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AntropoMarketing Dos Flintstones à era digital: marketing e a natureza humana

O que é preciso para que algo faça sucesso? Dito de outra forma: o que é preciso para que algo (uma idéia, uma pessoa, um produto) seja aceito e adotado em larga escala? Nosso tema é marketing – a ciência que trata daquilo que faz as pessoas ?comprarem? alguma coisa.

A tese é simples: se entendermos a dinâmica da adoção da novidade no passado, entenderemos o que o futuro nos trará. Isso é assim, porque apesar de toda mudança, existe uma natureza humana universal que não se altera por mais que a tecnologia avance. Teremos de voltar ao que nos moldou como humanos no passado distante. Nossa natureza determina o que escolhemos.

Chamo de antropomarketing ao marketing que parte das motivações humanas mais essenciais. Não me refiro a esses vagos psicologismos que têm inspirado a propaganda e a comunicação. Refiro-me àquelas coisas que, ao longo do tempo, definiram a cabeça do animal humano. A natureza humana é a matéria prima do marketing. O que procuram os humanos? Por que procuram? Você nunca será bom em marketing se passar batido por essas perguntas. A primeira é mais fácil, a segunda, mais desafiadora. Teremos de encará-las.

Em 1996, logo após lançar meu primeiro livro ?Em busca da empresa quântica? iniciei um diálogo com pessoas que se interessaram por minha abordagem das coisas do mundo empresarial: uma visão meio ciência, meio business; uma perspectiva centrada em nossas buscas de significado, e nas interrogações que nos acompanham desde sempre.

Nosso grupo de discussão formou-se depois de uma palestra minha sobre marketing e estratégia. Conversávamos por e-mail. Todos os participantes ocupavam cargos importantes em organizações grandes e universidades. O que começou como um papo descompromissado, motivado pelo simples prazer de conversar, acabou influenciando profundamente as vidas de vários de nós ? a minha inclusive. No final de 2000, muito por causa dos desdobramentos dessas conversas, abandonei uma carreira de executivo de sucesso, e mudei de profissão. Eu tinha 50 anos e minha decisão foi meio temerária (irresponsável, se você quiser), mas não tive opção: a coisa ficou maior que eu.

Este livro é uma espécie de ?diário de bordo? ? um registro desse diálogo/viagem. Como toda aventura interessante, essa é sobre descobertas memoráveis. Marketing. Não essa coisa afetada de propaganda, criatividade, marqueteiros etc. Isso é uma parte muito trivial daquilo que realmente interessa. Quer dizer, se você está interessado na maneira mais criativa de anunciar extrato de tomate, ou desodorante ou… bem, desculpe, este livro não é para você. Criatividade em extrato de tomate é marketing de ontem.

O marketing da era digital será diferente do que nos acostumamos ? ele vai partir de mercados, não de produtos. O produto morreu; o digital matou-o. Mercados são o que realmente conta num mundo interconectado. Em cursos de marketing ninguém trata de mercados, só tratam de… extrato de tomate, entende? Mercados são sobre seres humanos conectados. Sempre foram, mas hoje são mais que isso. Você vai entender.

Falo de marketing como um processo, não como um departamento, um cargo ou uma ?caixinha no organograma?. Marketing é o processo de fazer as pessoas comprarem algo. Seu ponto de partida são elas – as pessoas -, não o ?algo?.

Este livro explica por que as organizações terão de basear seu marketing em reputação, não em propaganda, não em ?técnicas venda?, não em criatividade. Explica como marketing – que se origina em instintos humanos ancestrais – não pode mais ser nem ensinado nem praticado, sem que se enxergue os humanos como transacionadores compulsivos; como animais econômicos, eternamente em busca de apostas recompensadoras nos jogos em que se envolvem. Que jogos seriam esses? Que recompensas motivam nessa busca?

É isto: trazemos o instinto do marketing (assim como o do sexo) embutido em nossa programação mental. Tudo é parte do mesmo jogo. Mas, se apelar para as motivações fundamentais das pessoas sempre foi a competência essencial de qualquer discurso de venda, como e por que essa tal revolução da informação está alterando tão radicalmente aquilo que pessoas e organizações sempre fizeram?

Por que mesmo?

Nosso diálogo nasceu motivado por interesses comuns ligados a temas do mundo empresarial, mas evoluiu para coisas mais ambiciosas. Acabamos nos autodenominando ?grupo dos porquês?. É que, a certa altura, alguém tentou colocar em discussão um tema que outros acharam tolo, e a temperatura subiu a níveis perigosos. O grupo sempre manteve um respeito tácito a posições divergentes, e não havia disparidade intelectual entre nós. Muitos (como eu, que sou físico) tinham formação não convencional para a profissão que exerciam: havia gente de história, antropologia, biologia – havia até um filósofo que trabalhava como executivo ? além de engenheiros e economistas (inevitáveis).

Pessoas especiais, os integrantes do ?grupo dos porquês?. Nosso traço comum era a crença que a gestão das organizações se beneficiaria muito de sensibilidades, saberes e competências normalmente não associados ao mundo empresarial. Naquele momento, estávamos com dificuldade porque tínhamos de limitar o espectro das questões que seria válido abordar. O mal-estar foi contornado quando alguém sugeriu: ?Clemente vai moderar a discussão e será dele a palavra final sobre o que merece ser discutido?. O que seria, afinal, uma pergunta que merece a busca de uma resposta?

Sempre acreditei que formular perguntas relevantes é mais importante do que chegar às respostas delas. A qualidade da resposta na qualidade da pergunta. Topei.

Comecei provocando: ?Por que essa tal revolução da informação é tão revolucionária assim? Revolucionário é o que rompe com o status quo. É isso que e tecnologia está fazendo??. Para mim, o ?revolucionário? do digital (mídias novas, etc.) não está na tecnologia em si, mas no fato de que ela nos estimula a fazer perguntas nas quais não pensaríamos antes. Por exemplo: ?Por que, para comprar uma caixa de cereais, temos de ir a um supermercado? Por que, para aprender algo, temos de ir a uma escola, por que a escola não vem a nós??. Não valiam respostas óbvias, do tipo: ?Supermercados são os lugares naturais para comprarmos cereais?. Respostas assim eu cortava. O que tínhamos de buscar era exatamente a razão pela qual essa entidade econômica chamada supermercado tornara-se o lugar natural para comprarmos coisas.

Lembrei que no século XVII Galileu e Newton deram início à era da ciência exatamente por não se satisfazerem com a noção de que uma pedra cai porque o chão é o lugar natural das pedras. Eles quiseram saber por quê. O supermercado foi só um exemplo. Eu queria mesmo era tentar descobrir por que certas atividades ligadas aos atos de comprar e vender acabam cristalizando-se de certas maneiras e não de outras. O que motiva a evolução das maneiras de se fazer marketing? Descobrimos a resposta à questão do supermercado, mas essa descoberta gerou logo outra pergunta – outro porquê – cuja resposta levou a outra, e a mais outra, e outra… E lá fomos nós percorrendo fragmentos da história das tecnologias, e dos processos inovadores.

Entendemos a importância econômica – ao longo da história – desse tipo especial de gente a que chamam de empreendedor. Chegamos a jogos e instintos humanos, que antes já tinham sido jogos de chimpanzés, e que, antes deles, tinham sido jogos de outros seres vivos. Voltamos à Internet, às empresas, aos mercados globais, ao colapso da Enron, ao novo marketing das redes, à força e contradições do marketing político, às empresas e suas estratégias hoje. Ao conhecimento como único ativo relevante num mundo cuja riqueza não vem mais de ?coisas? como petróleo, minério, terras, dinheiro mesmo mas sim de idéias, de intangíveis, do soft, da comunicação, de conceitos e processos novos, de experiências compartilhadas. Foi transformador para todos notar como o que julgávamos serem características únicas do nosso tempo são, na verdade, apenas o prosseguimento de uma mesma marcha. O homem vivendo a mesma aventura de sempre, só que ?diferente?, percebe?

Enfrentamos o desafio que esse ?diferente? implica: sair do blablablá e agir em busca de resultados num mundo em que todos os riscos se amplificaram. Se a aventura não muda, os perigos ao longo do percurso mudam. A atitude para abordá-los tem de ser outra. Qual? Fizemos uma descoberta espantosa: a tecnologia está nos levando de volta ao passado. A revolução da informação vai nos obrigar a dar prioridade àquilo que nos definiu como humanos, e o marketing – essa atividade comercial de múltiplas faces – já está sendo influenciado por essa tendência. O digital não nos lança à frente, nos remete para trás.

Um rosto no solo de Marte

Antes que eu esqueça: a pergunta que originou aquele bate-boca (um minibarraco, admito), e que me levou ao posto de moderador do debate, tinha sido feita por um economista a quem apelidáramos de PC, por seu jeito, digamos, um tanto Paulo Coelho de ser. PC era um Ph.D, trabalhava numa agência do Governo e era craque em teoria econômica. A pergunta que fez tinha a ver com um certo lado mais ?mágico? de seus interesses, que ele, volta e meia, deixava transparecer: ele nos mandara por e-mail uma foto tirada da superfície de Marte pela sonda espacial Viking. Era uma foto antiga, de 1976, e mostrava um gigantesco rosto humano esculpido no chão do planeta vermelho. Era material da NASA, e era inequívoco: tratava-se de um rosto humano. Aliás, lembrava muito o rosto de Jesus Cristo.

PC provocava os mais céticos: ?Quero saber como vocês – tão pragmáticos, tão orientados para resultados, tão executivos, tão cientistas – explicam esse rosto na face de Marte? Se não é um registro da presença de uma civilização antiga, o que é??. A reação do pessoal não foi boa. Pode ser resumida assim: ?Isto aqui não é fórum para esse tipo de assunto; estamos interessados em coisas sérias?. Ao assumir a moderação do debate, não quis desmerecer o PC (não queria que ele saísse do grupo, o cara era um craque) e prometi investigar pessoalmente a questão do rosto e voltar a ela adiante. Fora uma tática para ganhar tempo. O que eu não podia imaginar era que o porquê – que lá na frente descobriríamos para o tal rosto em Marte – iria reforçar a tese de que instintos programados em nós no passado distante são a matéria prima do marketing da era digital. Sei que parece estranho. Leia que você vai entender.

Nós humanos, no início do século XXI, somos uma espécie de Flintstones às avessas. Os Flintstones são personagens pré-históricos com make-up moderno; nós somos modernos, mas nossas cabeças são pré-históricas. Nossas mentes são da Idade da Pedra.

E foi graças à cultura e simplicidade do ?grupo dos porquês? que eu participei do melhor curso de marketing que já fiz. Aprendi com gente que ganha a vida fazendo acontecer no dia-a-dia, mas cujas ações são inspiradas por conhecimentos e sensibilidades raros. É esse curso que eu ofereço a vocês agora.

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