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“Gestão à brasileira” – (será que isso existe, gente?)

Uma das perguntas que mais me fazem é a seguinte: “Por que você usa tantos exemplos de empresas e empreendedores estrangeiros em seus cursos e palestras? Será que não existem casos brasileiros dignos de nota? Dá a impressão de que nós brasileiros somos empreendedores de segunda classe… põe nossa auto estima lá em baixo.”.
Bem, é claro que existem empreendedores e casos brasileiros dignos de nota.
Existem muitos até, mas a crítica não tem muito cabimento não. Por quê? Vamos lá.

Meu trabalho nada tem a ver com motivação no sentido no qual a gurulândia dos palestrantes e consultores assumiu esse termo. Não faço palestras ou dou cursos para despertar sentimentos, inspirar ou emocionar. Motivação para mim é entender e adquirir conhecimento. Honestamente, acho um despropósito ficar enfatizando características pessoais de executivos e empreendedores. Acho errado. Carisma pessoal não é condição para nada no mundo das empresas. A revista The Economist publicou no final de outubro de 2003 um survey sobre liderança corporativa que voltou a confirmar isso. Eu mesmo já tinha falado sobre a desimportância dessa coisa de “carisma” (não confundir com empreendedorismo, algo totalmente diferente).
(Leia meu artigo – Sua empresa vai durar mais 100 anos?)

A egolatria é uma praga no mundo empresarial. Você entrevista qualquer CEO e ele se coloca no nível de Deus.Todos adoram falar de como são excepcionais, diferentes, visionários… De como venceram as maiores adversidades graças a uma visão, uma coragem, uma percepção do mundo que a maioria de nós jamais terá. São todos legends in their own minds, e, cá pra nós: enfeitam, exageram, fantasiam e inventam pacas. Com todo respeito: dou muito pouco valor ao que eles acham deles mesmos. Eu quero é saber o que podemos verificar, independentemente do que eles dizem.

O foco de meu trabalho é construir uma visão da gestão que não dependa de personalismos, dependa só de princípios gerais válidos em qualquer lugar. Só me interesso pelas leis de Newton, não por Newton, entende? Aliás, Newton como pessoa, era bem chatinho e desinteressante. Darwin, meu herói supremo em ciência, idem. Inseguro, meio “deprê” e nada carismático. Einstein, tão justamente celebrado, nunca teve muito a declarar fora de sua “praia” em ciência. Quando tentou incursionar por questões ideológicas fazendo a defesa do socialismo (num paper de 1949) com base em “intuições” e “sentimentos”, errou feio. Henry Ford, talvez o maior empreendedor da história, ferrou-se tristemente na vida familiar, e era uma pessoa extremamente problemática, para dizer o mínimo. Quer dizer: esse negócio de cultuar personalidades é uma furada. De perto, ninguém é normal. A ciência é muito mais importante que o cientista. O método da ciência é muito mais importante do que quem o aplica. É esse método – que pode ser usado por qualquer um, não apenas por cientistas – que eu quero usar em gestão.

Como só me interessam as idéias e conceitos que definem o que chamo de “disciplina da gestão”- vista assim, quase como uma “ciência” – tenho que ilustrar seus princípios com exemplos “acima de qualquer suspeita”. Uso muitos casos de empresas estrangeiras por esta única razão: eles estão ultra-documentados por fontes idôneas.
Certamente haverá dezenas de excelentes casos brasileiros de alto valor didático, mas onde eles estão documentados? Qual instituto/universidade chancela as informações? Quem garante a credibilidade delas? Não valem esses livrões bonitos que as empresas patrocinam não, tá? Nossa única fonte de informação é (praticamente) o que sai nos jornais e revistas, mas jornalismo é jornalismo, pesquisa é outra coisa. Sei que algumas instituições produzem teses e alguma pesquisa de campo, mas é pouco comparativamente e, (com respeito absoluto) eu não apostaria muito na relevância do que se produz não. Por quê? Por causa do nosso “custo Brasil empresarial”: os números e dados oficiais por aqui são pouco confiáveis pelas razões que todos conhecemos. Temos de aceitar o que as empresas declaram sobre suas performances, pois quase não há mecanismos para verificação independente. Não temos um mercado de capitais desenvolvido o suficiente para forçar a divulgação de informação verdadeira. Só há muito pouco tempo estamos abertos à competição internacional e nossas práticas de governança (ainda) não são compatíveis com um capitalismo moderno.

Entre em um site de universidade ou instituição estrangeira tipo Harvard, Wharton, McKinsey, Booz-Allen… e procure informação sobre, digamos, Wall Mart, Dell, Microsoft, The Body Shop, Star Bucks… você vai achar dezenas de relatórios, papers e casos produzidos por especialistas e pesquisados e documentados à exaustão.
Agora entre no site de uma de nossas instituições de mestrado em gestão, MBAs, etc… Procure um trabalho acadêmico sobre qualquer empresa brasileira famosa ou não, depois me diga o que achou. Você vai achar, mas… desculpe… não dá para comparar.Também não dá para confundir meu desgosto com essas coisas com falta de brasilidade ou de patriotismo. Fico grato se me pouparem disso.
Desde 1977 – ano em que fui trabalhar na Alemanha como físico – estou convencido de que nós brasileiros não devemos nada em talento e criatividade a ninguém. Cientistas brasileiros brilham no exterior. Artistas idem. Executivos também. Não vou falar de jogadores de futebol. Ano passado escrevi o seguinte num artigo para a EXAME:

“A única vantagem comparativa dos países desenvolvidos é na proporção de pessoas em condições de contribuir criativamente. Repito: a única. Brasileiro não precisa ter complexo de inferioridade. A elite dos trabalhadores do conhecimento no Brasil (economistas, médicos, engenheiros, gerentes de empresas de certo porte) não deve nada aos seus equivalentes nos países desenvolvidos. Nadinha.”
-“O inventor da administração e o desafio Brasileiro” – Exame, 05/2002; Clique AQUI para ler.

Um dos projetos que tenho acalentado é o de obter apoio para fazer uma pesquisa isenta e rigorosa do empreendedorismo brasileiro. Mas eu gostaria de tratar basicamente das pequenas e médias empresas, onde suspeito haver uma quantidade enorme de casos que poderiam ser estudados em cursos de administração e pós-graduação. Valorizo esses casos porque o perfil típico desses empreendedores “médios” me parece ser menos viciado pela exposição à mídia e pela praga do “carisma”. Eles ainda estão, em geral, mais ocupados trabalhando do que promovendo seus egos.

Quem ler os livros “Feitas para durar” e “Empresas feitas para vencer” de Jim Collins (o primeiro com Jerry Porras) terá uma idéia do que considero sério em pesquisa. A metodologia usada por eles pode não ser perfeita, mas é a melhor que conheço – a mais “científica”, a menos dependente de interpretações não objetivas. Já o famoso “In Search of Excellence” de Tom Peters e Robert Waterman, foi escrito com base em uma metodologia furada de investigação. Resultado: muitas de suas empresas-exemplo foram para o buraco em pouco tempo. Deixaram de ser excelentes, rapidinho.
Fazer algo relevante nesse assunto dá um trabalhão, exige competência técnica, não dá dinheiro e toma tempo. Alguém se habilita?

Não. Não creio que exista algo a que possamos chamar de “gerência à brasileira”. Quero terminar da mesma forma que terminei um artigo na EXAME ano passado:

“…Devemos nos expor ao mundo, não tentar nos proteger dele. Podemos e devemos queimar etapas, colocando em prática o que dá certo em management lá fora. O Brasil começa a ter uma elite empresarial sintonizada com o que há de melhor em termos de idéias no mundo empresarial. Essas idéias, hoje, não têm dono. Falar em modelo gerencial brasileiro é tolice. O que existe é “peru à brasileira”, não gerência à brasileira. Nosso modelo tem de ser o que funciona no mundo, senão estaremos fora do mundo. A empresa brasileira pode ser a vanguarda do nosso desenvolvimento. Pode liderar nossa revolução no aprendizado, por exemplo. Nada melhor do que o pragmatismo empresarial para implementar o modelo “aprenda o que dá certo”. Daqui a 25 anos, diz Peter Drucker, as empresas serão muito diferentes: via tecnologia, a coordenação dos processos empresariais se fará de forma mais eficiente. Podemos nos tornar realmente bons nisso. Depende só de nós.”.
-“Para refletir com calma” – EXAME, 11/2000; Clique AQUI para ler.

É isso o que penso.

* Clemente Nobrega – 04/11/2003

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