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Blockchain e redes de cipó

blockchain

Isso que chamamos de “empresa” é resultado de mutações de formas ancestrais de organizações criadas instintivamente para dividir o trabalho. Empresas foram inventadas porque tornou-se evidente que eram o melhor jeito para se obter mais com menos- uma coisa que os humanos adoram.

Antropólogos ensinam que povos que caçam animais grandes têm relações sociais complexas- as pessoas especializam- se em tarefas diferentes porque tem de colaborar para abater uma girafa. Se não há animais grandes, ocorre isolamento por falta de incentivo para colaborar, e isolamento é sempre sinônimo de pobreza.

É o que ocorre com os Shoshones, um povo que sobrevive em bandos de famílias isoladas remexendo o chão em busca de raízes e sementes. Às vezes, em seu habitat natural, aparecem coelhos em abundância. É o que basta para passarem a colaborar imediatamente, produzindo enormes redes com uma espécie de cipó. Como apenas uma família não dá conta de manuseá-la, dúzias de famílias juntam-se com esta finalidade sob o comando de um líder. A rede de cipó viabiliza a interação entre elas no interesse de todos.

Este é o padrão até hoje: uma tecnologia viabilizando interações colaborativas entre estranhos. É isso que gera prosperidade porque os ganhos ficam irresistíveis: vinte shoshones individualmente, pegariam, com sorte, um coelho cada. Forme um time, e eles pegam 50 coelhos com a rede. 2.5 coelhos para cada um, e com menos esforço.

Prosperidade vem da colaboração que a troca baseada no auto interesse constrói.

Dezenas de ex-executivos da GE, pupilos de Jack Welch durante seu período lá, e que brilharam sob seu comando , foram contratados para dirigir outras grandes corporações. A GE dos anos 80 e 90, graças a seu sistema “jackwelcheano” de gestão de pessoas, tinha “o melhor banco de reservas do mundo”, como se dizia. Essa turma, contratada para fazer em outras empresas o que fizera na GE, teve sucesso apenas mediano- só 50% deles obtiveram algum resultado. O sucesso está no time, não no indivíduo.

A ideia de que, no futuro, o profissional mais valorizado será uma espécie de agente independente, solitário, ignora a noção de que conhecimento real é sempre criação coletiva.

Ninguém sabe como será a empresa do futuro, mas acho seguro dizer que ela vai se organizar por meio de contextos novos de comunicação-mídias- habilitados por tecnologias que hoje desconhecemos, mas que continuarão a desempenhar o efeito daquela rede de cipó. Quanto mais formos capazes de articular e operar essas mídias, mais produtivos seremos. Mídia é qualquer meio habilitador de diálogo- qualquer coisa que crie um espaço que possa ser compartilhado para trocar algo.

É isso que vem definindo a seta da história humana desde sempre- pessoas descobrindo no próprio processo de compartilhar, motivações que apelam à sua humanidade .

Novas mídias vão continuar a dividir o trabalho de forma análoga ao que faz a rede de cipó dos shoshones. Viveremos elaborações cada vez mais sofisticadas da mesma coisa de sempre (pode começar a prestar atenção na tecnologia blockchain. Dificilmente ela não será a próxima rede de cipó).

Somos humanos hoje da mesma maneira que fomos no passado distante.Tecnologia muda, mas a motivação básica de dividir o trabalho para viver melhor, não muda.

É tudo igual, só que novo.

Tudo igual só que “mais”, graças à tecnologia.

O “mais” é que é diferente.

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