Ou: como um padrão se torna padrão.
Para instaurar padrões que forcem um sistema a se integrar, não é preciso ser inteligente, basta ser pragmático.
A eficiência de um sistema (qualquer sistema) vem da fluidez com que ele executa o que tem de executar.
Na saúde, a cada movimentação de um usuário em busca de atendimento, a informação sobre ele tem que ser gerada de novo. Repetem-se exames à toa, alteram-se diagnósticos, mudam-se prescrições, riscos se acumulam, filas aumentam.
Essas ineficiências fazem mortes desnecessárias acontecerem. É uma miséria.
Os gestores da saúde sofrem de um mal: “incompetência serial”.
Integrar é a saída. Integrar em “linhas de serviço” intervenções que hoje estão isoladas em escaninhos, feudos.
Integrar público e privado.
A unidade de saúde pública está com a capacidade esgotada, mas, do outro lado da rua, a clinica privada está com capacidade ociosa.
Não se falam, não se entendem. São tribos diferentes. Burros.
Incompetência serial coloca ideologia acima da razão.
Integrar baixa custos e melhora resultados.
Foi assim com a estrada de ferro, e será assim na saúde. Os desafios práticos são muitos na saúde, mas vai acontecer.
Com a estrada de ferro foi relativamente rápido porque havia um caminho pragmático, natural, a seguir.
Veja como elas tiveram suas larguras padronizadas.
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A distância entre os trilhos nas ferrovias dos EUA é 143,51 cm (4 pés e 8,5 polegadas ).
Por que essa largura esquisita? Porque era essa a distância entre os trilhos na Inglaterra, e foram engenheiros ingleses expatriados que projetaram as primeiras ferrovias dos EUA.
Esses mesmos profissionais tinham construído os “vagões” que precederam os trens, e era essa a largura entre trilhos desses bondinhos que transportavam minério.
Para construí-los, usavam-se os gabaritos e ferramentas que viriam a ser usados para construir os vagões de trens. Era mais fácil manter o mesmo espaçamento entre as rodas.
Mas por que aqueles pequenos vagões tinham 143,51 cm entre as rodas?
Bem, é que se usassem uma largura diferente as rodas quebrariam com mais frequência nas antigas estradas da Inglaterra- este é o espaçamento dos sulcos que as rodas das carruagens antigas deixavam nas estradas. Eles construíram seu sistema de transporte para encaixar nos sulcos que já existiam.
A Roma imperial construíra aquelas estradas para movimentar suas legiões, e elas continuaram a ser usadas desde então. Os carros de guerra romanos formaram os sulcos iniciais nos quais todos os outros tinham que encaixar para não terem suas rodas destruídas.
O gabarito ferroviário padrão dos Estados Unidos, de 143,51 cm, vem das especificações originais de um carro de guerra do império romano.
Os carros de guerra da Roma imperial eram fabricados com largura suficiente para acomodar os traseiros de dois cavalos, pois eram cavalos que geravam a força de tração que os movia; a mesma largura- a dos traseiros de dois cavalos lado a lado- foi adotada nas carroças de transporte até o aparecimento da estrada de ferro.
Agora o interessante.
Quando você vê um ônibus espacial na plataforma de lançamento, nota dois grandes foguetes auxiliares anexados às laterais do tanque de combustível.
São os propulsores, chamados de solid rocket boosters (SRB).
Os SRBs são fabricados por uma empresa chamada Thiokol que fica em Utah (EUA). Os engenheiros que os projetaram queriam que fossem mais volumosos, mas eles tinham que ser enviados de trem da fábrica para o local do lançamento.
A linha ferroviária que transporta os SRBs passa por um túnel nas montanhas, que é um pouco mais largo que a linha férrea. A linha férrea, como você acabou de aprender, tem a largura de dois traseiros de cavalos, lado a lado.
Assim, um importantíssimo recurso de design do ônibus espacial- o sistema de transporte mais avançado do mundo- foi determinado há mais de dois mil anos pela largura média da bunda de um cavalo.
O padrão está lá. Sem padrão não há progresso.
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O celebrado sistema de saúde inglês, em crise hoje, é ainda considerado o melhor do mundo. Ele teve teve origens análogas.
Alô! Alô! Um aviso: quem disser que eu disse que sistema de saúde é a mesma coisa que estrada de ferro, será bloqueado por “analfabetismo funcional”.
O que o sistema inglês é hoje (na essência) foi determinado por circunstâncias históricas -serviços montados às pressas para tratar de feridos e refugiados na segunda guerra.
Muitos sistemas sociais apresentam “dependências do caminho” (path dependence) deste tipo- são resultado de decisões tomadas no passado, em circunstâncias muito diferentes das atuais, mas que ficaram “cristalizadas”. São dificílimas de mudar (pense em nossa dependência de combustíveis fósseis, por exemplo).
Saúde é assim.
É mais cômodo ficar pedindo mais dinheiro em vez de usar a imaginação para reconfigurar recursos que já existem para forçar a integração.Nosso sistema de saúde está cheio de supostos especialistas-“incompetentes seriais”- escravizados por ideologias, querendo jogar para a platéia. O trem vai passar por cima deles.
fonte: AQUI.
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Quando aplicamos a técnica INNOVATRIX que descrevi AQUI, AQUI, e AQUI , às contradições do sistema de saúde , aparece um princípio inventivo dominante, sem o qual nada será resolvido : “INTEGRE”.
Fragmentação é o pecado mortal do sistema. Sem INTEGRAR nada vai rolar.
Minha ênfase em DESFECHOS vem daí. Medir e divulgar DESFECHOS clínicos, terá o poder de forçar a integração do sistema, pois tornará evidente a vantagem que isso trará para o usuário. Os prestadores que se integrarem em linhas de serviço gerarão melhores desfechos e terão menores custos.
Serão os escolhidos pelo mercado.
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A saúde hoje é como o início do transporte ferroviário: a largura entre os trilhos não era padronizada e em cada fronteira o trem tinha de parar para que a carga fosse transferida para composições com a bitola dos trilhos do outro lado. O transporte era demorado, trabalhoso, e o frete era caro. O desperdício reinava.Padrão só se consegue com integração de “trilhos”.
Veja se as manchetes te dizem algo quanto a isso:
Queriam o quê?