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Oito lições sobre o futuro

Contribuições recentes minhas para Você S.A. e Exame geraram muitas mensagens pessoais de jovens interessados em aprofundar certas idéias e entender melhor o que devem fazer para participar como atores (não como figurantes) desse futuro que já está aí. De minhas respostas a eles, tirei alguns tópicos que talvez interessem aos demais.

1 – Para ser ator no futuro, você terá de se voltar para os fundamentos da administração.

Não. Não sou contra cursos de administração assim, genericamente. Isso seria absurdo. Sou, sim, contra o enfoque da maioria deles.

No Brasil, hoje, dezenas de cursos e seminários tratam da temática empresarial. Cursos superiores, extensões, MBAs.

Mas não adianta muito aprender a administrar empresas de ontem, e é o management à antiga que (ainda) é o foco da maioria.

Pegue o setor que quiser: atacado ou varejo; serviços ou manufatura; bancos ou fábricas. Seja o que for, administrar hoje exige competências completamente diferentes do que se exigia, digamos, há dez anos.

O problema desses cursos é este: continuam a tomar como pressuposto um mundo de cinqüenta anos atrás. Um mundo que já morreu.

O fundamento do ato de administrar está voltando a ser algo que, no início, era essencial em business: todo administrador vai ser (vai ter de ser) empreendedor!

O administrador do futuro terá de entender todos os aspectos da empresa e contribuir para o processo de criação coletiva que é o empreendimento como um todo.

2 – Estratégia é mais importante que marketing.

Eu mesmo trabalho em marketing, mas isso não me impede de constatar que marketing clássico (4Ps, etc) em si é, hoje, menos importante que estratégia como objeto de estudo para quem quer se preparar para o amanhã.

Marketing como profissão tem um charme especial e atrai muita gente, mas marketing pressupõe que haja uma empresa operando em bases estáveis, coisa que, se no passado era verdade, hoje não é mais tão evidente. A economia digital está alterando as bases sobre as quais todas as empresas se apóiam.

Eu até mudaria a declaração famosa de Peter Drucker: “Marketing e inovação são o que importa.” Certo, eu diria, desde que, por trás, haja um pensamento articulado o suficiente para garantir a existência da empresa em bases mais ou menos “estáveis”. Isso, antes, era tão óbvio que nem precisava ser dito, mas, repito, hoje não é mais. Isso é que é estratégia.

3 – Estratégia é a idéia por trás da ação – você vai ter de ser bom nisso.

Entendimento. Conhecimento. Idéias. Essa é a matéria-prima para o profissional do novo milênio. A empresa do século XXI é um processo, não um lugar. Não um endereço. Não um prédio. Não um CGC.

Ela estará permanentemente se reconfigurando. Você só será bem sucedido se souber contribuir para esse processo. Ninguém mais poderá se dar ao luxo de ser especialista em fragmentos, ou aspectos isolados do processo produtivo das empresas.

Quem quiser ser um profissional apto a participar disso como ator, não como figurante, terá de dominar a arte de enxergar, entender e contribuir para o todo. Para isso, é necessário dominar certos fundamentos.

Os fundamentos da empresa do amanhã são:

Estratégia, Marketing/Inovação e Comunicação.

Você vai dizer que essas coisas sempre foram a base do mundo do business. Certo. A novidade são as nuances, radicalmente novas, que esses velhos fundamentos adquiriram.

A coisa inteligente a fazer é tornar-se muito bom neles.

O que vai determinar sucesso ou fracasso, mais do que nunca, será pensamento criativo, original, diferente.

A noção de valor está no centro do pensamento estratégico.

Valor está associado à relação qualidade x preço.

4 – “Quem é meu cliente?” não é mais a pergunta certa. “O que é meu cliente?” é que é.

Valor traduz o que você está disposto a pagar por algo. Tem a ver com percepção. Portanto, é uma noção subjetiva, que envolve muitas dimensões. Mas não se iluda, valor é concreto. Concretíssimo. Tem a ver com “compro ou não compro”. Gerenciar a oferta de valor – formulá-la, reformulá-la, comunicá-la é o que há no dia-a-dia de um administrador. Não há nada mais importante que isso.

Formular propostas (apostas) de valor, exige que você tenha um cliente potencial na cabeça.

Cliente? “Quem é meu cliente?”

Essa sempre foi a pergunta clássica em marketing, mas ela está ultrapassada. O cliente hoje é uma entidade múltipla, impossível de ser capturado de uma única maneira ou através de uma só dimensão. Ele não é mais enquadrável nas velhas categorias de “perfis psicográficos” como no passado. É por isso que eu não enfatizo as propostas “científicas” clássicas em marketing.

A pergunta certa a fazer hoje é: “o que é meu cliente?”

Sim, é como se, na circunstância particular em que está interagindo com você, o cliente estivesse representando um papel. Não existe mais “o cliente”, existe “um certo cliente” que, em certa circunstância, desempenha certo papel.

O mesmo cliente pode ter desejos e necessidades diferentes em relação ao mesmo tipo de produto. Depende das circunstâncias dele, cliente. Falei em qualidade? A melhor definição de qualidade que conheço, se formula da seguinte maneira:

5 – Qualidade é o que o cliente diz que é.

Claro que há fatores objetivos que ajudam a formação de uma percepção de qualidade, mas não há processo formal para se chegar a uma empresa ou produto de qualidade, passo a passo, a partir deles.

A identificação de um ângulo mental novo para olhar essa questão antiga é a chave para o sucesso estratégico. Não há regras para isso, mas há uma disciplina nessa busca.

Estratégia é exatamente isso: a disciplina de descobrir/criar/identificar ofertas de valor para clientes em potencial. Tudo começa com isso. Se o ângulo mental estiver furado, você logo notará. Ninguém comprará de você, vão recusar a proposta de valor que você oferece.

Seus clientes continuarão sendo potenciais. Você quebrou, tente outra.

6 – Clientes são muitas coisas. O negócio de qualquer empresa é gerência de clientes.

Esse cliente irracional, idiossincrático, caótico, emocional, percebeu recentemente que é ele que está ao volante.

A Internet dá poder de barganha a ele, coisa que nunca teve.

A verdade é que uma parte não desprezível do sucesso empresarial no passado foi construída porque os clientes eram ignorantes, e com base nessa ignorância. Para as empresas, não interessava que não fossem, e eles (clientes) nem sabiam que poderiam ter outra opção. Hoje eles têm, e sabem que têm.

A idéia importante é que o cliente hoje julga e opta segundo padrões que não são racionais nem predizíveis a priori. “Valor intrínseco do produto” não é o ponto. Ninguém sabe o que é valor intrínseco.

Houve um tempo em que se pensava que uma empresa era uma coleção de departamentos. Quando algo ia mal numa área, demitia-se o diretor da área. Era a época em que se gerenciavam eventos. O dia-a-dia da empresa era uma seqüência de eventos.

7 – A empresa do século XXI é um processo.

Só quem tiver espírito empreendedor será importante para a empresa do amanhã. Pena que esses cursos por aí não reconheçam isso e continuem torturando e (de)formando jovens que pagam caro para… para. para quê mesmo? Todos os que hoje procuram formação em management deveriam ser estimulados a entender/aprender/deixar-se inspirar pelo espírito empreendedor. Não existe mais, como sabemos, a opção do emprego-seguro-e-garantido-para-a-vida-toda. A empresa que protege e garante morreu.

A essência do entrepreneurship é um processo disciplinado de se perguntar e responder.

Há uma disciplina para se fazer as perguntas certas, mas não há respostas certas, só respostas melhores. Só há o processo de buscar as respostas melhores, mas não há garantia de nada. É igual à vida.

Tradicionalmente, os cursos de administração focam o “dentro” da empresa. As disciplinas que se estudam ali, se bem aprendidas, formarão excelentes contadores, controllers, financeiros, especialistas em RH, produção talvez.

Mas não é a excelência nas operações que faz a diferença. É a idéia que molda a ação interna que faz diferença. Essa idéia, repito, é aquilo que define o direito da empresa existir. Excelência nas operações nunca pode ser a base de uma estratégia duradoura por uma razão simples: pode ser copiada (ver “What is Strategy”, de Michael Porter – Harvard Business Review, 12/1996. Confira também matéria dele em Exame de 10/1099).

Toda estratégia de verdade baseia-se num talento original, único, que pode não ser “difícil”, mas que não é copiável com facilidade. É como se fosse uma questão de vocação. Todo mundo que faz algo muito bem dá a impressão de que é fácil, mas vá tentar imitar.

Há uma hierarquia de prioridades na vida de qualquer empresa: a idéia tem que vir antes da ação. A idéia é mais importante que a ação.

Cuidado com o papo furado. Dizem, por exemplo, que as pessoas na empresa estão em primeiro lugar. Errado. Errado. Errado.

O que está em primeiro lugar é a idéia que molda a ação das pessoas.

8 – Na empresa é como na natureza: é a informação que organiza a desordem.

Na natureza, como na empresa, o estado natural das coisas é a desorganização. Tudo tende naturalmente à desordem, se deixado por sua própria conta. Qualquer coisa organizada é, de certa forma, antinatural. Para organizar, você precisa de um princípio criador, uma inteligência que vença a tendência natural. A coisa mais espantosa da natureza é essa capacidade incrível de transformar informação em organização. É isso que o DNA faz. Um bebê é um ato criador do DNA. Isso é exatamente o centro da noção de management.

O princípio criador aqui é a idéia estratégica da empresa, mas não basta que essa idéia seja formulada uma vez, lembre-se: a tendência de qualquer tipo de organização é se desorganizar.

Então, como manter a organização organizada? Resposta: através de administração; management existe exatamente para isso. Mais importante que estar vivo hoje é garantir a vitalidade amanhã. Uma empresa é feita de conceitos, idéias, inter-relações que dão forma a uma proposta de valor e leva à ação. Como diz James Campy: “As pessoas gostam de pensar que empresas são construídas por números (bottom line), ou ‘forças de mercado’, ou por ‘coisas’ como o ‘produto’, ou mesmo por gente de ‘carne e osso’. Mas isso está errado. Empresas são feitas de idéias…”

A existência de uma empresa é uma aposta permanente em sua capacidade de seguir em frente existindo, demonstrando ao mundo que ela soube embutir em sua maneira de ser a competência para reorganizar continuamente a desorganização natural.

Management é a arte de dar forma, moldar, a organização e mantê-la num rumo, usando para isso o pensamento criativo, não técnicas prontas.

Uma empresa é uma escultura do pensamento. Faz-se isso mobilizando ação no dia-a-dia. Empresas são processos de comunicação. Linguagem. Diálogo. Conversação. Tudo para levar a resultados.

Um cirurgião pode “operar” calado. Mesmo um advogado pode vencer “por escrito”. Um manager não. O manager só tem sucesso se mobiliza outros para “fazer acontecer”.

Isso só se consegue através de mensagens que levem a uma ação precisa: todo mundo comprando seu produto por um preço que, tudo computado, lhe deixe um excesso, provando assim que você tem direito de continuar existindo.

*Artigo publicado na revista Você S.A. de 11/1999.

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