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Caso ENRON

O caso ENRON não é sobre a contabilidade de ontem.

O colapso da ENRON pode repercutir na alma americana como o do World Trade Center: gera insegurança, afeta a credibilidade de nomes de peso, respinga na Casa Branca, enfim, legitima dúvidas sobre o sistema todo.

Práticas contábeis e de auditoria estão em cheque, mas a questão não é só técnica. A ENRON quebrou (como devia), mas os big bosses estão saindo mais ricos, enquanto funcionários perderam tudo e acionistas se ferraram. É justo? Os inimigos da onipotência dos “mercados”, em vez de ficarem atacando lanchonetes, ou destruindo plantações de soja transgênica, podem botar o dedo numa ferida real e exposta: na meca do livre-empreendedorismo, em que não há garantias de que a percepção que o mercado tem de uma empresa não esteja sendo manipulada de forma corrupta. Num sistema em que “valor de mercado” é deus, é meio assustador, não?

Isso me lembra o que diz Peter Drucker num livro que revi para a Exame em 1999: a verdadeira revolução da informação, quando vier, será liderada por praticantes de uma contabilidade diferente. Ela vai incorporar a real noção de valor da empresa, que virá de fora dela, não de dentro, como vem hoje:

“…quando tivermos informação [real], teremos uma contabilidade baseada em atividades. Analisaremos valor de processos integrados, não custos de tarefas específicas. Saberemos identificar quais atividades agregam valor, e quanto agregam. Saberemos o custo de não fazer, não só o de fazer. Saberemos quanto a empresa vale [para o mercado, não para seus contadores ou auditores]…”

A contabilidade, no sentido estrito, está ficando estreita. A noção de Drucker implica… (perdão) mais transparência mesmo. Mais responsabilidade comunitária em sentido amplo, menos accounting e mais accountability. Se tivesse havido informação (no sentido Drucker, não dados soltos) a ENRON não teria despencado porque jamais teria subido tanto. Se era oca, afundaria, não fingiria nadar quando já tinha se afogado.

Liberdade econômica é melhor do que qualquer outra alternativa, mas tem de ser possível prevenir esses desastres repentinos, esses “apagões” sem aviso prévio que aterrorizam e punem os mais fracos. É saudável começar encarando o fato de que a dinâmica que faz do sistema de livre mercado o único sistema viável, não resolve automaticamente as injustiças que gera.

*Artigo publicado na Revista Exame de 01/2002.

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