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Nós ou nossos genes?

O mundo visto pela ótica do gene egoísta é perturbador e desconfortável porque parece desafiar certas noções que todos nós prezamos.

Apesar das evidências, e de seu sucesso inquestionável, a aceitação da idéia que o interesse egoísta é uma força central nos jogos da vida, nunca foi uma coisa tranqüila. A constatação fundamental de que sempre, sem exceção, as coisas vivas são projetadas para fazer aquilo que aumente as chances de propagação de seus genes, pode implicar – no campo do comportamento humano – em conseqüências meio desagradáveis para a auto-estima da espécie humana.

Um ramo novo e crescentemente influente da Psicologia – chamado Psicologia Evolucionária – baseia-se exatamente nessa constatação: o comportamento humano pode ser iluminado pelas premissas Darwinianas. Quer entender nosso comportamento? Então trate de entender os processos evolucionários que os moldaram. Nossos cérebros – nossas mentes – não foram projetados para criar beleza ou descobrir a verdade ou o amor. Muito menos para viver em harmonia com outros seres humanos ou com a natureza. O objetivo para o qual a mente humana foi “projetada” foi o maximizar pelas gerações afora o número de cópias dos genes que criaram a ela, mente.

É verdade que há um perigo claro e histórico nessas coisas “sociobiológicas” (Hitler e a exclusão de “raças inferiores” são um exemplo, e volta e meia reaparecem idéias racistas supostamente respaldadas em Biologia). Mas o fato é que o Darwinismo nos dá excelentes meios para entender melhor o ser humano na banalidade de suas ações e reações.

O que a Psicologia Evolucionária ou (evolucionista) diz é que nosso cerne biológico é central para tudo em nosso comportamento. Pode parecer óbvio mas até agora a Biologia não teve muita importância para o entendimento da mente humana. Parece que isso está mudando.

Matt Ridley – um zoologista e escritor inglês – no livro “The Origins of Virtue” diz que: “nossos hábitos sociais, não surgiram por acaso mas são, isso sim, expressões de nossos instintos. É por isso que os sempre surgem em todas as culturas: família, barganha, amor, hierarquia, amizade, ciúme, poder… Isso a que chamamos de sociedade não foi algo inventado por humanos exercitando abstratamente algum tipo de raciocínio, mas algo que surgiu como parte da natureza humana. É um reflexo dela. Sociedades são também produtos de nossos genes e para entendê-las temos que olhar para dentro de nossos cérebros, para os instintos que a seleção natural programou em nós”.

O lado Frankenstein da coisa é o seguinte: procure com cuidado e você deve encontrar a marca selfish impressa em alto relevo por trás das nossas melhores aparências altruístas. Altruísmo para valer, desinteressado, completamente desvinculado de qualquer expectativa de retribuição, se existe, é raro. Como eu sei? Bem, a dinâmica Darwinista, explicitada com toda clareza pelo egoísmo do gene, aponta para isso. Não estou dizendo que isso seja só o que há; claro que não é só o que há. Estou dizendo sim, que isso deve ser muito do que há, e que sem entender isso, certamente não iremos longe na tentativa de entender nosso próprio comportamento.

A revolução do gene aconteceu em Biologia como conseqüência do trabalho de dois naturalistas: George Williams e William Hamilton, um inglês outro americano. Richard Dawkins no inicio de sua carreira de zoologista foi o maior vocalizador do primado do selfish gene, mas não foi exatamente o “inventor” da coisa.

O impacto mental dessa idéia é enorme. Steven Pinker, diretor do Center for Cognitive Neuroscience do celebrado MIT (veja entrevista dele nas páginas amarelas da Veja de 10.01.99), diz que ela é tão indispensável para pesquisa em comportamento animal como as leis de Newton são indispensáveis para o engenheiro mecânico. Com a descoberta de que o gene é interesseiro a importância que nós humanos sempre nos atribuímos desceu mais um degrau.

O próprio Dawkins reconhece que algo em nosso senso de humanidade induz à rejeição da idéia; diz ele: “Somos máquinas de sobrevivência – veículos robóticos programados cegamente para preservar as moléculas egoístas conhecidas como genes. Essa é uma verdade que ainda me inunda de espanto. Apesar de eu saber disso há vários anos, nunca me acostumei totalmente com ela”.

Para um dos leitores de Hamilton o impacto da descoberta do gene egoísta foi trágico. George Price aprendeu genética para refutar a tese de que altruísmo era apenas egoísmo genético “disfarçado”, mas acabou foi provando que a tese era correta e até fez algumas contribuições importantes para ela. Os dois – Hamilton e Price – começaram a trabalhar juntos, mas Price, que começava a mostrar crescentes sinais de instabilidade mental, voltou-se para a religião à procura de conforto. Doou todos os seus bens aos pobres e acabou suicidando-se num vazio e gelado cubículo londrino. Guardava apenas alguns poucos pertences; entre eles estavam cartas de Hamilton.

O escritor Robert Wright disse em “O Animal Moral ” ( também recomendo – saiu no Brasil pela editora Campus):

“Pense no seguinte: zilhões e zilhões de organismos andando por aí, cada um dos quais sob o comando hipnótico de uma única verdade. As verdades de cada organismo são idênticas, mas logicamente incompatíveis umas com as outras. A verdade que cada um comunica aos demais é: “meu material hereditário é a coisa mais importante da Terra; a sobrevivência dele justifica sua frustração, sua dor, e até mesmo sua morte.

E você (leitor) é um desses organismos, vivendo sua vida escravo de um absurdo lógico”.

Há dezenas de outros casos e depoimentos. Um dos precursores da idéia de que talvez a Biologia tenha muito mais a declarar sobre nossos hábitos e práticas sociais do que pensamos, foi Edward Wilson da Universidade de Harvard – especialista em insetos sociais como as formigas – autor de um livro clássico chamado “Sociobiology”. Wilson foi atacado (até fisicamente) por estudantes na década de 70 (jogaram água nele) por causa de suas idéias. Elas não eram politicamente corretas na época e até hoje não são. Até hoje sociobiologia, o termo que ele inventou, é um termo maldito.

Ninguém quer ser reduzido a uma mera máquina de sobrevivência. Isso nos priva da importância que achamos que temos.

Os partidários da idéia do gene egoísta reiteram que não estão prescrevendo normas de conduta baseados em Biologia, mas apenas chamando a atenção para fatos biológicos acreditando que a consciência deles pode nos fazer superar essa suposta escravidão genética.

O biólogo Randolph Ness, citado por Matt Ridley, escreveu em 1994: “a descoberta de que tendências altruístas são moldadas para beneficiar os genes é das mais perturbadoras da história da ciência. Quando eu a entendi, passei várias noites sem dormir, tentando achar uma alternativa que não desafiasse tão rudemente nossas noções de bem e mal. O entendimento (das implicações) dessa descoberta pode diminuir nossa dedicação às coisas morais: parece tolo a gente impor limites se o comportamento moral é apenas mais uma estratégia para promover o interesse dos genes. Alguns alunos meus fico encabulado em dizer, terminaram meu curso com a noção ingênua de que a teoria do gene egoísta parecia-lhes justificar o comportamento egoísta, apesar de meus esforços para explicar a eles a falácia naturalista”.

Falácia naturalista leitor, é a idéia errônea de que podemos aprender noções de certo e errado com a natureza. A natureza não tem nada a ver com certo ou errado. O processo do natural é indiferente a isso. Certo/errado são noções humanas.

Não, gene não é destino. Conscientes da natureza egoísta do gene teríamos muito mais chance de superá-la, dizem eles. O entendimento nos libertaria. É errado querer tirar conclusões morais da natureza. É errado achar que se algo é verdade na natureza tem que ser o melhor na sociedade.

Porém essas tentativas de colocar o egoísmo do gene no seu devido lugar têm sido inúteis.

O ácido universal do auto-interesse genético é corrosivo – tem uma tendência a dissolver até nossas convicções mais nobres – é compreensível que nos sintamos incomodados com ele. Ele pode acabar tomando conta de aspectos de nossas vidas que não suporíamos vulneráveis a ele.

Nossas emoções por exemplo.

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