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Inove ou Morra

Pensar que se trata de modismo é um erro potencialmente fatal. Essa não é como outras ondas que vieram e se foram (reengenharia, lembra?). O mundo empresarial está correndo em massa atrás da inovação como nunca fez com nada antes. O que está em curso é uma transição análoga à da revolução industrial – só que bem mais acelerada. Inove ou morra! Não é uma ameaça, é um alerta. Você não tem de ser “especial” para inovar. Basta saber ler as circunstâncias do seu negócio. A boa notícia é que isso pode ser aprendido.

Os anos 90 marcaram uma virada no mundo dos negócios (lá fora e aqui) causada pela convergência de vários fatores. O uso imaginativo da informação, que a tecnologia digital torna possível, foi a pólvora e o pavio da coisa. Por uso imaginativo entenda-se o emprego da tecnologia para ganhar dinheiro fora do molde usual. Inovação é sobre isso. Na década passada, o computador pessoal e a internet passaram a oferecer aos consumidores um poder de barganha inédito, o que acabou levando o consumo a uma mudança radical. Exemplo: a tradicionalíssima Enciclopédia Britânica (quase 300 anos) entrou em colapso no início da década. A IBM, ex-líder absoluta do universo da tecnologia, experimentou um tenebroso inferno astral no mesmo período (perdeu bilhões de dólares, demitiu milhares de pessoas e sua auto-estima foi para o brejo). Houve vários infernos, cada um com características próprias, mas os culpados foram os suspeitos de sempre: o PC e a rede. A IBM inovou para não morrer, transmutando-se rapidamente (mas não sem dor) em uma empresa de serviços mais do que de tecnologia, como sempre fora. A Britânica sofreu proporcionalmente mais. Quebrou. Arranjou casamento novo, foi abandonada pelo noivo e acabou reemergindo, também como algo completamente diferente, e já com um segundo novo dono. Ah, se o mundo empresarial abrisse os detalhes de seus casos de auto-estima destroçada…

Empresas pontocom surgiram e morreram aos borbotões. Quem sobreviveu ao darwinismo digital dos anos 90, hoje, é case, estudado e badalado (Yahoo!, eBay, Amazon…). Dos demais (a maioria) a gente nem se lembra… Ah, se os arautos do empreendedorismo-como-solução-para-qualquer-coisa fizessem a bondade de deixar claro que sucesso empreendedor à Bill Gates é coisa para raros… Uma história particularmente interessante é a da Apple. A empresa, que havia afastado seu fundador, Steve Jobs, em 1987, e experimentava uma decadência cruel, chamou Jobs de volta em 1997. Sob seu comando, ela logo ressurgiria com um novo ciclo de sucesso espetacular, graças a um fluxo de novos produtos matadores – o iMac primeiro, o iPod em seguida e finalmente o iPhone. Em 1996, a Apple estava em estado terminal, perdendo dinheiro hemorragicamente. No ano passado, a revista Business Week considerou-a a mais inovadora empresa do mundo. Dez aninhos depois, leitor. Por aqui, dois bancos (Bradesco e Itaú) assumiram a vanguarda em seu setor, e hoje estão entre os mais eficientes do mundo. A Casas Bahia – grande inovação brasileira -, surfando na estabilidade proporcionada pelo Plano Real, dava a partida numa revolução em crédito para a baixa renda. A Gol, poucos anos depois, abocanharia rapidamente uma fatia do mercado nacional de aviação, copiando uma inovação que já fazia furor nos Estados Unidos: a da SouthWest Airlines, um modelo de voar sem frescuras. Empresas brasileiras de todos os setores, por obra e graça da abertura econômica e das privatizações, começaram a buscar eficiências novas, ou forçadas ou inspiradas pelo que ocorria lá fora. A Toyota já era a inovação a estudar em automóveis. O Wal-Mart em varejo. A Nucor em siderurgia. A Nokia em telecomunicação. A British Petroleum em petróleo e gás. Todas essas manifestações têm a ver com formas novas de ganhar dinheiro. Ou seja, de inovar. Soa meio rude, mas inovação é sobre isso. Só sobre isso.

A última vez em que teclei a expressão business innovation no Google apareceram 153 milhões de referências. Nenhuma empresa, de nenhum setor, pode deixar de prestar tributo à deusa inovação – uma deusa vingativa e carente. Se você não a reverenciar, está fora do jogo. O problema é a variedade de seitas que se propõem a cultuá-la. Como navegar nesse emaranhado de opções? Como escolher a inovação certa para sua empresa?

Ouvir gurus pode ser perigoso, pois você corre o risco de ficar travado, em pânico, bombardeado por todo lado. É que vão confundi-lo, entoando todo tipo de mantra relacionado à criatividade. Vão exortá-lo a pensar fora da caixa. Vão dizer que você tem de se “reinventar”. Vão confrontá-lo com exemplos de grandes inovadores do mundo dos negócios (Bill Gates, Henry Ford) só para lembrá-lo de que você jamais será como eles. Pior: tentarão convencê-lo de que inovação é sobre o carisma de “pessoas especiais”, ou que tem a ver com executivos que se inspiram em monges (ou algo assim, não li o livro), em “líderes servidores” (também não li, sem chance). Se esse negócio de inovação tem alguma importância (e tem), então não podemos ficar apenas nessa contemplação voyeurista do sucesso de outros. Temos de estudar essa coisa. Estudar para praticar, como se estuda medicina, engenharia, direito. Temos de aprender a fazer inovação. Para poder ser aprendida por pessoas comuns (não pelos “especiais” e “carismáticos”, que só servem para nos humilhar). Inovação, como qualquer coisa, tem de poder ser codificada. Precisa ser transformada em disciplina.

INOVAÇÃO É ASSIM COMO… LIDERANÇA

Um líder é alguém que conduz uma organização para um certo rumo. As ferramentas que ele deve usar para isso dependem das circunstâncias em que a organização se encontra. Não existem nem ferramentas nem nenhum atributo/atitude/competência que alguém possa ter válidos para toda e qualquer circunstância dos negócios. Seria o mesmo que receitar aspirina para qualquer doença, apenas porque para enxaqueca funciona muito bem. Nenhuma disciplina digna desse nome funciona assim. Tudo o que é sério no mundo do conhecimento é contextual: a “coisa certa” depende das circunstâncias de cada caso. Só em administração se receita aspirina para qualquer mal, porque – ao contrário do que ocorre com médicos, advogados ou engenheiros – jamais nos ensinam a decidir com base em circunstâncias. Pensar sobre “circunstâncias” é algo maciçamente ausente do mundo da gestão. Ninguém nem sabe o que é. Preferimos perder tempo com vacuidades como “líderes servidores”, ou com os carismáticos de sempre. É pena, pois é exatamente essa habilidade que torna alguém competente tanto para liderar como para inovar. Gestão hoje é inovação, não mais “supervisão”, uma noção esclerosada, da época da revolução industrial, quando os trabalhadores eram autômatos burros. Agora gestão é sobre formas de gerar dinheiro novo continuamente.

A única característica que conta para um líder é a habilidade de entender as circunstâncias e decidir o melhor a fazer naquelas circunstâncias. Em um artigo recente, Clayton Christensen, professor da Harvard Business School, mostrou brilhantemente que há situações muito bem definidas, em que o líder tem de usar força, ameaça e coerção (que ele chama de ferramentas de poder). Nessas circunstâncias específicas, nenhuma outra ferramenta produz resultados. Liderança nada tem a ver com carinho ou brutalidade, amor ou ódio, suavidade ou aspereza, materialismo ou espiritualidade. Em gestão, esses atributos pessoais genéricos não significam nada. Você pode, pessoalmente, ser qualquer coisa. Pode ser servidor ou exterminador. Pode ter a disciplina do militar ou a exuberância do artista. Pode se inspirar em monges contemplativos ou em guerreiros ninjas. Só o que conta é o resultado que você obtém nas circunstâncias da empresa em que está.

Com inovação é a mesma coisa. Ela é multifacetada como um poliedro irregular. Uma coisa concreta, mas que confunde, se você se limitar ao que vê da perspectiva pela qual observa. Há sempre outras faces a considerar. É multifacetada porque o tal dinheiro novo pode ser gerado de várias maneiras (basicamente: novos produtos, novos processos ou novas concepções de negócio). Inovação tem duas características:

>>> 1. Tem de gerar dinheiro (se não dá dinheiro não é inovação, é novidade, e novidade é irrelevante em business. Além de se vingar de quem a despreza, a “deusa inovação” é também interesseira);
>>> 2. Tem de representar uma quebra do molde até então estabelecido.
Exemplo: a IBM pós-Lou Gerstner (o presidente que liderou a reinvenção da empresa no início dos anos 90) é uma empresa muito diferente da que era antes. O dinheiro novo veio de um novo molde: mais serviços, menos hardware. Dinheiro novo é a síntese de a e b. Às vezes, a quebra de molde vem de produtos (iPod, Prozac…) ou de algum material novo (o nylon fez a riqueza da DuPont). Nesse caso, a ruptura se dá por invenção. As empresas de sucesso na internet – Google,Yahoo!, eBay – são invenções de novos conceitos de negócio. Moldes novos construídos sobre a infra-estrutura que a internet propicia.

É aqui que surge nosso maior problema. Tendemos a só valorizar inovações do tipo produto/conceito revolucionários, que são coisas para poucos. Por agir assim, desprezamos (por ser menos charmosos) outros tipos de inovação que podem gerar dinheiro novo para muitos. É que somos românticos. Adoramos aquela imagem de inventores hipercriativos trabalhando em garagens, isolados do mundo, e produzindo artefatos (o PC) ou conceitos de negócio (Google) geniais. Pensamos, erradamente, que indústrias como a farmacêutica, que vivem da criação contínua de novos produtos, são confrarias de cientistas malucos em laboratórios, tentando novidades a seu bel-prazer e criando Viagras e Prozacs por algum talento “especial”. Esqueça esse negócio de inovação romântica, garagens etc… É charmoso, mas não vai levar você a lugar nenhum.

ABAIXO A INOVAÇÃO VOYEURISTA

A noção voyeurista de inovação – algo a ser admirado em outros, não a ser praticado por nós – nos prejudica terrivelmente. Não é isso que devia nos seduzir. Tornar-se empreendedor de sucesso já não é para todo mundo. Ser inovador daqueles que-inventam-um-produto-genial-que-o-mundo-inteiro-corre-para-comprar é para menos gente ainda. Provavelmente não é para você, leitor. Não se ofenda, mas, se você está lendo este artigo, é provável que não seja genial o suficiente. Se você fosse genial para, digamos, inventar um remédio que transformasse carecas em cabeludos em 24 horas, não estaria perdendo seu tempo comigo. Estaria em sua garagem (transformada em laboratório), cercado por tubos de ensaio, envolto em densas névoas de criatividade, produzindo amostras de sua invenção e imaginando os milhões que iria ganhar. Não é nada pessoal contra você, é estatística. A pessoa média é média, não genial. O pintor médio não é Van Gogh, é médio. O cientista médio não é Einstein, é médio.

Steve Jobs não é (não pode ser) representativo do “inovador médio”. É claro que em qualquer população grande há os fora da curva. Numa grande população de compradores de bilhetes de loteria, é certo que alguém vai ganhar, só que provavelmente não vai ser você. Não quero desmotivá-lo, mas é muito mais inteligente aceitar que você não é gênio, e tirar partido disso. A vantagem é que, ao fazê-lo, a gente se coloca numa posição ótima para o que realmente conta neste nosso contexto: ganhar dinheiro inovando. Se Steve Jobs é o cara a admirar (voyeuristicamente) quando o tema é inovação do tipo “gênio solitário na garagem”, em quem nós, os medianos, devemos nos inspirar para aprender e praticar uma inovação a nosso alcance?

Sam Walton, fundador do Wal-Mart, poderia ser um candidato. Ele está no extremo oposto ao de Steve Jobs no espectro da inovação. Walton, caipira, interiorano de Bettonville (Arkansas,EUA), introduziu uma série de inovações no varejo e criou um império. Varejo? É sim, o que é que tem? Ou você acha que só se pode inovar criando engenhocas insanamente grandiosas? Hoje a segunda maior empresa do mundo, o Wal-Mart tornou-se um ícone de eficiência no mundo global, colocando em prática um tipo de inovação que pode ser estudada, aprendida e praticada em todos os tipos de negócio. Isso pode ser feito por meio de conhecimentos codificados em disciplinas conhecidas. O que une os dois – Walton e Jobs – é o fato singelo de terem produzido riqueza em larga escala; suas empresas quebraram os moldes das práticas vigentes em seus setores, liberando toneladas de dinheiro novo que fizeram suas respectivas indústrias (varejo e produtos tecnológicos de massa) se tornar fonte de prosperidade para a economia inteira.

Se eu tivesse de escolher alguém para me ensinar a ganhar dinheiro inovando, Sam Walton – o caipira que nunca inventou nenhum produto genial – seria uma escolha melhor do que Steve Jobs. Para mim e para os milhões de “médios” que, como eu, sabem que não são gênios. Que já desistiram de sonhar intensamente sem desistir nunca. Que perderam a fé nas forças cósmicas. Que não têm mais tempo nem saco para se “reinventar” ou para se transformar em “servidores”. Bancos, hotéis, hospitais, manufaturas… todos os setores econômicos estão tirando partido da inovação do tipo Wal-Mart. É o modelo em curso para trazer para o mercado de consumo milhões de chineses e hindus, oferecendo-lhes produtos e serviços de alto valor (preço baixo com qualidade). A descrição mais vívida das operações do Wal-Mart é a de Thomas Friedman em O Mundo É Plano:

“De um lado, um sem-número de caminhões brancos do Wal-Mart descarregam caixas de mercadorias de milhares de fornecedores diferentes. Caixas de todos os tamanhos são depositadas em esteiras rolantes em cada ponto de carregamento, e as esteiras menores desembocam todas noutra maior. Pequenos afluentes de um grande rio. Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, os caminhões dos fornecedores abastecem os 20 quilômetros de esteiras secundárias que, por sua vez, alimentam o grande rio principal de caixas cheias de produtos. Mas isso é só metade do espetáculo. Enquanto o rio do Wal-Mart corre, uma célula elétrica lê os códigos de barras de todas as caixas. Chegando ao outro extremo do prédio, o volumoso caudal volta a dividir-se em uma centena de regatos, nos quais braços elétricos separam as caixas conforme as lojas de destino, e conduzem cada uma para sua respectiva esteira rolante; esta transportará aqueles produtos até o caminhão que os espera para levá-los para as prateleiras de um Wal-Mart em alguns pontos dos EUA. Lá, um cliente vai pegar um desses produtos e levá-lo para a caixa, onde seu código de barras será lido por uma leitora ótica; neste exato momento será gerado um sinal, que vai atravessar toda a rede do Wal-Mart e chegará ao fornecedor daquele artigo – quer ele se localize no Maine ou no litoral da China. O sinal vai piscar na tela do computador do fornecedor, dizendo-lhe que fabrique outro item daquele e o envie pela cadeia de fornecimento, reiniciando todo o processo outra vez. Assim, basta o cliente tirar o produto de uma prateleira do Wal-Mart e passá-lo pela caixa para outro braço mecânico começar a fabricar seu substituto em algum lugar do mundo. É uma verdadeira sinfonia Wal-Mart em vários movimentos – só que sem um finale. A sinfonia vai se repetindo, repetindo, repetindo, 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano: entrega, seleção, embalagem, distribuição, compra, fabricação, novo pedido, entrega, seleção, embalagem…”

INOVAÇÃO É DINHEIRO NOVO

O mundo de negócios global sugere que a modalidade mais geral de inovação hoje – aquela que pode ser aplicada em numerosas circunstâncias de negócios – é a “inovação do tipo Wal-Mart”, não a inovação do tipo “gênio na garagem”. A lógica da coisa é muito direta: a tecnologia está possibilitando sincronizar, quase em tempo real, o fluxo de atividades de qualquer empresa em qualquer setor, e isso pode quebrar moldes tradicionais e liberar muito dinheiro novo que antes ficava preso. Vamos entender bem isso.

Nas transações comerciais há sempre dinheiro preso implorando para ser libertado. Como assim? Simples. O dinheiro fica preso em ineficiências, gargalos e fricções que existem entre a seqüência de atividades que qualquer empresa (e seus fornecedores) tem de desempenhar para fazer o que faz. Conceber, projetar, produzir, vender, entregar e dar suporte àquilo que vendem. Toda empresa faz isso, independentemente do setor em que atue. Quanto mais ágil (fluido, sem atrito) for o fluxo de informações e atividades entre os elos dessa cadeia, mais dinheiro a empresa ganha, porque menos dele fica aprisionado nas ineficiências do caminho.

Por exemplo: eu saio para comprar minha cerveja favorita, mas me informam que ela está em falta: o distribuidor não a entregou nesta semana. O fabricante está deixando de ganhar dinheiro porque há algum gargalo na cadeia que traria seu produto até mim. Pode ser que esteja faltando alumínio para as latinhas, pode ser que o fabricante não esteja dando conta de um aumento de consumo. Pode ser que o distribuidor é que não tenha providenciado mais caminhões para a entrega. Pode ser um monte de coisas em vários elos da cadeia. O fato é que o gargalo, esteja onde estiver, está prendendo dinheiro. O mesmo estaria ocorrendo se o fabricante tivesse produzido cerveja demais, excedendo a demanda. Ela ficaria encalhada e o varejista teria de dar descontos para minimizar o prejuízo. Em ambos os casos o dinheiro está sendo perdido pela falta de sincronia entre a oferta de alguma coisa e a demanda por essa coisa. Se eu só fico sabendo dos gargalos depois que eles já ocorreram, já perdi dinheiro. Ou, pior, se considero que os gargalos são da natureza intrínseca daquela atividade, e nada pode ser feito contra eles, perderei dinheiro permanentemente. É nesses cenários que surgem os inovadores para libertar o dinheiro preso, que os outros achavam que ninguém jamais conseguiria libertar.

>>> Vou repetir até ficar rouco: inovação não é questão de genialidade. Para que ela aconteça são necessárias apenas duas coisas:
>>> 1. Conhecer muito bem as minúcias de cada elo da cadeia. O dinheiro novo está nessas minúcias. Desde um fornecedor comprando a matéria-prima para as latinhas, digamos, até a entrega dos fardos de cerveja em algum boteco em que será consumida (pensando bem, gargalo não é um termo ruim nesse contexto);
>>> 2. Pensar aplicada e disciplinadamente sobre como eliminar gargalos em cada elo. Não aceitar que as coisas têm de ser como sempre foram. Criar metas para que se eliminem ou diminuam custos de gargalos. Metas de inovação, sim, senhor! Como as metas financeiras, elas têm de ser parte integrante de qualquer sistema de gestão. Isso pode sempre ser feito. Desculpe o anticlímax, mas é assim que é.

As empresas que conseguem montar sistemas para minimizar gargalos, para fazer a informação e as coisas fluírem sincronizadamente, sem atrito, são as que estão liberando mais dinheiro novo. Ao “engenheirar” a sincronia entre a informação (“o consumo de cerveja aumentou”) e as atividades associadas a essa informação (“produza mais cerveja”), essas empresas é que estão inovando da maneira que nos interessa. O mundo está reconhecendo mais esse tipo de inovação do que aqueles baseados em novos artefatos geniais. Viagras e iPods são exceções.

O INOVADOR PROFISSIONAL NÃO É SUPER-HERÓI

Não existe mais diferença entre supermercado, fábrica, hotel, hospital ou parque de diversões. A indústria da moda e a indústria do concreto e cimento são a mesma coisa. O fato de um hospital ganhar mais ou menos dinheiro depende, em geral, mais da engenharia do fluxo de informações em sua cadeia interna de atividades do que da medicina que pratica. Exatamente da mesma forma que um supermercado. Desculpem, doutores. Para liberar dinheiro preso, a informação tem de ser “engenheirada” entre os elos da cadeia. Quem orquestra melhor a informação ganha. Orquestrar quer dizer: reger os vários atores que têm de ser sincronizados para que a empresa faça o que se propõe a fazer. Eis aqui a disciplina do inovador profissional. Não é retórica nem papo de consultor. Se você sonha grande, não precisa mais perder tempo com visões fora do seu alcance. A disciplina do inovador profissional não precisa de super-heróis, mas tem também um caráter épico. Ao adotá-la, você se tornará um libertador de dinheiro!

Empresas como a Apple jogam todas as suas fichas nos elos “conceber” e “projetar”. Não que desprezem os demais, mas eles não são seu foco. Ao contrário, empresas como Wal-Mart, Dell, SouthWest, Cemex e Toyota, entre dezenas de outras, ajustam seu foco nos elos “não-produto” de suas cadeias. Buscam, dia a dia, oportunidades de melhorar nesses outros elos. Concebem e reconcebem suas operações em busca disso. Seus produtos e serviços são bacanas, claro, mas não são mais bacanas de modo distinto. O iPod sim, é cool de modo distinto, pois a personalidade da Apple exige isso. O “segredo sujo” do mundo da inovação, porém, você já sabe: a Apple é exceção, não regra. O dinheiro novo está vindo, e tende a vir cada vez mais, da maneira como o processo total de conceber, projetar, produzir, vender e dar suporte é engenheirado e orquestrado. É por fazer isso com mais competência que os grandes inovadores do mundo global estão ganhando mais dinheiro. Dez entre as dez maiores empresas do mundo são desse tipo.

Pensar uma empresa qualquer como uma cadeia de atividades cujos elos devem ser sincronizados via informação é fundamental para a inovação que conta. Os cursos de administração – essa fantasia que não me canso de criticar – deveriam partir dessa visão de empresa, mas preferem adotar concepções do século 19. Como os produtos/serviços tendem a tornar-se cada vez mais parecidos (todo carro 1.0 é igual a qualquer outro carro 1.0; todo PC é igual a qualquer outro PC…), você tem de tentar liberar dinheiro em elos da cadeia que não o produto em si. Hoje, todos têm “o melhor produto”. A Microsoft e a Intel, por exemplo, ganham mais que os produtores de PCs dominando “pedaços” dentro do elo “produção” – o sistema Windows e o microprocessador Intel. As circunstâncias da economia global forçam as empresas (não todas, a maioria) a convergir para a inovação nas operações. A Cemex (Cementos Mexicanos), líder mundial em cimento e concreto, pratica o mesmo tipo de inovação que a eCourier (empresa de entregas por motoboy), que pratica a mesma inovação que a Boeing, que pratica… Você entendeu. Em New Rules for the New Economy, o especialista americano Kevin Kelly conta a história da Cemex, que resumo livremente abaixo.

>>> Entregar concreto no tempo certo, numa construção em Guadalajara (sede da empresa), era um milagre. Engarrafamentos, estradas péssimas, compradores que não podiam receber na hora em que disseram que poderiam, tudo fazia com que a taxa de entregas no tempo certo fosse de menos de 35%. Para piorar: cada remessa não dura mais que 90 minutos no cilindro rotativo do caminhão. A Cemex promete entregar concreto mais rápido que pizza. Seus executivos estudaram a Federal Express, em Memphis, uma operação montada em torno da entrega de produtos perecíveis em qualquer lugar do mundo. Ficaram maravilhados com a utilização precisa de sistemas de informação. Foram visitar a central de atendimento do corpo de bombeiros em Houston. Os bombeiros respondiam a casos de ataque cardíaco, incêndios, alarmes falsos e emergências de toda sorte. Sempre havia um número adequado de ambulâncias e paramédicos para cada local da cidade. O pessoal da Cemex concluiu que o sistema funcionava porque, apesar de imprevisíveis individualmente, as emergências permitiam que fosse planejado um padrão de atendimento. Resolveram adotar o lema “se não chegar na hora, você não paga”. A mesma promessa da Domino Pizza. É o cliente que fixa o prazo de entrega. Os caminhões ficam liberados para rodar por toda a cidade, gerenciados por um sistema de informações que cruza sua localização com os pedidos e o lugar em que a encomenda deve ser entregue, tudo levando em conta as condições do tráfego. Eles foram equipados com transmissores e receptores conectados a um sistema de localização por satélite. Informação precisa disponível para todos os motoristas e despachantes, que podem decidir o que fazer, direcionando o pedido para o caminhão mais bem posicionado para fazer a entrega.

>>> Outro caso: o negócio de entregas de encomendas em geral é muito mal estruturado. A maior parte das empresas é de pequeno porte e compete só por preço. Recebe pedidos por telefone e os passa para um expedidor, que envia uma mensagem de rádio para localizar algum entregador livre. A idéia da inglesa eCourier é fazer tudo online. O cliente entra no site da empresa com os endereços de coleta e entrega, e o pedido é automaticamente direcionado para o mensageiro mais bem colocado para fazer o trabalho. Cemex? Não, eu disse eCourier, mas é a mesma coisa. Os clientes podem acompanhar o progresso do veículo de entrega em seu computador. A entrega é confirmada por e-mail. Os mensageiros usam GPS e computadores de mão para manter o sistema atualizado.

>>> E Thomas Friedman nos fala da Boeing: “O tempo de montagem de um Boeing 737, que hoje é de 11 dias, era de 28 há poucos anos. A Boeing contrata diversas companhias de aviação russas (célebres durante a guerra fria pela fabricação de aviões militares com nomes como Ilyushin, Tupolev, Sukhoi) que lhe fornecem engenheiros sob encomenda para projetos variados. Usando um software francês, os engenheiros russos (trabalhando na Rússia) colaboram com seus colegas da Boeing America – localizados em três cidades: Seattle,Wichita e Kansas – em projetos de aviões, auxiliados por computador. A empresa montou um dia de trabalho de 24 horas, composto por dois turnos em Moscou e um nos EUA. Desenhos são transmitidos para lá e para cá, por meio de alta tecnologia especializada.Há salas de videoconferência em todos os andares do escritório da Boeing em Moscou. Os engenheiros não dependem de e-mails quando têm de resolver alguma pendência técnica com seus colegas americanos”.

A INOVAÇÃO QUE CONTA

Coloque-se na pele de um jovem ambicioso que se sente atraído por idéias empreendedoras. É um jovem inteligente o suficiente para não almejar ser Bill Gates: ele quer apenas fazer sucesso. É certo que as possíveis escolhas dele estarão orientadas para atividades que têm a ver com os caminhos que o dinheiro tende a percorrer – os caminhos da inovação. O que ele deveria estudar? Estou falando pragmaticamente, deixando de lado escolhas mais vocacionais (e totalmente legítimas), como artes, humanidades ou ciência pura. Atividades assim não informam de modo previsível o mundo da inovação para as massas, que é o nosso tema aqui. O que informa, então? Bem, os conhecimentos-chave para a “inovação que conta” são logística (engenharia de produção), matemática e sistemas de informação (TI). Todos os exemplos que vimos têm relação com esses saberes. Matemática, é?

É, sim, matemática aplicada é a solução de problemas práticos do tipo “como ganhar dinheiro com um serviço de motoboys?”. Ou “como entregar concreto na hora exata?” Ou… Não vou repetir. Voltemos à eCourier, exemplo que só citei para ter um pretexto para falar de matemática. A chave do serviço está em escolher o mensageiro mais bem posicionado para fazer a entrega. Aquele que o sistema GPS mostra ser o mais próximo do local da coleta não é necessariamente o mais apropriado. Por exemplo, um mensageiro em São Paulo, que esteja a apenas algumas centenas de metros de um endereço de coleta, pode levar 20 minutos para passar de uma pista da Avenida Marginal para outra, na direção oposta. Outras informações, como condições do tráfego e a performance individual de cada mensageiro, também têm de ser consideradas. Como escolher o motoboy mais apropriado? Isso é um problema matemático, e a eCourier passou algum tempo procurando alguém capaz de resolvê-lo. A equipe conduzida por Cynthia Bernard, perita em logística do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, inventou um algoritmo complicado, que está agora no coração do negócio da eCourier, embutido em seu sistema (TI), da mesma forma que um algoritmo matemático dirige o Google. Note que o problema é o mesmo da Cemex para direcionar seus caminhões. Matemática é importante em toda “inovação do tipo Wal-Mart”. Otimização de fluxos de informação ou de coisas físicas, como caminhões de concreto, mercadorias em centros de distribuição ou motoboys, requer matemática. Há um extenso mercado se abrindo para a matemática aplicada ao mundo da informação em negócios. Não precisa se assustar, não é para nós, mas o futuro mostrará que as empresas realmente inovadoras se apoiarão muito em profissionais com base matemática, pois ela é essencial para possibilitar o uso imaginativo da informação. Se você tem filhos bem jovens, é provável que um deles decida se tornar otimizador de mecanismos de busca. É que por causa do sucesso dos Google e Yahoo! da vida, há uma demanda crescente para essa atividade. É assim. Você tenta decifrar a matemática por meio da qual o Google faz suas buscas, e monta o site de sua empresa de modo que, quando alguém digitar (no Google, por exemplo) o nome genérico do produto que você tem para vender, o seu site apareça em primeiro lugar. Isso pode significar milhões de dólares em lucros extras. Como explica Thomas Friedman: “Se quando alguém busca por vídeo câmera o produto que sua empresa fabrica aparecer primeiro, as pessoas que vão clicar no seu web site são aquelas que mais provavelmente vão comprar de você”. Os otimizadores de mecanismos de busca desenham estratégias de marketing via web para que as vendas de seu produto aumentem. No Sunnyvale (Califórnia), no campus do Yahoo!, o chefe de pesquisas Prabhakar Raghavan lidera uma equipe de 100 matemáticos e cientistas especializados em computação. Rabiscando em um quadro branco cheio de equações, Raghavan descreve a imensa base de dados que registra as atividades online de 200 milhões de pessoas registradas no Yahoo!. É o patrimônio mais precioso da empresa. Há um mundo inteiro de negócios não inventados, que nascerão à medida que o Yahoo! descubra novos modos de satisfazer impulsos, curiosidades e desejos dessa base de clientes. Esses negócios futuros estão escondidos (presos!) nos oceanos de dados da empresa. O trabalho de Raghavan é examinar minuciosamente esses dados e garimpar novas conexões entre consumidores, e-comerciantes e anunciantes.

Lembre-se: os mesmos princípios podem ser aplicados a qualquer tipo de empresa. Pense num hospital. Médicos, em geral, ficam doentes quando têm de submeter-se a procedimentos protocolares – são notoriamente avessos à disciplina operacional. Essa é uma das razões pelas quais os custos de grande parte dos hospitais (a maioria) fogem do controle. Hospitais (para ganhar dinheiro) precisam de gestão da produção, como uma fábrica. Precisam de práticas para eliminar gargalos no fluxo de pacientes que chegam à emergência, na ocupação dos leitos das UTIs, nas visitas dos médicos a seus pacientes internados e conseqüentes altas, nos procedimentos operacionais das intervenções que são realizadas, na programação da distribuição de remédios pela farmácia etc…

Gargalos em hospitais são “estoques de gente” – ou esperando para ser atendida, ou esperando para ser liberada. É urgente introduzir a mentalidade Toyota/Wal-Mart nos hospitais. Há muitos estudos mostrando como uma atenção mais “engenheirada” a essas coisas aumentaria a eficiência (menos custo, mais qualidade), mas são raríssimos os hospitais que praticam essa disciplina. Fale disso, e alguém arregalará os olhos: “Mas hospital é diferente. Não é supermercado, não é empresa aérea, não é montadora de carro”. Errado. É igual, sim. Em termos de negócio, é igualzinho. Sincronize informações para otimizar o fluxo de coisas de A para B (seja pacientes num hospital, seja pacotes de fraldas descartáveis num supermercado) e você libertará dinheiro preso. O problema da maior parte dos hospitais não é medicina, é engenharia.

Eis o resumo da coisa: inovação como disciplina se pratica por meio do uso imaginativo (não genial) de conhecimentos que estão ao alcance de todos. Isso se faz usando tecnologia da informação, matemática e logística, para conceber novas maneiras de se fazer velhas coisas, para reconfigurar processos de negócios que já existem ou criar novos conceitos de negócio.

A carreira profissional associada a isso deveria chamar-se gestão da inovação, em vez de administração de empresas. Uma boa carreira para começar nesses temas é engenharia de produção. As coisas não são assim porque eu queira, ou porque não goste de Steve Jobs (admiro o cara; para mim, é o maior inovador da segunda metade do século 20). É assim por razões econômicas. O dinheiro do mundo está gravitando em direção à eficiência. Rapidez. Fluidez. Entrega. Paradoxalmente, quanto mais a economia se torna digital/virtual, maior a necessidade de orquestrar o fluxo de coisas físicas de A para B. O velho mundo cheio de caminhões, engarrafamentos, contêineres, supermercados, construções, depósitos e aviões está cheio de oportunidades encarceradas pela falta de imaginação e de conhecimento.

Esse mundo está sendo transformado pelas novas sensibilidades que a tecnologia inspira, e tanto os negócios como nós próprios estamos sendo modificados. Ninguém – nem empresa, nem pessoa – será relevante neste velho novo mundo, sem atenção às possibilidades da informação conectada. Ritmo, fluidez, sincronização… Não resisto ao pensamento de que a lógica das transações comerciais está ficando mais bio, cada vez mais biológica. Uma coisa viva parece estar emergindo dessa dança. Aquele centro de distribuição do Wal-Mart lembra o sistema nervoso de um organismo complexo. A dinâmica da inovação que descrevi tem tudo a ver com isso. Ou abraçamos ativamente essa nova lógica, ou seremos desprezados pelo novo velho mundo. Quem quer ser ator, e não figurante, não tem opção. Ou corremos decididamente a seu encontro, ou seremos irrelevantes nele. É inovar ou morrer.

Chat com Clemente Nobrega no dia 28/5 às 15h.
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* Artigo publicado na Revista Época Negócios – Nº 3 – Maio 2007 – P. 94

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