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Tom Peters de novo? Fala sério…!!!

O rei dos gurus empresariais (65 mil dólares por palestra / 60 palestras por ano) está de volta com um novo livro (Re-Imagine). Confesso que ainda não li. Ainda não foi lançado no Brasil e comprar em dólar pela Amazon só se for coisa muito boa (o que não está me parecendo ser o caso). Pela “degustação” oferecida (EXAME; VOCÊ SA), pelo que li na Internet e em publicações de fora, não li e não gostei.

Para promover o livro, Peters, fiel a seu estilo, atira a torto e a direito, abusa da retórica vazia e até ataca gente (para mim) muito mais relevante em management do que ele. Considero-o um exemplo do que devemos evitar se queremos levar essa coisa de gestão a sério. Para situar, começo resumindo algo que escrevi sobre o cara em 1998. Tom Peters continua o mesmo, o que escrevi sobre ele também.

O que há de errado com Tom Peters

Ele é o mais requisitado e caro guru empresarial. O rei da gurulândia.
Por ironia, foi quem me fez perceber há anos, ainda como físico, que esse negócio de administração podia ser de fato interessante. Sua trajetória de 1982 para cá simboliza, de certa forma, o melhor e o pior de nossa profissão.
Seu primeiro livro,“In Search of Excellence”, em parceria com Bob Watermann,é muito bom. Fruto de um projeto de pesquisa patrocinado pela McKinsey que identificava características-chave do que eles chamavam de empresas excelentes.Os dois autores desfecharam um ataque frontal contra o modelo racionalista em administração, aquela coisa de se achar que o segredo do sucesso em management é alguma técnica ou teoria. Claramente emergiu um padrão entre as empresas pesquisadas por eles; as campeãs não eram as craques em habilidades técnicas, mas as que dominavam aquilo que simplificadamente podemos chamar “habilidades humanas” que traduzem uma certa sabedoria intuitiva – muito mais para aquelas coisas que nossos avós nos ensinaram do que para grandes academicismos.

[Nota: a metodologia usada na pesquisa foi, em seguida, muito criticada e há indícios de que houve uma certa forçação de barra. Parece que os autores queriam chegar a certos resultados e forçaram a mão para isso. O fato dos resultados terem sido desconfirmados rapidamente logo depois, reforça essa suspeita].

In Search…” tinha a ambição de formular algo equivalente às leis de Newton para a administração…[ ] e foi apoiado nessa premissa implícita que ele se tornou o maior best-seller em business em todos os tempos (120 semanas na lista dos mais vendidos do New York Times).
Leis de Newton? É claro que não conseguiu. Logo logo, várias das “excelentes” foram para o buraco, e em vez de Peters assumir que a verdadeira natureza da administração não comporta “leis de Newton”, ou formulações definitivas que valham em quaisquer circunstâncias, ele começou a usar sua formidável retórica em exercícios verbais cada vez mais vazios. Até se tornar o que é hoje: um mestre na retórica pela retórica.
Ao contrário de Bob Watermann – low profile e discreto – Peters é avassalador. Confrontado com o fato de que várias das suas “excelentes” empresas rapidamente se tornaram ex-excelentes, ele não se aperta. Sua atitude sugere o seguinte: “Eu disse que havia critérios de excelência? Pois esqueça; não me leve a sério. Não leve nada a sério. Duvide de tudo, apague tudo…” .
Não entendo como esse tipo de papo possa ajudar alguém que tenha de produzir resultados no dia-a-dia. A multidão delira enquanto ele, suando em bicas, anda freneticamente pelo palco. Às vezes fingindo dialogar com um personagem imaginário, às vezes indignando-se melodramaticamente. Um show-man. Dilbert provoca: “Ele cospe quando fala”. Peters não dá a mínima. Cobra US$ 60.000 por seminário de um dia [já aumentou 10%; hoje é 65 mil]. Faz 60 deles por ano. (Êta cuspezinho lucrativo, né?). A sucessão de livros que ele escreveu depois de “In Search.” é, no geral, uma seqüência cada vez mais densa de banalidades e retórica vazia, às vezes desconcertante, mas raramente relevante: “Tire os sapatos!”; “Vá criar vacas!”; “Demita-se!”. Um dos produtos comercializados por uma de suas empresas chama-se : “The Tom Peters Business School in a Box”, que vem com 42 “cartões pessoais”,14 “cartões para marcação de pontos” e dois dados, um colorido e outro branco. .
Seu último livro – “O Círculo da Inovação” [1998] – é uma confusa coletânea de frases e pensamentos curtos; algo como uma espécie de auto-ajuda para executivos. Não me surpreenderei se, em breve, estiverem sendo veiculadas em santinhos ou em tampinhas de refrigerante (comercializados pelo “Tom Peters Group”, naturalmente ).
Tom Peters adora jogo de palavras. Declara-se contra a idéia de “learning organization”, um conceito interessante veiculado pela primeira vez por Peter Senge. Nada de organização que aprende, diz Peters, a organização do futuro tem é que ser boa em esquecer. Mas o que, concretamente, significa desaprender ou esquecer, se não exatamente incorporar continuamente novas habilidades? E incorporar novas habilidades o que é? É precisamente. hmmm., aprender, certo?
Mas tudo bem, vamos deixar o jogo de palavras de lado e perguntemos a ele como implementar isso de “esquecer”. Como transformar a empresa numa entidade que “desaprende”? Ele não diz naturalmente. Alguém aí pode me explicar concretamente como se faz para implantar o “empowerment” ou “colocar o cliente no centro” ou construir uma “networked organization”? Pergunte, e o guru vai convidar você para refletir sobre o significado da palavra implantar. Mas você não quer refletir sobre palavras! Você, que está pagando uma grana altíssima para assistir a esse seminário, não quer ser enrolado por jogos de palavras! Você quer é saber como é que se faz!!!
…Tom Peters é um sucesso porque ganha [muito] dinheiro vendendo o produto Tom Peters. É pragmático assim e – (como diria Tom Peters) – ponto.
A verdade é que o que ele fez [e faz] de importante não está relacionado a nada do que disse, mas – como dizem John Miklethwait e Adrian Wooldridge em “The Witch Doctors” – ao fato de ter “lançado, liderado e definido as estratégias de marketing dos gurus”,Tom Peters é bom em ser Tom Peters. Só.

– Leia meu artigo completo Em Busca de Otários. Esse artigo me valeu o prêmio Abril de jornalismo de 1998 e, de quebra, me fez perder alguns amigos do chamado “negócio de palestras”. Em tempo: nada tenho contra palestras, claro. Faço muitas. Sou contra é a encenação e palhaçada travestidas de “motivação”.

Minha crítica de ontem e de hoje é a seguinte: ao criar um produto chamado Tom Peters, ele contribui mais para infantilizar o público do que para construir conhecimento em gestão. Nenhuma disciplina séria pode se apoiar em personalidades, elas têm de se apoiar na competência delas mesmas para resolver problemas concretos no mundo. Engenharia funciona porque constrói um duto que leva água para onde não tem água, ou uma ponte onde alguém precisa atravessar. Medicina funciona porque cura gente, evita mortes, essas coisas. Gestão funciona quando é preciso organizar com um propósito. Fazer coisas acontecerem. Crenças, seitas, fés, cultos… não fazem nada disso. Todas se apóiam em personalidades. Algumas delas lembram muito Tom Peters…

Pelas amostras na Internet, Re-Imagine é um monte de afirmações, frases, comentários curtos sobre temas variados, tudo somado à habitual obsessão por parecer diferente, moderninho, bacaninha… Aquela coisa super “over” de criar artificialmente uma aura de originalidade em torno de si mesmo na forma e no “conteúdo”. O design do livro é diferentão. Muitas fotos, riscos, traços, figuras, sublinhados, notas marginais – “Vejam como eu sou diferente”, ele parece querer dizer a cada página (há um capítulo para download em www.tompeters.com).

Uma disciplina (isto é, um corpo de conhecimentos codificados) em qualquer área, tem que ter capacidade preditiva, ou seja: tem que ter uma teoria por trás que nos habilite a prever com base em uma lógica clara, os efeitos que nossas ações vão provocar no mundo real. Toda disciplina digna desse nome é assim. Sem relações de causa e efeito nada feito em gestão, como nada feito em engenharia (sua ponte vai cair), como nada feito em medicina (seu doente vai morrer).

Porém, nada há em management que seja válido em todas as circunstâncias (idem para qualquer outra disciplina). É errado dizer, por exemplo, que “descentralizar” é melhor do que “centralizar”, ou que “ficar no que se conhece” é melhor do que “diversificar”, ou que “terceirizar” é melhor do que “fazer em casa”, ou que dar “autonomia à ponta da operação” é melhor que o contrário. Tudo depende das circunstâncias em que a empresa está. Em medicina é igualzinho: o remédio depende das circunstâncias de cada paciente, não é lógico isso?

Para mim, a habilidade mais central de um gestor é o domínio dos critérios que nos permitam identificar o essencial em cada circunstância, e discernir quando faz sentido usar certo “remédio”, quando não faz. Estou falando em critérios de decisão com base em evidência empírica; coisas que aprendemos interpretando direito aquilo que observamos no mundo. Algo que não apenas explique o que ocorreu no passado, mas que nos permita inferir o que ocorrerá no futuro. É a isso que chamo de “teoria da gestão” – para mim, o tema mais importante em management. Teoria? Sim, teoria. Não precisa começar a tremer, leitor. Não tenha preconceito contra “teoria”.Todo gestor é – por definição – um prático (resultado! resultado!) mas sem a teoria certa para chegar lá, será apenas um palpiteiro exortador. Sua ponte vai cair, etc… Voltarei a isso.

Exortar as empresas a “contratar malucos”, dizer que você tem de “destruir sua empresa e criá-la de novo…”, ou que “você tem que se reinventar todo dia”, que tem que “demitir todos os vendedores homens e contratar só mulheres”… é tolo, superficial, vazio, destituído de qualquer substância. Por que eu devo acreditar nisso? Por que é o grande guru que está dizendo? Em quê circunstâncias valem essas recomendações? Exortar nada tem a ver com a disciplina da gestão. Ei, Tom Peters, fala sério, rapaz!

Noutro extremo do espectro estão, por exemplo, Michael Porter e Clayton Christensen, dois acadêmicos cujas linhas de trabalho enfatizam a categorização do mundo das empresas. Já li coisas de Tom Peters minimizando o trabalho deles. Não devia. Ambos oferecem bases racionais para tomarmos decisões sobre inovação, estratégia, marketing, em função das circunstâncias que as empresas estão. Ambos construíram teorias no melhor sentido. Jim Collins (alvo preferencial da ira de Peters; falarei dele mais tarde) também contribui para essa linha, mas num outro patamar – menos sofisticado, mas também relevante. Esses três autores usam métodos e abordagens que podemos – com uma certa “liberdade poética” – chamar de científicos. Eu os recomendo a todo mundo que se interessa por gestão como “disciplina para gerar resultados”. Mas Tom Peters, eu não recomendo não. Ele é engraçado, ”esquisito”, prende a atenção, diz coisas intrigantes e até instigantes (raramente). Seu último livro parece ser mesmo “diferentaço”. Porém, suspeito que ninguém aprende nada com ele que não possa aprender com um pregador evangélico ou com um show-man da auto-ajuda. Se é esse o negócio de vocês, boa sorte…

[Em tempo: mudei de idéia e comprei o livro. A Amazon me promete para 20/12/2003. Acabei sendo meio agressivo com o cara e não quero cometer injustiças. Se estiver errado (não creio) me retrato. Tom Peters é bom em vender Tom Peters, eu não disse?]

Mas o que será que quero dizer exatamente com “ciência em management”?.
Por que não troco meio Clayton Christensen por 10 Tom Peters?
A resposta começa com dois fundadores do método da ciência – o método que devemos usar em gestão: Galileu e Newton vão nos explicar. Leia AQUI.

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* Clemente Nobrega – 24/11/2003

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