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Ciência da gestão? Galileu e Newton explicam.

A melhor maneira de entender a ciência da gestão é entender como a física surgiu. Ela é o modelo de todas as ciências.

Teorias científicas são declarações que predizem o que o mundo vai responder quando provocado de uma certa maneira. É a resposta que o mundo real dá que confirma ou desconfirma uma teoria. Cientistas dialogam com o mundo por meio de experimentos, e uma idéia só se torna científica depois de passar no seguinte teste: a resposta tem de mostrar a todos que aquilo que foi previsto pela teoria realmente aconteceu.
Ciência é diálogo com a natureza. Marketing (ou seja, management em sentido amplo) é diálogo com um certo mercado.
O cientista pergunta: o experimento confirmou a predição da minha teoria?
O marketeiro pergunta: as pessoas estão comprando meu produto?
O cientista pergunta: depois de tantas hipóteses, tantas conjeturas, tantas tentativas, tanta matemática para criar modelos e possibilitar simulações, minha teoria é realmente capaz de prever coisas que depois o experimento confirma seja quem for que esteja fazendo o experimento?
O marketeiro pergunta: depois de todas as pesquisas de mercado, todos os protótipos, todas as simulações de preço, todo o planejamento estratégico, todo o esforço de posicionamento do produto, as pessoas estão comprando?

Galileu e a gestão de empresas

Estamos na cidade de Pisa, na Itália, em algum momento do século XVII. Um jovem professor da universidade local que vive às turras com seus colegas resolve subir à torre inclinada para fazer uma experiência. Ele vai mostrar que não pode ser o Papa quem define o que é a verdade científica; vai começar a definir o que é fazer ciência deixando claro que ela não tem nada a ver com “autoridades”. Naquela manhã, quando seus colegas dirigiam-se solenemente às suas cátedras seguidos por seus discípulos, Galileu demonstrou que o que eles vinham ensinando estava errado.
Ensinava-se, segundo ensinamentos de Aristóteles de 1500 anos antes, que um objeto de 10 quilos largado de uma certa altura chegaria ao chão dez vezes mais depressa que um objeto de apenas 1 quilo. Durante séculos e séculos acreditou-se nisso, e nunca ninguém se preocupara em verificar se era verdade. Aristóteles falara, estava falado. Galileu subiu à torre, chamou a atenção dos passantes, e largou os dois pesos que chegaram juntinhos ao chão. Seus colegas viram, mas não acreditaram. Deveria ter havido fraude. Aristóteles e o Papa não podiam estar errados.
Galileu mostrou que na ausência do ar (no vácuo) todos os objetos caem com a mesma velocidade – seja um elefante, seja uma formiguinha. Mostrou também que, depois de abandonado, a velocidade de qualquer objeto (independentemente do material de que seja feito) é proporcional ao tempo de queda, e que o espaço que percorre é proporcional ao quadrado desse tempo. Mesmo com o ar da atmosfera presente, isso é bastante válido para objetos relativamente compactos como um paralelepípedo ou pesos de balança de açougueiro, pois o ar oferece uma resistência proporcionalmente pequena nesses casos, se a altura da queda não for muito grande. Galileu observou, mediu, concluiu e falou isso tudo.
O método científico surgiu com ele. De sua época para cá nada de essencial mudou em nosso entendimento do que é ser científico.

Galileu partiu da observação de fatos isolados e estabeleceu leis rigorosas que permitiam a previsão de acontecimentos futuros.
Toda boa ciência funciona dentro desse esquema.
Qual a importância disso no contexto da gestão?
Não é o conflito entre fanatismo e inteligência (Galileu, como sabemos, quase foi parar na fogueira por ter ousado ir contra os ensinamentos oficiais), ou o conflito entre ciência e religião – o importante é o conflito entre a mentalidade que deduz coisas a partir de algo que não pode ser questionado, e a mentalidade que induz (coisas/conseqüências/idéias) a partir da livre observação de casos particulares. Os religiosos partem da revelação divina, dos profetas, de algum livro sagrado ou da autoridade de um líder. Os juristas partem das leis.Os comunistas partem (ou partiam) da autoridade suprema do partido. Todos são dedutivos. Cientistas não. Cientistas induzem livremente partindo da observação (sem pré-conceitos) do mundo. O único teste é: “funciona?”.

Esse é o ponto que interessa ao gestor. Em gestão temos de ter também nosso processo de indução, ou seja: temos de ordenar fatos isolados em “leis”, ou teorias, que prevejam o que vai ocorrer como resultado de certas ações. É inacreditável como ainda somos pré-galileanos em gestão. Não há porque acreditar em algo só porque é uma “autoridade” que está afirmando, chame-se ela Tom Peters ou quem quer que seja. A boa notícia é que já há um corpo muito bem articulado de teorias (que nada tem a ver com gurus) para dar sustentação à prática do management. Exatamente como acontece em medicina, engenharia ou em qualquer outra disciplina séria. Nos artigos seguintes aqui neste site vou mostrar detalhes dessa “teoria da gestão” e como qualquer um que se disponha a estudá-la pode aprender o conjunto de saberes que formam um gestor.Você está convidado a acompanhar.
Ao ficar perdendo tempo com gurus e exortações, o mundo da gestão fica cada vez mais infantilizado. Não há equivalente a essa tietagem em nenhuma outra área exceto, talvez, o show business. Os saberes em medicina, por exemplo, são resultado da observação de padrões que possibilitam a formulação de hipóteses sobre causas de doenças e levam a mecanismos para sua cura e prevenção. Nosso problema em gestão é a total ausência desse processo. Para entendê-lo bem, é importante primeiro voltar rapidinho à mãe de todas as ciências: a Física.
Aristóteles estabelecera a idéia de que um objeto mais pesado cairia mais rápido porque isso era de sua “natureza própria” . Para Aristóteles, a Terra era o “lugar natural” de objetos pesados como as rochas e os céus eram o “lugar natural” das coisas leves como a fumaça. Galileu não aceitou isso a priori. Mediu coisas, observou e mostrou que todos os corpos caem com a mesma velocidade independentemente de sua massa. A lei da queda dos corpos é interessante, mas não tem importância (nem para a ciência nem para a gestão) comparável ao que Newton fez em seguida…

Isaac Newton e a ciência da gestão

Newton (que nasceu no ano em que Galileu morreu) não se limitou a constatar fatos – quis saber porquês. Por que objetos aceleram ou desaceleram? O que faz suas velocidades se alterarem? Que mecanismos atuam forçando-os a parar? Que mecanismos estão atuando ou deixando de atuar quando eles não param?

Esse é exatamente o tipo de pergunta que tem de ser feita pelo gestor: por que alguns produtos fazem sucesso e outros não? Por que tão poucas empresas (menos de 10%) conseguem crescer continuamente e permanecer saudáveis? Que ação eu, como gestor, devo desempenhar nas circunstâncias em que minha empresa está agora (tamanho, concorrência, mercado, novas tecnologias, etc.) para que ela cresça saudavelmente? Onde estão minhas reais oportunidades de inovar? O que devo concretamente fazer para isso?
É o equivalente ao que o médico faz quando prescreve um curso terapêutico para um paciente. Se gestão é uma disciplina (e é), tem que haver um corpo de conhecimento para nos guiar nas respostas a essas questões, pois são elas que interessam a quem quer obter resultado.
Newton observou que o natural para as coisas é, ou estarem em repouso (paradas), ou em um movimento uniforme, em linha reta sem alterar nunca sua velocidade. Uma vez que um objeto esteja em uma dessas situações vai continuar indefinidamente assim até que alguma coisa interfira sobre ele.
Objetos parados nós vemos bastante, mas não vemos objetos se movendo em linha reta com velocidade constante nas nossas experiências do dia-a-dia. Por que não? Porque sempre há algo – o atrito – desacelerando, por exemplo, uma caixa de fósforos na qual eu dei um peteleco fazendo-a deslizar sobre a mesa, ou um armário pesado que eu empurro. Porém, no momento em que eu elimino o atrito, vejo que Newton estava certo. Qualquer objeto realmente fica se movendo em linha reta sem alteração de velocidade quando não há atrito entre ele e a superfície onde se movem. Armários ou caixas de fósforos. O “peso” não importa se não houver atrito.
O que Newton descobriu equivalia a dizer que toda vez que vemos algo que não esteja parado ou se movendo em linha reta com velocidade uniforme, então podemos jurar que há algo interferindo nesse objeto. Isso vale para qualquer coisa. A Lua, por exemplo: como não está viajando em linha reta tem que ter algo atuando sobre ela para obrigá-la a se mover ao redor da Terra.
A esse algo, Newton chamou de força.
Força de atrito no caso da caixa de fósforos que desliza sobre a mesa até parar. Força da gravidade no caso da Lua girando em torno da Terra. Força magnética para explicar porque um ímã atrai um prego.Vários tipos de forças presentes por toda parte e explicando tudo.
Repare como esse conceito de força é intuitivo. Força é aquilo que a gente faz ao esticar um elástico ou empurrar um armário. E no caso da Terra atraindo a Lua? Ou do Sol atraindo a Terra? Bem, nesses casos não dá para imaginar elásticos, mas aqui, como no caso do imã, a gente imagina um tipo de força diferente, que atue à distância através do espaço vazio. Essa é vitória de Newton: ele nos ensinou a fazer cálculos, determinar forças, prever posições futuras de cometas partindo de nosso conhecimento de sua posição atual e das forças que atuam sobre ele.
Galileu constatara algumas coisas sobre o movimento sem perguntar o porquê. Newton perguntou: por que um elefante e uma formiguinha ao caírem de uma certa altura, chegam juntos ao chão se não houver resistência do ar?
E deu a resposta: porque a ação da Terra “puxa” tanto o elefante quanto a formiguinha do mesmo jeito. Faz a velocidade de ambos ir aumentando exatamente da mesma quantidade à medida que vão caindo. Sua explicação ia adiante porque introduzia uma nova idéia: a de que era a atração da Terra a responsável pela coisa – efeito chamado de atração da gravidade.
Newton constatou que as forças eram as grandes responsáveis por tudo o que se refere ao movimento das coisas. Ensinou-nos a calcular essas forças . Mostrou como tudo se encaixava perfeitamente a partir disso – na Terra e no espaço interplanetário, onde fosse. Previu órbitas de planetas, a data exata da passagem de cometas, explicou as marés, lançou as bases da engenharia, possibilitou as viagens espaciais…

A partir da observação de fatos particulares, Newton inferiu um conjunto de leis gerais e, a partir delas, foi capaz de prever outros fatos particulares que a experiência confirma em seguida. Funcionou!
Essa história traz algumas lições que vão nos ajudar a entender a ciência da gestão. Ser capaz de ver “por trás” do que todo mundo está vendo e descobrir o mecanismo (as forças reais) que fazem algo acontecer, é que é o “X” da questão. A relação de causa e efeito é que é relevante.
Em gestão, infelizmente – e por culpa da gurulândia – não se faz isso. Nós correlacionamos fatos, mas não chegamos a relações de causa e feito. Ficamos num nível assim: como constatamos que a maioria dos animais que voam têm asas e penas, concluímos que se usarmos asas artificiais com penas idem vamos conseguir voar. É assim que se pensa usualmente em management. Ninguém nota que asas com penas estão correlacionadas ao ato de voar na maioria das aves, mas não são o que torna o vôo possível. O que “causa” o vôo é uma força de sustentação de baixo para cima, que contrabalança a tendência de queda, uma vez dado o impulso inicial. O relevante é isso. Quem quiser voar vai ter de produzir essa força.
Da mesma forma, dizemos coisas assim: “a maioria das empresas familiares não sobrevive à terceira geração (certo), e, portanto, se você quer ter uma empresa que dure ela não pode ser familiar (errado)”. Não é ser familiar ou não que determina a durabilidade de uma empresa, mas o tipo de gestão, se profissional ou não. Ou ainda: há uma correlação entre empresas vitoriosas e líderes “humildes e determinados” (a grande descoberta do último best seller de Jim Collins), portanto, se você quer liderar uma empresa vitoriosa seja humilde e determinado. Bobagem. O que Collins descobriu foi que em certas circunstâncias particulares há uma correlação da performance empresarial com um atributo (humildade/determinação) de seus líderes, não uma relação de causa e efeito. Se quisermos descobrir o que causa a performance superior, temos de descobrir o mecanismo pelo qual humildade etc… fazem o resultado superior acontecer e, mais importante ainda – descobrir em que circunstâncias “humildade e determinação” não levam a resultado superior. Aí sim, teríamos uma “teoria” que iria prever para qualquer caso o efeito de “humildade e determinação” no resultado final.
Para poder prever o que acontecerá, temos de examinar as circunstâncias de cada caso. A força de atrito não faz sempre as coisas pararem. Nós só conseguimos nos mover (andar) porque há atrito entre nossos pés e o chão, se não houvesse não sairíamos do lugar, esborracharíamos no chão sempre que tentássemos dar um passo.
Não é possível descobrir uma lei geral que me permita avançar em entendimento e que guie minha ação, simplesmente constatando o que está acontecendo. Não adianta “usar asas e tentar voar” só porque noto que maioria das aves tem asas. Talento é perceber por trás; é notar que o que causa o vôo é a capacidade de criar sustentação, não asas e penas. Galinhas e patos têm asas e penas e não voam.
Há sempre fatos relevantes “escondidos” por trás das coisas que interessam no mundo das empresas. Esse mundo não é aleatório, nem caótico. Se fosse, não teria o menor interesse, pois não seria possível estudá-lo.Talento é, em qualquer campo, “descobrir o que é relevante”. É saber fazer com que eles venham à tona.
O fato de que no vácuo uma pena de galinha cai com a mesma velocidade que um bloco de chumbo é muito mais relevante que o fato de que no ar a pena cai mais lentamente, porque o fundamental dessa lei é a constatação de que, no que diz respeito apenas à atração da Terra, todos os objetos caem do mesmo jeito. O ar é um acidente superposto à atração da Terra. Nos lugares em que não existe o ar – na Lua, por exemplo – um bloco de chumbo e uma pena caem juntos. Para definir um princípio básico, ou uma lei fundamental, foi preciso perceber que o ar é um acidente e desconsiderá-lo. Assim, conseguimos chegar ao cerne do que está sendo estudado, e depois podemos voltar e ver como um efeito acidental (o ar) altera aquilo que está sendo previsto.

Gestão só é uma disciplina porque podemos dizer o que causa o que, porque causa e quando causa. Prever coisas (resultados). Chegar a relações de causa e efeito.
A gurulândia nunca faz isso. Apenas manda você se “reinventar”, ou ser criativo, ou acreditar em você, ou ser “esquisito”… como faz Tom Peters em seu último livro (leia AQUI meu comentário)… Manda você colar “asas artificiais”, sonhar bem intensamente, “acreditar em você”, e saltar… Se seguir os gurus, você vai é se estatelar no chão! Gestão de verdade faz você “voar” sim. Como? Produzindo e gerenciando as forças que são de fato responsáveis por “fazer voar”.
Alguns autores fora do circuito motivacional (embromação pura) estão ensinando o que é preciso para transformar gestão em coisa séria. Vou começar a tratar de suas idéias em meu próximo artigo neste site. Fique ligado.

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* Clemente Nobrega – 01/12/2003

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