Será que há “leis de Newton” no mundo das empresas?
Você foi incumbido de propor a melhor estratégia para “colocar sua empresa na Internet”. Na fase do deslumbramento (“a Internet muda tudo”, lembra?) você defendeu uma atitude cautelosa e, por sua influência, vocês não “saíram na frente” como alguns aconselhavam. Mesmo sabendo que a rede faria diferença, resolveram esperar para ver como ia ficar. Hoje, o campo de batalha está cheio de cadáveres “ex-pontocom”. Causa mortis: lucro zero, claro. Interiormente você comemora: “eu não disse?”.
Ok, já fizeram obituários suficientes das pioneiras, mas há algo novo no ar. Empresas como a sua, livres da insegurança que as pontocom inspiravam, começam a integrar a rede aos seus processos. É mesmo impossível ignorar seu potencial transformador. A onda agora é cortar custos e aumentar eficiência, via Internet. Bem-vindo à fase II: “O espetáculo continua”.
Segunda-feira você fará uma apresentação para a diretoria. Vai mostrar como a Internet, complementando processos usuais, será a base para a competitividade futura. Vai propor um ambicioso plano de investimentos. Você tem credibilidade, e está seguro do que vai dizer. Para anotar umas citações que impressionem bem, coleta opiniões de especialistas. Tudo certo, até que folheia o artigo “Internet and Strategy”, de Michael Porter, publicado na Harvard Business Review de março passado. No início, sua posição é reforçada. Usar a Internet como complemento (não como substituto), é mesmo a coisa certa. O chumbo grosso vem depois:
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Observada com isenção, a Internet não é necessariamente uma benção. Ela tende a reduzir a lucratividade em muitos setores, pois nivela as práticas dos competidores e reduz as chances de se estabelecerem vantagens operacionais sustentáveis.
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A Internet não é revolucionária. É “apenas” o último estágio no processo de evolução da tecnologia da informação.
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Ela desloca o poder para o cliente. Isso é outra causa da erosão da lucratividade. O grande paradoxo é que seus benefícios (tornar a informação largamente disponível, reduzir gargalos de comunicação) ao permitir que compradores e vendedores transacionem mais facilmente, dificulta a captura desses benefícios em forma de lucro pelas empresas.
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Pensar que parcerias tipo “terceirização”, habilitadas pela rede, são sempre relações “ganha-ganha”, é um mito. Melhor manter a empresa no controle de suas operações (integrada verticalmente).
A crítica dos especialistas
Você ficou confuso. Essas são posições opostas mesmo às dos observadores mais sóbrios. A Internet corroendo lucratividade até de setores conservadores como o seu?!? Não dá para citar isso na reunião de segunda… Eu resumiria a posição de Porter assim: “Certo. Os ganhos em eficiência via uso da Internet são reais, e têm que ser perseguidos hoje, até porque não há opção. Mas, não se iluda, todo mundo fará isso, e a vantagem vai evaporar rapidinho”. O artigo atraiu artilharia pesada. Que pecados-mortais Porter teria cometido segundo seus críticos?
Pecado mortal 1
Pecado mortal 2
Pecado mortal 3
Não deixe os especialistas confundirem você
Bem, sua reunião é segunda-feira e você está completamente perdido. Buscar opiniões de especialistas para parecer bem informado dá nisso. Talvez, mas e se você telefonasse para Michael Porter? Eu imaginaria um diálogo assim:
Porter
Você
Porter
Se você exagerar nessa retórica “empresas-sem-fronteira-coreografia-de-parceiros-coordenadas-pela-web”, corre o risco de ter de lidar – logo, logo – com uma fronteira muito clara: a da porta da rua para lá.
Você
Porter
Você
Porter
a – Depende da estrutura do seu setor. Ela é que determina a lucratividade de um competidor médio no setor.
b – Depende de sua capacidade de obter vantagem competitiva sustentada, quer dizer: sair-se melhor que a média do setor. Isso depende de sua inventividade. Quer saber o que fazer para gerar valor econômico verdadeiro? Comece analisando direitinho esses dois vetores. Eles valem sempre; transcendem qualquer tecnologia ou tipo de negócio.
Um modelo de 22 anos para explicar o efeito da Internet
Não sei em que setor sua empresa atua, mas seja antigo ou novo, seu potencial de lucro é determinado por 5 forças:
1. A intensidade da competição – é jogo bruto ou de cavalheiros?;
2. As barreiras de entrada para novos competidores – é preciso muita grana para entrar nesse jogo?;
3. A ameaça de aparecerem produtos ou serviços que substituam os seus – pode aparecer algum tipo de “borracha sintética” ou plástico, para eliminar a demanda pelo material que você produz?;
4. O poder de barganha dos fornecedores – você está preso a um punhado de países árabes para suprir suas necessidades de combustível?;
5. O poder de barganha dos clientes – é fácil para meus clientes me abandonarem e correrem para o competidor?.
Esse modo de pensar é tão válido hoje como era há 22 anos. Analisar essas forças revela o que determina a lucratividade média do setor, e permite insights sobre o que vai acontecer no futuro.
Ex: Indústria farmacêutica. Historicamente um “negocião” graças às altíssimas barreiras de entrada – altos investimentos, muito tempo para se chegar a uma droga nova), o consumidor sem escolhas, etc. Ótimo para quem já estava dentro e difícil para quem queria entrar. Hoje, porém, via genéricos, quebras de patente e biotecnologia, as barreiras de entrada diminuem e a lucratividade cai. A estrutura do setor está ficando menos atraente para as empresas. O consumidor, ao contrário, está gostando.
Agora você entende Porter…
No início de seu artigo, Porter coloca a questão central: “Quem vai capturar, de fato, os benefícios econômicos que a Internet cria?” E, adotando o ponto de vista das empresas, que é, por definição, o de qualquer gerente, concluiu: “Com a Internet, em geral, quem vai capturar valor não é a empresa, são os clientes”. As 5 forças da “lei de Porter” serão negativas para as empresas. Para elas, a Internet “não é necessariamente uma benção”.
Para as empresas (demagogias à parte) a verdade econômica é:
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Quanto menos poder de barganha tiverem os clientes, melhor;
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Quanto menos poder de barganha tiverem os fornecedores, melhor;
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Quanto menos intensa a rivalidade entre as empresas competidoras, melhor;
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Quanto menor a ameaça de aparecerem produtos/serviços substitutos, melhor;
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Quanto maiores as barreiras para a entrada de novos competidores, melhor.
Leis anti-conluio existem porque empresas tendem naturalmente a um conluiozinho (contra o consumidor, claro). Isso não é maldade, é da natureza do jogo econômico. A capacidade de regular essas “tendências naturais” é uma das características essenciais de um estado moderno, e, para mim, o maior desafio da globalização. Se, em certos casos, a Internet fortalece as empresas (por exemplo: diminuindo o poder de barganha dos canais de venda estabelecidos/idem dos fornecedores), o aumento do poder dos clientes mais que compensa, “negativamente”, esse ganho. Além disso, com a Internet, as barreiras de entrada tendem a diminuir, o que intensifica a rivalidade, leva à guerra de preços e corrói lucratividade. Porter não nega que a arquitetura das empresas possa vir a mudar; não nega que Ronald Coase tenha merecido o prêmio Nobel. Ele só nega que a Internet seja necessariamente “uma benção” para as empresas. Esse papo de “estamos muito contentes porque os clientes vão sair ganhando”, é balela. Empresas sempre preferem que elas saiam ganhando.
O imperativo da criatividade
O que sobra para ser feito? Uma única coisa: inovar. Todo esse papo moderno de “capital intelectual”, “gerência do conhecimento”, tem a ver com o imperativo da criatividade. Porter não diz, mas, para mim, a chave para entender por que são seus insights. Resumindo: a Internet não diferencia, uniformiza. Vantagem competitiva é sobre arranjos criativos em negócios; criatividade é o oposto de mesmice. Portanto…
Voltemos, para finalizar, àquele diálogo hipotético (parafraseado do conteúdo do artigo).
Porter
a. Comece convencendo a empresa de que o certo é atuar buscando retornos superiores a longo prazo. Esqueça market share. Não faça do corte de custos o centro de seu discurso. Eficiência operacional é só o ticket para entrar no jogo. Diga isso a eles.
b. Articule uma coleção de benefícios diferente da que seus concorrentes oferecem. Obs: Porter é inimigo da noção de benchmarking – adoção das “melhores práticas” – como estratégia. Estratégia para ele é, por definição, “um arranjo difícil de imitar”. Lembrem-se dos miraculosos métodos japoneses de produção dos anos oitenta. Todos copiaram.
c. Sua cadeia de valor – manufatura, logística, administração de RH, fornecimento do serviço – tem que ser configurada de forma a gerar um efeito superior ao dos rivais. Vantagem competitiva exige que você faça as mesmas coisas que seu concorrente faz, mas de forma diferente dele; ou então, que faça coisas que seu competidor não faz. O todo (isto é: a percepção de valor que você gera) será maior que a soma das partes.
d. Faça escolhas; não queira ser tudo para todos. A Fedex começou dedicando-se a “pequenas encomendas de um dia para outro”. Não pianos; não tratores. A celebrada SouthWest Airlines (empresa que inspira a nossa Gol e outras mais pelo mundo) quis incluir Denver em suas rotas nos EUA, mas desistiu. O tráfego aéreo provocaria atrasos e a promessa de pontualidade não seria cumprida. Vôos confiáveis são um dos pilares de sua oferta de valor.
e. Os elementos de tudo o que a empresa faz têm de reforçar-se mutuamente. O design do produto tem de reforçar a maneira pela qual ele é fabricado, ambos têm de considerar a forma como o pós-venda é conduzido. É isso que torna a estratégia difícil de imitar. Pode-se copiar uma ou outra característica isolada, mas não se pode duplicar com facilidade o sistema completo. Sem essa compatibilidade, melhorias “pontuais” em logística, marketing ou distribuição são rapidamente copiadas.
f. Mantenha o rumo. Escolha um caminho e fique nele. Isso exige liderança. Liderar é ser guardião da estratégia. Sem isso, a empresa não cria talentos únicos; não cria reputação. Capital intelectual? Esqueça. Melhoria contínua é necessária, mas só é de fato importante se for guiada por pensamento estratégico.
Você quer estabelecer um marco positivo para o futuro de sua empresa? O que acabei de delinear é a perspectiva correta. Boa sorte segunda-feira.
Referências
1. How Competitive Forces Shape Strategy – Michael Porter – Harvard Business Review – March/April 1979.
2. Internet and Strategy – Michael Porter – Harvard Business Review – March 2001.
3. Rethinking Strategy in a Networked World (or Why Michael Porter is Wrong about the Internet) – By Don Tapscott.
4. Letters to the editors – Harvard Business Review – June 2001.
5. What is Strategy – Michael Porter – Harvard Business Review – nov/dez 1996.
6. Why Cisco Fell: Outsourcing and Its Perils – By Bill Lakenan, Darren Boyd, and Ed Frey.
: Você me pede dicas para sua reunião de segunda. Ok.
*Artigo publicado na revista Exame de 10/2001.
: Isso depende de duas coisas: (meio exasperado):Mas o que eu busco é justamente valor econômico verdadeiro…: Empresas têm que ser julgadas por sua capacidade de criar “valor econômico”. Isso nada mais é do que a diferença entre preço e custo. A única forma de medir valor econômico é através de lucratividade sustentada. Gerar receita, reduzir custos ou simplesmente fazer algo útil introduzindo a Internet, não é evidência de que se esteja criando valor. : O que o senhor me aconselha para a reunião de segunda?(interrompendo): É que não me interessa essa retórica de “maior infra-estrutura de comunicação humana”. Mesmo que venha a ser, e daí? O mundo dos negócios está apinhado de coisas “revolucionárias”, que não geram efeito algum na escala de tempo que interessa a um executivo. Sua reunião é segunda de manhã, certo? Eu estou falando é disso, não de um vago momento no futuro. A tecnologia do fax, por exemplo, existe desde os anos 20, mas o aparelho de fax só “pegou” 60 anos depois. O telecosmos é uma idéia interessantíssima, mas quando vai acontecer? Veja as grandes craques da “web-integração” – campeãs da terceirização – como a Cisco Systems. Até ano passado era considerada a primeira empresa que atingiria um trilhão de dólares em valor de mercado; à frente da GE. As projeções de receitas previam aumentos na faixa de 30% a 40% ao ano. Abra os jornais de hoje. Abriu? Pois é… Informe-se sobre a Sony; Palm; Compaq; Apple; Philips…, todas na onda do outsourcing. Informou-se? Pois é… Estratégia tem aspectos técnicos. Tem leis, ou melhor, princípios. Eu não os chamaria de “leis de Newton dos negócios” (como faz, sem minha autorização, o autor deste artigo), porque falta a elas o que as leis científicas têm: a capacidade de dizer não só o que vai acontecer, mas quando vai acontecer. Newton diz que o cometa de Halley vai passar por aqui, de novo, no ano de 2062. Ninguém duvida de que vai mesmo. Não há equivalente a isso no mundo dos negócios. Mas existem princípios universais, que permitem prever “o que” vai acontecer, sim senhor! Vou falar deles adiante. Ronald Coase? Web-parcerias? Empresa sem fronteiras? Claro, mas quando? Você vai propor um baita programa de investimentos na segunda-feira. Faça-o, mas deixe claro que é só um primeiro passo. Se perguntarem qual a previsão de retorno, você só pode prometer ganhos em custos, e tem a obrigação de avisar que serão ganhos transitórios. Baixe a bola. A Internet não vai posicionar sua empresa para o futuro, ela só vai deixá-la em igualdade de condições com seus competidores. Posicionamento estratégico tem a ver com ser diferente, e a Internet, web-parcerias e tal… igualam, não diferenciam. Parcerias implicam em compatibilizar sua estratégia e a dos partners. Isso dá tanto trabalho para articular, que você esquece a busca da singularidade. Parcerias vão tornar produtos “mais iguais” e, por isso, vão corroer a lucratividade.: Mas dizer que a Internet é “apenas” mais uma tecnologia…?: Não vacile. Integre a Internet ao seu negócio. Comece hoje, mas saiba que isso é apenas o começo de uma fase muito mais desafiadora. Você vai ter de ser criativo. Valor econômico não vem da tecnologia, mas da criatividade no seu uso.: A questão não é integração vertical versus parcerias. A pergunta é: por que existem empresas, afinal de contas? Em 1937, um economista chamado Ronald Coase (prêmio Nobel) mostrou que empresas existem porque indivíduos, isoladamente, não conseguem organizar operações de compra e venda de modo economicamente viável. Os chamados custos de transação é que motivaram o surgimento das empresas. Sem empresas, achar insumos, fornecedores, fazer arranjos comerciais e coordenar atividades para produzir e vender, fica inviável economicamente. Isso sugere, dizem, que quando aparece uma tecnologia que reduz custos de transação, ela muda a arquitetura das empresas. Foi o que o telefone, o main-frame e até o elevador (sim, o elevador!) fizeram no passado. Empresas geograficamente dispersas puderam atuar coordenadamente. É o que a Internet está fazendo hoje. Por que integrar verticalmente se há maneiras mais econômicas? Terceirizar é bom, pois permite que a empresa concentre suas competências exclusivamente na gerência das relações com o cliente – sua fonte real de vantagem. Na era da Internet, uma empresa pode lucrar enormemente usando recursos que não são dela. A própria divisão entre “dentro” e “fora” da empresa vai acabar. Partindo de uma idéia, desenharemos processos de produção e entrega, sem preconceitos sobre o que é “da empresa” e o que não é. Não haverá nada para ser terceirizado porque nada haverá “dentro”, para início de conversa. : Minimizar a importância das “redes de negócios” é um erro. A IBM, por exemplo, não fabrica computadores IBM. Terceiriza. Assim, fica livre para concentrar-se em soluções para seus clientes, de onde vem o grosso de seus lucros. Redes habilitadas pela Internet, isto é: sistemas que integram fornecedores, distribuidores, prestadores de serviço, provedores de infra-estrutura e clientes – são um enorme ganho. : A Internet de hoje (para não falar na de amanhã), é muito mais que a continuação de avanços do passado. É a infra-estrutura por trás de uma nova mídia universal de comunicação. Ondas tecnológicas anteriores não eram universais, baratas, nem padronizadas. Nenhuma era multimídia.