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Frederick Taylor, a “Gerência Científica” e os paradoxos da administração

A Viking Press lançou em maio passado nos Estados Unidos um livro que está sendo cotado para o prêmio Pulitzer, a maior distinção literária americana: “The One Best Way: Frederick Winslow Taylor and the Enigma of Efficiency”, de Robert Kanigel.

Trata-se de uma biografia de Frederick Taylor, o primeiro expert americano em racionalização e eficiência no trabalho. O que haveria de tão especial com um ideário de administração do início do século?

É que tendo sido o primeiro “manifesto revolucionário” sobre o redesenho de processos de trabalho visando aumentos radicais de produtividade é, de longe, o mais bem sucedido de todos até hoje.

As pressões geradas pelo aumento da competição no mundo globalizado do final do século XX fizeram com que a busca frenética de aumentos em eficiência passasse a ser a prioridade número um de todo executivo, porém ao contrário do que dão a entender propostas modernas, supostamente revolucionárias, o tema não é novo: surgiu em 1911 com a promessa de, já naquela época, alterar para valer as concepções predominantes no mundo do trabalho.

Prometeu e cumpriu. E cumpriu de uma forma e com uma abrangência tais, que ninguém poderia ter previsto.

Frederick Taylor publicou sua idéias em 1911 num livro intitulado: “The Principles of Scientific Management”. Taylor era um homem comum; de família rica mas não um superdotado intelectual especialmente brilhante. Sua influência na vida do século XX é, porém, comparável à de Henry Ford ou Thomas Edson. Peter Drucker, o guru supremo do mundo da administração, coloca-o ao lado de Freud e Darwin em importância, atribuindo às suas idéias um peso decisivo para a derrocada da proposta marxista. O Taylorismo, ganhando vida própria, se revelou de certa forma uma idéia mais inteligente que o homem que a formulou.

Jeremy Rifkin autor de “O fim dos empregos” diz em “Time Wars: “Taylor fez da eficiência o modus operandi da indústria americana e a virtude central da cultura desse país. Ele teve provavelmente mais influência que qualquer outro indivíduo sobre as vidas públicas e privadas de homens e mulheres no século XX”.

A idéia taylorista acabou extrapolando o mundo da empresa e penetrando em todos os aspectos da vida do século XX. Como um ácido que dissolve tudo, nada foi capaz de detê-la. A originalidade do livro de Kanigel está na ênfase que dá a essa dimensão pouco notada das idéias de Taylor: elas partiram do “chão da fábrica”, mas alçaram vôo e acabaram condicionando obsessivamente a cultura do século.

Os japoneses devoraram os escritos de Taylor na fase de reconstrução, no pós-guerra. Russos e alemães adotaram suas idéias. Tudo o que tenha a ver com maximização de recursos no tempo, em qualquer domínio, tem algo a aprender com Taylor: da Federal Express (entregas overnight) aos robots das linhas de montagem informatizadas de hoje. No momento econômico neoliberal-globalizado que estamos vivendo, Frederick Taylor continua atual.

Gerência científica? Sim, Taylor propôs a criação de uma “ciência da administração”. Observando o que ocorria no “chão da fábrica” do início do século – aquele ambiente chapliniano de “Tempos Modernos” – ele teve o insight decisivo: é possível aplicar conhecimento ao trabalho. é possível otimizar a produção descobrindo e prescrevendo a maneira certa de se fazer as coisas – “the one best way” – para atingir o máximo em eficiência.

Pode parecer banal, mas revelou-se explosivamente inovador. Naquela época não havia qualquer pensamento por trás do ato de trabalhar. Trabalho era ação pura; trabalhava-se apenas. Não havia metodologia, só força bruta. Os gerentes limitavam-se a estabelecer quotas de produção, não se preocupavam com processos. Era só “o que”, não “como”.

O taylorismo é o germe de todas as propostas que vieram depois para formatar racionalmente o ato de se produzir qualquer coisa. Gerar resultados através de pessoas. Administrar.

Pessoas? Taylor era ambivalente com relação ao papel das pessoas, e parte do fascínio e da natureza polêmica de suas idéias vem daí. Ele via a função do gerente como claramente separada da função do trabalhador. Trabalhador faz, gerente pensa e planeja. O manager descobre e especifica “the one best way”; trabalhador executa, e só.

O executor do trabalho, sendo totalmente passivo no processo, tinha que se submeter ao sistema. Nas palavras do próprio Taylor, o importante era o sistema, não o homem. Ele bem que poderia ter escrito um livro com o título: “As pessoas em segundo lugar, talvez em terceiro” ou “Produtividade através do sistema, não das pessoas”. Taylor é o pai de todos os processos de automação.

Reconheço que isso é meio chocante para nós, acostumados ao discurso “participativo / não hierárquico / sem camadas” dominante em administração hoje, mas não cheguemos a conclusões apressadas, a idéia taylorista revelou outras nuances que acabaram se complementando em um corpo muito sólido.

Sua importância decorre de um fato simples: ela dá certo. Da concepção de operação do McDonalds, ao advogado que contabiliza aos centavos o tempo que dedica a cada cliente; da universidade ao estádio de futebol; do hospital ao partido político; das igrejas às organizações não governamentais, o taylorismo é algo profundamente entranhado em nossa maneira não só de administrar.

Ao mesmo tempo em que rejeitava qualquer possibilidade de contribuição inteligente por parte do trabalhador, Taylor enfatizava que ele – trabalhador – seria o grande beneficiário do seu sistema “científico”, pois sendo mais produtivo graças a esse mesmo sistema, ganharia mais e se engajaria no processo de produzir não só com as mãos, mas também com o coração.

Para Taylor seria possível construir o melhor dos mundos: capital e trabalho de mãos dadas. Era o oposto do antagonismo marxista; a utopia taylorista é essa. Sua idéia era um experimento com a natureza humana; tratava-se na verdade de uma visão, um estado de espírito, aplicável a todos os aspectos da vida.

Sua convicção era a de que todos podiam ganhar, e que a colaboração (antítese antagonismo da luta de classes) surgiria naturalmente uma vez que estivessem em vigor os métodos de sua administração “científica”. Para Taylor o trabalhador não precisava pensar mas teria que participar, se não, nada funcionaria.

Assim, no centro da idéia taylorista há uma enfática proposta de participação do trabalhador, mas participação no resultado, não na formulação dos processos ou decisões que levariam a esses melhores resultados. O trabalhador, para Taylor, não precisaria (nem deveria) ser inteligente, só precisaria obedecer. Pensar era para o “gerente científico”.

O paradoxo é o mesmo que hoje atormenta os executivos: funcionários que só obedeçam passivamente não são mais o bastante para a empresa moderna que, de fato, precisa de outro tipo de gente. Apesar disso não há qualquer alternativa que torne viável, para além do blá-bla´-blá habitual, a famosa participação de todos nas decisões, sem distinção hierárquica. Os mais capazes continuam a ser aqueles mais bem pagos, justamente por assumir a responsabilidade de identificar o “one best way”. Um bom “gerente científico” hoje, como sempre, vale ouro.

A “empresa inteligente” com todo o charme que esse rótulo possa ter, continua sendo em larga medida um ícone retórico, bom para inspirar livros e seminários, mas sem correspondência no mundo real, não por rejeição à idéia em si, mas por absoluta falta de mecanismos práticos para articulá-la e implementá-la.

Assim, com toda carga de rejeição que o paradigma taylorista inspira, o fato é que não conseguimos substituí-lo de verdade, por nada melhor. Pelo menos não por enquanto. Encaremos de frente: o taylorismo – em sua essência – ainda dá resultado. Intuímos que é preciso superá-lo, mas faltam-nos ferramentas. Peter Drucker, numa entrevista à revista Wired (Agosto de 1996) falou sobre a idéia, hoje popular, de se encarar a organização como uma banda de Jazz em que “todos escrevem a partitura enquanto tocam, isso soa bonito”, diz ele, “mas ninguém realmente descobriu uma maneira de fazer isso”. Esse é o problema.

Reparem essa enxurrada de modismos em administração. Da década de oitenta para cá, são incontáveis as propostas “revolucionárias” que apareceram com a promessa de promover viradas radicais nas performances das empresas. Da “Qualidade Total” à “Reengenharia de Processos”. Da “Empresa voltada para o cliente” aos “Times Multifuncionais”.

Tudo isso se originou como reação à devastação perpetrada por produtos japoneses nos mercados ocidentais que começou lá pela segunda metade da década de setenta. Mas o sucesso japonês tinha a ver muito mais com Taylor do que com “cliente em primeiro lugar”, se é que o leitor me entende. No seu primeiro momento foi algo muitíssimo mais vinculado a sistemas otimizados de produção (alta qualidade com baixo custo), do que com qualquer outra coisa. Taylor puro. Pessoas em primeiro lugar? Não, pessoas comprando o meu produto em primeiro lugar. E meu produto é campeão porque é bom e barato, graças ao meu sistema de produção.

As empresas continuam perseguindo um modelo idealizado de gestão participativa que unanimemente todos reconhecemos como essencial: apenas não sabemos como implantar. Supostos exemplos revolucionários acabam se revelando belas ferramentas de autopromoção e marketing pessoal para seus autores, quando examinados sob a lupa fria da lógica do resultado consistente ao longo do tempo. Gestão participativa funciona por espasmos: às vezes dá certo por períodos, a maior parte do tempo não dá.

Vá à sua estante e pegue o livro “Vencendo a Crise” (“In Search Of Excellence”) de Tom Peters e Robert Watermann; examine a famosa lista das empresas consideradas excelentes em 1980; parece que nem todas continuaram tão excelentes assim. Muitas passaram por torturantes infernos astrais mercadológicos, e as que conseguiram sair o fizeram graças a um receituário clássico: a busca da eficiência no sentido mais puramente taylorista. Ou será que alguém imagina que as centenas de milhares de demissões nas “ex- excelentes” aconteceram por decisão de algum mecanismo de gestão participativa?

Enquanto isso, enquanto não resolvemos nossas culpas, e com as decisões do dia-a-dia a nos pressionar desumanamente , acabamos por esquecer as “Qualidades Totais” e “Reengenharias” e voltamos a dar ênfase a um processo muito mais antigo, e também essencialmente taylorista: Planejamento Estratégico voltou à moda. Sim, aquele antigo processo em que se usa inteligência para coletar, processar e interpretar a informação, e em seguida definir os caminhos da empresa.

Essa inteligência não está no “chão da fábrica”, apesar de poder passar por lá. Seu exercício continua sendo basicamente um processo elitista de responsabilidade de poucos, e esses poucos geralmente transitam por ambientes bem mais acarpetados que o chão da fábrica. Não porque queiramos, mas porque nada se revelou melhor. Executivo é pragmático; tem que gerar resultado.

Vale a pena enfatizar o paradoxo: reconhecemos a necessidade de um salto para outra dimensão. Gostamos de idéias participativas; elas são modernas e democráticas, mas na prática continuamos com Taylor. A inteligência continua separada da execução. Essa é nossa esquizofrenia diante do que Kanigel chama enigma da eficiência.

E já que não conseguimos superar nossas culpas com as demissões em massa que a Reengenharia prescreve, estamos lendo hoje livros sobre… hmmm… liderança, o “novo” mantra competitivo das empresas realmente “feitas para durar”. Liderança leitor, é aquela capacidade que alguns managers têm de fazer com que seus subordinados se sintam felizes implementando as decisões que eles – managers – tomam sozinhos. Taylor deve estar dando boas risadas no túmulo.

O manager seria o “cientista” que disseca processos de trabalho para otimizá-los. Com todo o simplismo que isso implica (a ingênua visão científica do início do século não iria se sustentar por muito tempo) a obsessão de Taylor levou-o a colocar seu sistema em prática.

Cronômetro e prancheta. Registro e análise de tempos e movimentos. Otimização de processos (quase escrevo “reengenharia de processos”, mas parece que essa denominação é protegida por copyright). Taylor montou seu sistema através do aprendizado na prática. Foi trabalhar como operário para aprender e entender. Elaborou seu sistema por décadas antes de publicá-lo.

Ficou nacionalmente famoso em 1910 quando um grupo poderoso de estradas de ferro solicitou licença ao governo federal americano para aumentar os preços das passagens mas teve o pedido negado. A resposta que ouviram foi: “vocês podem economizar mais que o que vão ganhar com o aumento solicitado, se usarem os métodos de um gênio da Philadelphia chamado Frederick Taylor”.

O New York Times abriu manchete em 10 de Novembro de 1910: “Estradas de Ferro podem economizar $ 1,000,0000 por dia”. Scientific Management faz isso. Aumento de preços é desnecessário”.

A América entrava em euforia com a descoberta da eficiência. De repente Taylor e seus métodos estavam em toda parte mas, apesar dos resultados, a polêmica andava sempre junto. O taylorismo sempre foi associado a algo desumano, que não levava em conta as necessidades individuais do trabalhador, vendo-o apenas como peça de um sistema em que ele não podia interferir. Empresários o adotavam, mas intelectuais e ideólogos à direita e à esquerda o repudiavam por razões diferentes, identificando demônios opostos na mesma visão. Nem no movimento sindical Taylor encontrou apoio. Seja como for, o fato permanece: o taylorismo é uma idéia central de nossa época; um dos pilares do poderio norte americano no século XX.

O pragmatismo das relações econômicas legitimou-o na prática e deixou as discussões mais intelectualizadas em segundo plano. A produtividade aumentou, a qualidade de vida do trabalhador médio – que passou realmente a participar do resultado do que produzia – hoje não há comparação com os padrões que vigoravam no início do século.

A “alienação” do trabalhador diminuiu, contradizendo o dictum marxista, que acabou caindo no vazio. Peter Drucker atribui tudo isso explicitamente à influência de Frederick Taylor a quem considera o mais importante e mais injustiçado intelectual americano deste século.

O taylorismo sempre teve um componente paradoxal. Ninguém proporia hoje a aplicação literal de seus princípios como solução para os impasses do mundo complexo e plural do fim do século XX. Todos sabemos que temos de superá-lo, só não sabemos o que colocar em seu lugar.

*Artigo publicado na revista Exame de 09/1997.

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