresas de Sucesso, Pessoas Infelizes?” e agora lança seu novo livro, “A intrigante ciência das ideias que dão certo”, da editora Alta Books, sobre o qual conversou com o Administradores.com.

Vivemos uma época em que as pessoas estão sempre aguardando pela próxima novidade. Elas querem algo instigante, mas parecem se cansar do produto no minuto que algo diferente aparece. Como podemos vencer os anseios dos consumidores e criar um produto que permaneça vivo durante muito tempo?

Um produto que permanece vivo é um produto capaz de assumir formas e funções novas com o tempo; às vezes, completamente diferentes de sua concepção original. Ou seja, produtos ou empresas que permanecem, são aquelas capazes de se transmutar.
Isso ocorre porque as necessidades e desejos que definem o que vai ser adotado/aceito/comprado são muito estáveis no tempo; mudam muito devagar. As ferramentas que satisfazem essas necessidades/desejos mudam muito mais rápido. Tecnologias mudam em outra escala.

Para alongar prazos de validade dos produtos é preciso entender e separar bem o que é necessidade/desejo (que chamamos de job a realizar) e o que é ferramenta.

Para a Kodak, por exemplo, o job era “quero registrar momentos importantes para mim” (homens das cavernas já tinham este mesmo job há muitos milhares de anos). O filme fotográfico que fez a fama e a fortuna da Kodak era apenas a ferramenta “moderna” que realizava este mesmo job.

Quando a tecnologia introduz outra ferramenta que realize o mesmo job de maneira mais cômoda, barata e mais acessível de alguma forma, o usuário a adota, como fez com a câmera digital. Em retrospecto podemos dizer que se estivesse atenta ao job, a KODAK é que teria inventado o Facebook.

Você diz que Bill Gates, quando adolescente, não sabia que se tornaria grande como é hoje. Se ele não poderia prever que a Microsoft cresceria dessa forma, como nós podemos fazer esse tipo de avaliação?

Bill Gates fez 5 apostas simultâneas e uma deu certo, o sistema Windows. Nada garante que uma iniciativa terá sucesso, pois, se houvesse essa garantia, o risco inerente à inovação seria eliminado, e, com isso tornaria a vida uniforme e monótona, além de que não haveria geração de riqueza nem prosperidade. O que podemos e devemos fazer é minimizar as chances de fracasso, eliminando o que vai dando errado, não buscando concretizar a visão de uma coisa certa a partir de um grande “pulo do gato!”.

Para isso, devemos buscar ideias viáveis dentro do que do que chamei de “geografia” circundante e dar um passo adjacente dentro dessa dela, não um salto. Saltos não funcionam! Essa noção de que as ideias que dão certo estão adjacentes, num espaço que os cientistas chamam de “possível adjacente”, é que é a chave da coisa.

O YouTube não teria dado certo em 1995 porque não havia banda larga nem câmeras baratas. Deu certo nos anos 2000 quando essas coisas já definiam uma geografia adequada para que a ideia pudesse se materializar. Havia um possível adjacente a um passo. Há uma série de ferramentas e abordagens concretas para delinearmos as direções mais prováveis de ideias que estejam em possíveis adjacentes. É claro que elas não garantem nada, apenas delimitam áreas de busca mais promissoras. Se todas as soluções teoricamente possíveis fossem representadas pela circunferência de uma pizza, as direções mais promissoras seriam representadas por uma fatia da pizza. No livro “A intrigante ciência das ideias que dão certo”, da editora Alta Books, eu mostro algumas das técnicas e abordagens para fazer isso. A disciplina que trata delas chama-se inovação sistemática.

Inovação parece ser a palavra de ordem dos negócios. Você acredita que é possível incorporar esse DNA e como?

Inovação é um processo, não um evento. Ela tem de ser exercitada continuamente para ser aprendida. É possível incorporar o DNA da inovação se houver líderes que banquem o processo de aprendizado – com suas tentativas e erros inerentes – que fazem a inovação emergir. Não há outra forma.

No seu livro, você fala que grandes negócios nasceram de tropeços de seus inventores, como o fonógrafo e o Viagra. Hoje, quais os acidentes que estão mudando o empreendedorismo. Com tanta obsessão por resultados, ainda somos os mesmos que já transformaram milhares de erros em produtos valiosos?

Não se pode prever quais acidentes levarão a este ou aquele resultado. Se fosse possível, estaríamos eliminando o risco e, com isso, a beleza da aventura. O que se pode avaliar é apenas a direção da busca, a tendência, nunca o resultado específico. No mundo real há várias manifestações análogas de acontecimentos que não podem ser previstos. Grandes eventos muitas vezes se originam em distúrbios banais, mínimos, irrelevantes, o equivalente a um grão de areia que, ao se deslocar, provoca uma avalanche.

Por exemplo: não se consegue prever a magnitude de um terremoto. Terremotos, quando surgem, podem tanto passar totalmente despercebidos como podem eliminar cidades inteiras. Seria ótimo se pudéssemos computar a magnitude de um próximo terremoto, mas não podemos. Tanto a ocorrência como sua magnitude, são incomputáveis. O melhor que podemos fazer é avaliar as chances de que terremotos aconteçam em regiões definidas. Fazendo isso, podemos dotar essas regiões (próximas a falhas geológicas) de mecanismos para resistir a terremotos de grandes magnitudes, sem saber se e quando virá o próximo..

O que determina a ocorrência de um terremoto relevante depende da história – do acúmulo de uma série de ocorrências que vão deixando suas marcas no subsolo ao longo do tempo geológico-, e podem levar uma certa região do planeta ao que chamamos de “estado crítico”.

Nesse estado, qualquer distúrbio por menor que seja, pode levar a um abalo de grande magnitude. O estado crítico é hipersensível a “acidentes congelados” (frozen accidents) que podem desencadear grandes eventos. “Acidente congelado” é aquele grão de areia específico que provoca a avalanche, naquele momento exato. Bilhões, trilhões, quatrilhões de outros grãos de areia, iguaizinhos, não provocaram nada anteriormente. Aquele grão, naquele momento, provocou.

Assim como ocorre com um terremoto, a magnitude de um evento de marketing é incomputável. Se algo vai ser grande sucesso ou não, depende da história da empresa em seu ambiente. Lembre-se, um acidente congelado não depende de quão grande é o grão que cai, depende do estado em que o sistema se encontra, da história de como ele foi evoluindo até chegar ao estado em que está.

Numa empresa isso é definido por uma série de fatores como os relacionamentos internos, a cultura, a rapidez com que a empresa reage às informações de fora, a sua propensão para correr risco, os critérios que norteiam sua tomada de decisão sobre o que fazer ou não. Empresas que inovam estão permanentemente num estado crítico sintonizado com a sua geografia circundante. Seus líderes mantém a empresa assim. Nesse estado, algumas iniciativas que tomam podem virar grandes sucessos.

Hoje temos uma explosão de startups. Após a febre quais sobreviverão? Existem elementos que formam o perfil das empresas que dão certo?

As empresas que dão certo são as que experimentam, experimentam, experimentam. É a experimentação que as mantém no estado crítico. Elas não apostam num “pulo do gato”, apostam em vários gatos em condições de pular. Executam um processo de experimentação contínuo que, ao manter a empresa sintonizada com sua geografia, acaba produzindo acidentes congelados (“frozen accidents”) que desencadeiam a adoção maciça de alguma iniciativa sua. A empresa inovadora vive experimentando, e isso a mantém permanentemente no estado crítico, que é a condição para que possa acontecer algo surpreendente.

Isso sempre foi assim, mas hoje, como mostro no livro, temos de ser mais disciplinados no processo de produzir acidentes congelados. Eles não podem mais ser tão acidentais assim, temos que provocá-los. O que sobrevive é o que se mantém aberto à experimentação por meio da troca permanente com a geografia circundante.

No coração da coisa está a descoberta de que redes (de todos os tipos) – átomos, moléculas, espécies, pessoas e até mesmo ideias – têm uma tendência forte a organizar-se em padrões semelhantes. Se o sistema está no estado crítico, o tamanho do evento não depende da proporção do fato gerador. A maior das catástrofes pode não ter causas excepcionais. O maior dos sucessos de marketing também não. Não precisa um “grande pulo do gato”, um grande gênio, um grande investimento em pesquisa em desenvolvimento. Cada avalanche, grande ou pequena, começa da mesma forma: um único grão a desencadeia. O que causa uma avalanche, terremoto ou grande sucesso de mercado só tem a ver com o estado em que o sistema estava antes.Com a história que o trouxe até o estado em que se encontra. Para a inovação acontecer, o sistema que chamamos de empresa tem que ser mantido permanentemente em “estado crítico”.

Curiosamente, esse estado também é chamado de edge of chaos (à beira do precipício), significando que é uma situação em que a empresa se equilibra entre o conhecido e o desconhecido, entre o velho e o novo, entre o usual e a surpresa.

Conclui-se então, que empresas inovadoras são as que, graças a ação deliberada de seus líderes, estão permanentemente em “estado crítico” para possibilitar a emergência do inovador a qualquer momento. Mesmo a partir de ideias que não pareçam nada geniais, mesmo que sejam avalanches que se originaram em “grãos de areia” ,como foram quase todas as grandes inovações da era digital.

O que é mais importante hoje: o produto ou marketing? Na era do engajamento, será que estamos dando mais valor a propaganda que a inovação?

O mais importante é resolver problemas reais, satisfazendo necessidades e desejos de pessoas reais. Realizando JOBs de usuários.

* Entrevista para o site Administradores.com realizada em 20/07/2015, disponível em:
https://www.administradores.com.br/noticias/negocios/o-segredo-das-ideias-que-dao-certo/103127/

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