O que será o amanhã? Ciência, administração e a arte de enxergar à frente
Começou em Wall Street mas a tendência parece se espalhar. Em vez do administrador tradicional, as empresas começam a buscar a contribuição de executivos capazes de exercitar outro tipo de criatividade. Sim, cientistas.
Talvez demore para que um deles chegue ao topo de uma das 500 da Fortune, mas que eles têm algo a declarar, têm.
“Todas as noções que julgávamos sólidas, todos os valores da vida civilizada, tudo que sustentava a estabilidade das relações internacionais, tudo que gerava regularidade na economia, em uma palavra, tudo que tendia de modo tão feliz a limitar a incerteza do amanhã, tudo o que dava aos indivíduos e nações alguma confiança no amanhã. Tudo isso parece comprometido de forma muito negativa. Consultei todos os videntes que encontrei, de todo tipo, e só ouvi palavras vagas, profecias contraditórias, garantias curiosamente vazias.”
Paul Valéry, “Historical Fact” (1932).
PARTE I
A pergunta me persegue: em que um físico nuclear pode contribuir para o marketing de uma empresa?
É inevitável. Um (ex) físico profissional trabalhando como executivo de marketing não é um arranjo comum. Sempre tento me explicar dizendo algo assim: “Física é sobre descobrir ordem no caos – desenterrar princípios que nos ajudem a ver e prever no meio da confusão. Princípios que nos levem a resultados. Bem, isso não é muito diferente do que um executivo tem de fazer no seu mundo, certo? A diferença é só de contexto”.
Invariavelmente minhas explicações deixam o interlocutor com ar de dúvida, e a mim próprio frustrado por parecer estar falando grego.
Isso, porém, pode estar mudando.
Leio que Paulo Coelho, nosso mega mago-escritor, foi convidado a falar em Janeiro no “Fórum da Economia Mundial” em Davos, na Suíça; um encontro empresarial onde gente de fora do meio não é comum. Fernando Henrique também esteve por lá e, previsivelmente seguiu seu script: falou sobre o impacto da crise asiática na economia brasileira. Mas Paulo Coelho? Será que a confusão geral já está nos forçando a apelar para a magia?
Até que não seria surpresa toda vez que as circunstâncias nos expõem ao que nos pareça inexplicável, surge a tentação de respostas.
“Mágicas”. No Renascimento houve uma tendência a substituir o catolicismo, que perdera força pela astrologia e pela necromancia. O ser humano não falha…
Instigado pela notícia já começava a remexer meu baú de ironias.
Mas logo parei; temi por meu “telhado de vidro”. Afinal nem sei direito do que se falou no tal seminário, e se Paulo Coelho num fórum de empresários provoca estranheza, um físico trabalhando em Marketing também provoca. Se tenho dificuldades para explicar minhas próprias bruxarias, não devo ironizar as de outros, certo?
De qualquer forma, confesso: saber que ele falara para empresários teve o efeito terapêutico de diminuir minha insegurança. Chega de dupla personalidade. Ficando menos esotérico a meus próprios olhos, tomo coragem e assumo: sou mesmo uma cabeça mais de físico que de administrador a serviço da performance empresarial. Por que não?
Cientistas e homens de empresa são pragmáticos; fazem o diabo atrás de resultados. É o resultado que os legitima. Quando soube que a nova onda em Wall Street, já há alguns anos, é a contratação de PhDs em Física e Matemática, e que cada vez mais mesmo empresas de fora do mercado financeiro abrem espaço para cientistas, comecei a me achar quase normal.
Mágica, arte, ciência e a crise na Ásia. Pode parecer estranho, mas há mesmo algo ligado à mágica na origem desse processo a que chamamos ciência. Vamos por partes.
Leon Cooper – prêmio Nobel de Física em 1971 – uma vez disse: “Há uma obsessão antiga de impormos ordem a um mundo caótico. O detetive faz isso. O mágico faz isso. É por isso que as pessoas adoram Sherlock Holmes. A ciência veio da mágica. Ciência é a expressão moderna do que o mágico da antiguidade fazia. O mundo é uma bagunça, e as pessoas querem que ele seja ordenado.”
É um instinto. Entenda bem leitor. Não estou dizendo que tudo é a mesma coisa. Não é. O drive fundamental é que é o mesmo. Ciência dá resultado, mágica não. O animal humano busca em tudo, compulsivamente, nichos de ordem, padrão, regularidade… Sem o talento para descobri-los não existiríamos como espécie. Sem a capacidade de ordenar os fluxos de informação que nos chegam de fora, e prever – minimamente que seja – alguma coisa de útil, não existe ciência. Business também não. Ambas as atividades se apóiam nessa compulsão tão humana: discernir ordem no meio da confusão.
Não me surpreendi ao ler na Exame de 25 de Fevereiro uma reportagem – “A aritmética não funcionou” – sobre o fracasso dos matemáticos contratados por instituições financeiras para “medir riscos”, mas que nada conseguiram diante da crise asiática. Seus bancos tiveram prejuízo.
Bem, matemáticos não são cartomantes. Que tipo de previsão seria razoável esperar deles? De qualquer forma entendo o tom da matéria.
Os empreendimentos da ciência e do business permitem uma tremenda liberdade de expressão. O que eles não aceitam é ausência de “resultado”, porque aí nossas histórias ficam sem substância. Just stories. Nossa ciência e nossas empresas de nada valeriam. Ausência de resultado é a fraude na ciência e nos negócios.
Resultado? Resultado leitor, é o que Einstein ou Newton produziram através de suas narrativas (ou o que Henry Ford ou Mozart produziram através das suas, apesar de não serem cientistas). Resultado é o que define “verdades” em ciência, e eu me permitiria dizer, também em business e mesmo na arte, ainda que com conotações diferentes em cada campo.
Resultado em sentido amplo tem a ver com a mente humana entrando em ressonância com alguma coisa no mundo lá fora e, no caso da ciência, a capacidade de prever é a conseqüência mais útil, mais imediata, mais recompensadora e mais importante de se ter uma teoria científica; nesse caso é exatamente essa capacidade que coloca a ciência numa categoria de arte à parte. Repare:
Quando Einstein concluiu que E=mc2, ele comprimiu numa formulação simples, elegante, concisa, uma quantidade imensa de informação que até então não era percebida. Estava desordenada e solta. Não fazia sentido embaralhada no meio da confusão.
Newton, afirmou que são entidades chamadas forças as responsáveis pelas alterações dos estados de movimento das coisas no universo. Em seguida mostrou que a capacidade delas (forças) fazerem isso, depende de uma propriedade de cada objeto chamada massa. Assim, resolveu a confusão eliminando o preconceito e a superstição que, há milênios, “explicavam” o funcionamento da natureza. Newton descobriu uma lei que, para todos os fins práticos, explica e prevê tudo o que interessa ser explicado e previsto sobre os movimentos das coisas.
Ao ir adiante e afirmar que essa tal propriedade chamada massa é também, por “coincidência”, o que define a atração dos objetos celestes – sol, lua, estrelas – um pelo outro, permitindo assim que a máquina cósmica se ponha em marcha através dos encaixes das engrenagens do universo, Newton fez uma descoberta tão genial que nós – pobres humanos – passamos a achar que a ciência desvendara as intenções de Deus. Doce iIusão…
Henry Ford no início do século, diante de uma paisagem urbana onde só havia cavalos, carroças, mau cheiro e estrume, dá um passo adiante e diz:
“Eu vou definir o que vai ser a sociedade do automóvel. Carros não serão brinquedos só para ricos, mas toda pessoa que ganhe um salário decente poderá ter um. Eu vou definir a maneira de se fabricar esses carros, de modo que eles tenham um preço que a pessoa comum possa pagar…”
Dito e feito. A criatividade verdadeira trabalha com dados que estão disponíveis para todos, mas que só ela é capaz de “comprimir” de modo a gerar um “resultado”.
No mundo da arte também é assim. Mozart comprimindo numa partitura musical a infinidade desordenada de todos os possíveis sons; numa seqüência certa, precisa, em algo que nos deleita. Van Gogh capturando numa tela uma realidade precisa.
A criatividade do artista é sempre econômica; é do tamanho “certo”. Não há notas extras; não há cores demais; nada de pinceladas desnecessárias. Nada é supérfluo. A boa ciência – a ciência digna desse nome – sempre teve essa característica. Entre parênteses: pode parecer exagerado, mas alguém já comentou que o estilo de Pelé era assim. Sem gestos tolos, sem manifestações desnecessárias. Sem “efeitos especiais”. Sem superficialidades. Nunca se viu Pelé se atirando em busca de bolas perdidas.
Gênios têm a medida certa. É por isso que eles são gênios. Homens de empresa sempre se inspiraram na capacidade de prever que o cientista tem. Frederick Taylor – o patrono supremo dos managers – foi claramente inspirado pela precisão do modelo científico de Newton. Sempre houve no meio empresarial uma certa inveja da capacidade que os cientistas têm de afirmar coisas com base em suas teorias, sem medo de errar; daí a decepção com os matemáticos derrotados pela crise asiática.
É isso mesmo. Executivos podem dar a desculpa que quiserem mas não podem deixar de exercitar a arte de prever. Não importa quão caótico esteja o mundo, se você quer ser executivo você tem de prever, pois as duas funções empresariais básicas, as duas que produzem resultados, são marketing e inovação, o resto é custo como ensina Peter Drucker. Se marketing tem a ver com o que você faz para que as pessoas comprem de você hoje, inovação é o que você tem a fazer hoje para que elas continuem comprando amanhã.
Amanhã? Mas como será o amanhã?
Se o pensamento racional falha; se até cientistas fracassam, não tenha dúvidas – algum tipo de cartomante vai acabar entrando em cena.
Quando falo em caos estou certo de que você sabe perfeitamente do que estou falando. Sejamos sinceros: alguém realmente entendeu o que se passou na Ásia? Não me considero excepcionalmente estúpido, mas após ler um bocado não fiz muito progresso. A única coisa que concluí foi que a crise asiática envolve sutilezas muito mais complexas do que aquelas, por exemplo, de outra famosa crise internacional: a crise do petróleo dos anos setenta. Aquela também teve repercussões mundiais, mas tinha mecanismos perfeitamente identificáveis e até previsíveis (na realidade foi prevista).
Se as crises de hoje não são mais como as de ontem, antecipar o amanhã é cada vez mais um talento tão essencial quanto raro; não é realmente de admirar que magos e cientistas estejam com a cotação em alta, mas se eu tivesse de apostar, apostaria na ciência.
Vou tentar explicar por quê.
A tendência de se alargar os horizontes das disciplinas empresariais tradicionais, incorporando a elas outros saberes, pode ser altamente positiva, mas seria útil estarmos atentos a certos riscos também.
Executivos são uma espécie diferente. Suas cabeças funcionam em compartimentos. Fixam-se sempre na procura de soluções para problemas isolados – qualidade, produtividade, marketing, recursos humanos. Vêem a empresa como uma coleção de departamentos… Só conseguem enxergar as coisas assim. Mas empresas e mercados típicos hoje não são mais (como já foram no passado) acoplamentos de engrenagens, cujos efeitos individuais se transmitem de uma para outra e põe a máquina em movimento. Não; a empresa típica hoje é um sistema em que tudo afeta tudo. Mercados idem.
Não percebendo que já não há problemas isolados, os executivos também não reconhecem que o caos transcende em muito o mundo da empresa, refletindo uma ausência de perspectivas muito mais ampla (dizer algo útil a um adolescente angustiado com decisões sobre seu futuro por exemplo, é algo muito mais difícil para nós do que foi para nossos pais).
A crise da empresa, claro, é a crise geral, multidimensional, do final do século e não vai passar com a virada do milênio, digam os místicos o que quiserem. As crises modernas são realmente de outra natureza e para serem decifradas pedem mesmo outro tipo de cabeça. Em outras palavras: se você vê que a empresa está em crise mas não percebe que é a nossa maneira de abordar a crise que não é mais adequada, ou você é muito desatento, ou deve ser executivo (não sei não mas desconfio que o assunto do Paulo Coelho em Davos foi por aí).
Há mais: homens de empresa sempre tendem a abordar qualquer questão procurando a técnica correta para se lidar com cada circunstância particular. Isso, claro, é a herança do famoso “one best way” de Frederick Taylor que desde o início do século faz nossas cabeças. E faz, porque é um mindset (que foi) inequivocamente vitorioso. Queremos sair dele, não sabemos é como.
Dizer que os desafios que temos pela frente exigem uma forma original de abordagem é um clichê que de tão surrado já beira o insuportável, mas vale insistir: não é questão da técnica certa. É muito mais difícil; é questão de uma cabeça nova e isso não se aprende na escola; eu não tenho a menor idéia de como se faz, mas há sinais de que algo novo pode estar realmente tomando forma.
Falei em arte. Talvez tenhamos que aprender algo com os artistas. Grandes criadores do mundo empresarial têm tido um tipo de habilidade integradora que os cientistas e artistas também têm; essa criatividade intuitiva que não se explica, mas que dá certo. Essa competência para pegar diferentes elementos da realidade, soltos, desconexos e então integrar tudo, num todo harmonioso que ninguém pode provar que vai dar certo a priori, mas que ele – o criador – sabe que vai dar certo.
Mas isso é exceção. Como não temos a criatividade dos artistas nossos quadros sempre têm excesso de pinceladas; nossas partituras têm muitas notas dissonantes. Como nossa competência – o resultado através do qual nos avaliam – é quase sempre relativo à performance de hoje, tudo bem; mas quando eventos como a crise asiática expõe nossa vulnerabilidade, o pânico se instaura, e tendemos a nos agarrar (sempre taylorianamente) à primeira “tábua de salvação” que apareça.
Nossa vida é complicada. O gênio dos grandes artistas é eterno mas o dos maiores creators empresariais é sempre efêmero. A visão original de Henry Ford – o criador do conceito do automóvel, durou só três décadas. A de Steven Jobs o criador do conceito de computador pessoal, menos ainda. As empresas que eles fundaram para implementar seus sonhos os expulsaram. Nada parecido com essa rejeição ocorre com o gênio da ciência ou das artes.
Mesmo os muito bons no mundo do business podem ter um lampejo de gênio hoje, mas em seguida, o amanhã os devora. É por isso que somos obcecados pelo futuro. Temos medo dele. Como será o manhã? Alguma cartomante de plantão por aí?
O palco está montado; quem vai dirigir o espetáculo?
Há um curioso espetáculo sendo encenado no mundo empresarial – uma mistura de teatro e luta livre, eu diria. De um lado, um velho campeão decadente: Frederick Taylor, o reducionista. O homem da otimização; da eficiência, da prancheta e do cronômetro. Taylor – o pioneiro reengenheirador de processos; o dissecador de etapas de trabalho, que fez sucesso (e ainda faz), mas em um mundo que está agonizante. Sua verdade: primeiro o sistema depois o homem.O mundo em que suas idéias geram resultado sofre de doença terminal. Ainda respira mas ninguém mais tem esperanças nele.
Do outro lado do palco (ou do ringue?) uma tribo variada. Desde propagandistas de metodologias milagrosas para melhoria instantânea da performance empresarial, até defensores de idéias, digamos, alternativas. Propostas sistêmicas; não reducionistas; holistas (vá lá). Todas se apoiando na constatação de que o mundo caótico e complexo do fim do século XX pede uma abordagem anti-taylorista; algo que incorpore dimensões novas ao ato de decidir e gerenciar. Há ofertas para todos os gostos nesse supermercado.
O fato de algumas serem “alternativas” no sentido new age não é problema em si, o problema é que certas delas embutem o risco de se abrir uma brecha para a entrada no mundo empresarial do babalaô-místico-esotérico-cabalas-vibrações-cósmicas-outras vidas-etc. Claro, é preciso ter a cabeça aberta, mas é que ultimamente tenho conhecido gente com a cabeça tão aberta que parece que o cérebro delas escorregou para fora (Desculpe leitor, exagerei. Não quero ofender ninguém, mas não conte com “outras vidas”, os acionistas de sua empresa só estão interessados em resultados nesta vida).
Mau humor à parte, não há mesmo por que combater qualquer proposta a priori. Outra semelhança entre os processos da ciência e dos negócios é que em ambos – por definição – só o que gera resultado permanece, e não há nada que ninguém possa fazer contra isso. É exatamente a idéia de Darwin: aquilo que gera resultado (vantagem competitiva) no mundo prático, é naturalmente selecionado. Se não gera, pode até ser muito espiritual, mas… adeus. O único mal que fazem é o tempo que perdemos com elas. Um risco para o qual devemos estar atentos pois pode ser fatal.
Diante desse quadro, a pergunta: haveria algum corpo de idéias genuinamente novo, capaz de pelo menos inspirar essa tal mudança de paradigma (arghhh…) no mundo empresarial, unanimemente reconhecida como necessária? Algo realmente relevante para além do circunstancial e do neo-esoterismo que já vai tomando forma no horizonte? Talvez haja.
Há sinais de que algumas (grandes) empresas resolveram apostar também na ciência. Não em qualquer novidade vagamente relacionada a uma “nova ciência da administração”, mas ciência no sentido tradicional. Vamos ver.
PARTE II
CIÊNCIA DA INCERTEZA?
“Caos” e “Complexidade” são – não por coincidência – dois ramos novos e muito na moda em ciência hoje. Do que eles tratam?
Se a ciência do século XX tem uma marca registrada é a constatação de que essa coisa de incerteza é muito mais regra do que exceção, e essa descoberta já é bem antiga. Começou com a Física lá pelo início do século percebendo que as verdades newtonianas não valiam dentro da matéria. Prever o que acontece lá exigiu a montagem de uma moldura de conceitos totalmente diferente da que existia. O novo quadro foi pintado, mas ficou claro que teríamos de pagar um preço: no mundo do infinitamente pequeno jamais poderíamos ter as certezas que temos no nosso mundo do dia-a-dia.
Ironia. Exatamente no momento em que Taylor se apropriava de um modo de pensar que julgava imbatível – por ser científico gerando assim resultados inquestionáveis – os físicos percebiam que esse modo de pensar tinha de ser superado. Essa descoberta tem mais de setenta anos, e só agora os homens de empresa começam se dar conta de suas implicações. Estamos sempre atrasados.
Mais recentemente a possibilidade de simular em computador problemas até então intratáveis, mostrou que não é só dentro da matéria: há domínios muito mais familiares, quase domésticos, que também não se deixam prever. Exemplo: vai chover depois de amanhã ou não? Não se trata de ignorância nossa ou da falta de ferramentas adequadas para prever. Não. A incerteza é inerente ao jogo. O tempo é, por natureza, essencialmente imprevisível a longo prazo, entende leitor?
Os mercados financeiros também. É lá o lugar mais óbvio para se procurar as “cartomantes” modernas. No mercado financeiro a recompensa é mais imediata e mais palpável pois no jogo que é jogado ali, um pouquinho só de previsão competente pode significar muito. Resultado garantido. Wall Street hoje está cheia do que os americanos chamam de “rocket scientists” usando sofisticados modelos matemáticos e programas de computador para tentar discernir um pouco melhor as silhuetas do futuro.
Prever melhor. Para entender o que esse pessoal faz você tem de entender a idéia de caos como os cientistas a entendem.
DOMANDO O CAOS
Se eu jogo uma bola de basquete em sua direção você não tem dificuldade em pegá-la. Em seu cérebro há um programa que calcula (prevê) e lhe informa precisamente onde ela vai estar em seguida.
Mas se eu faço o mesmo com um balão de aniversário, você não pega. Enquanto o ar escapa, ele sai ricocheteando, batendo nas paredes, no teto, no chão, num movimento de zig-zag essencialmente imprevisível. Nem o mais espetacular dos computadores consegue simulá-lo. Mais sério ainda: se eu encher o balão mais uma vez da mesma forma e jogar para você de novo, ele vai seguir outra seqüência de zigue-zagues e vai acabar parando em outro ponto completamente diferente.
O movimento do balão é tipicamente um movimento caótico. Cientistas perceberam que há vários fenômenos caóticos assim; muitos mais do que imagináramos. Coisas que não se deixam prever; sistemas em que uma perturbaçãozinha mínima no início altera completamente o que vai acontecer no fim (posso pensar que enchi o balão na segunda vez exatamente como na primeira, mas há diferenças infinitesimais, imperceptíveis, que se amplificam gerando um movimento diferente a cada vez que o balão é solto). Na prática o movimento do balão é imprevisível.
Prever o tempo é difícil porque fenômenos meteorológicos são caóticos. Uma borboleta batendo as asas em Salvador hoje, pode provocar uma tempestade em Miami semana que vem. É isso que os físicos chamam de “efeito borboleta” – uma forma de frisar figurativamente o efeito da amplificação de causas mínimas provocando efeitos catastróficos. Percebe onde estou querendo chegar? Não há nada que lhe lembre a crise da Ásia não?
Temos uma mensagem aqui: pare de tentar prever o futuro a longo prazo. Os mercados financeiros internacionais na era do mundo global se comporta caoticamente, e é impossível domar o caos a longo prazo.
Foi o computador que tornou esse tipo de insight possível. No início da década de sessenta um meteorologista – Edward Lorenz do celebrado MIT – programou um dos primeiros computadores disponíveis para a pesquisa acadêmica, para prever o tempo. Entrando, com números que representavam condições do vento e temperaturas, o computador de Lorenz dizia como o tempo (weather) iria evoluir. Como todos os cientistas até então, ele imaginava que pequenas alterações nas condições iniciais que ele fornecia ao computador iriam resultar em alterações correspondente-mente pequenas no comportamento do tempo. Mas não foi isso que ocorreu. O efeito borboleta estava à espreita.
Logo, em todos os campos da ciência, havia “efeitos borboleta” sendo descobertos. Um boatozinho lançado no mercado faz a bolsa de valores despencar. Um distúrbio mínimo nas condições circulatórias leva a um ataque cardíaco. Uma alteração minúscula na taxa de fertilidade de uma certa população de macacos provoca uma explosão demográfica.
O choque foi grande. A Física do século XIX, baseada em Newton, estabelecera uma correspondência proporcional entre causa e efeito. O pressuposto da ciência era o de que mesmo o comportamento mais complexo poderia ser reduzido à ação de algumas leis que nos permitiriam prever o comportamento da coisa pelo futuro adentro.
Pode esquecer. Nossas cabeças taylorianas/newtonianas foram moldadas a partir da falsa noção de que há sempre mecanismos precisos e universais para serem acionados quando estamos tratando qualquer problema. Só temos que descobri-los. Primeiro, como vimos, a chamada física quântica no início do século jogou por terra essa noção, quando os físicos saindo do imediato e do familiar, quiseram se aventurar pelo interior da matéria; agora – na década de sessenta – a descoberta do caos mostrava que a incerteza condiciona até o planejamento de um piquenique com a família no fim de semana. Pode chover.
Houve boas notícias também. A tal Teoria do Caos também diz: se você olhar direito será capaz de prever. Olhar direito significa: fixe-se no curto prazo.
Sim, Mas há padrões de ordem a serem descobertos no caos do mercado financeiro, ou dos sistemas meteorológicos, desde que o futuro seja daqui a algumas horas, ou talvez amanhã, mas nunca “depois de manhã”. O movimento do balão é de fato imprevisível a longo prazo, mas talvez muito treino possa fazer um adolescente – com reflexos apurados pelo videogame (ou um cão bem treinado) – agarrá-lo assim que ele é lançado. Agora, querer prever onde ele vai parar, equivale a querer saber se vai chover no mês que vem. Desista.
Físicos começaram a desenvolver ferramentas para tentar dominar o Caos a curto prazo. O computador combinando matemática com técnicas de reconhecimento de padrões, pode me dar uma certeza muito boa, ainda que não absoluta, sobre isso. É só eu não querer prever um amanhã muito distante. Essa é a origem dessa quantidade de físicos e matemáticos no mercado financeiro.
THE PREDICTION COMPANY
O caso mais notável é o de um grupo de cientista (gente da pesada) que desenvolveu certas “matemáticas” para prever – via computador – o comportamento de um sistema caótico muito interessante e altamente recompensador: roletas de cassino.
Computador é maneira de dizer. Estamos na década de setenta. Com chips rudimentares programados para simular o movimento das roletas, escondidos dentro de seus sapatos, eles foram experimentar seus modelos em Las Vegas.
O que queriam era prever uma certa região da roleta em que a bolinha mais provavelmente pararia. Definiram essa região como sendo um segmento de 1/8 da roleta toda. Seus modelos – acionados pelos dedos dos pés assim que a roleta era posta em movimento – previam o 1/8 mais provável, as apostas então eram concentradas nessa região. A turma ganhou o suficiente para superar a mera chance e ganhou também coragem para experimentar o mesmo método num lugar menos arriscado e potencialmente muito mais lucrativo: Wall Street.
Fundaram uma empresa de investimentos – The Prediction Company – para jogar na bolsa usando a mesma metodologia “vitoriosa” com as roletas. Nada da pretensão de prever exatamente, lembre-se, basta – na média – acertar mais que os outros.
A “Prediction” é apenas uma de várias empresas fundadas por físicos e gente ligada às ciências exatas, que utilizam ferramentas dessas ciências para tentar ir além da intuição pura dos investidores tradicionais. Não há nenhuma empresa importante nessa área que não use alguma forma de ferramenta desenvolvida por “cientistas malucos” para tentar extrair ordem do caos. Prever um pouquinho melhor que a média dos outros, pode significar um resultado decisivo.
O método da “Prediction” é usar o computador para identificar bolsões de ordem dentro do caos do mercado financeiro. Lembre-se de Las Vegas: a partir do zigue-zague caótico das cotações dos ativos dos mercados financeiros, seus computadores projetam futuros para as próximas horas e aí -comprando ou vendendo – eles antecipam-se aos demais investidores e apostam. É o mesmo que um investidor experiente faz na base da pura intuição, mas faz sem saber articular. Os cientistas da “Prediction” (e de outras empresas) embutiram no computador a sensibilidade do investidor competente.
AS LIÇÕES DO CAOS
A coisa tem algumas mensagens para nós executivos atrás de inspiração para mudarmos nossas cabeças:
1- É possível, sim, prever no caos, mas só no curto – curtíssimo – prazo. Vale a pena. Uma vantagem mínima nessa arte pode fazer uma diferença decisiva. No caso de situações extremas (como a da crise da Ásia por exemplo) pode ser a diferença entre viver ou morrer.
2- Desista da certeza tayloriana. Esqueça a “coisa certa”. As ferramentas do caos fazem previsões a la serviço de meteorologia: indicam o mais provável, nunca o certo.
A nova ciência incorporou a incerteza. Homens de empresa devem aprender a fazer o mesmo. A “Prediction” não quer entender as leis profundas do sobe e desce das bolsas, quer acertar 5% a mais que seus concorrentes.
Imagine dois caçadores perseguidos por um leão. Durante a fuga, um deles, sempre correndo, diminui a marcha para calçar um par de tênis que trazia na mochila. O outro pergunta: “Ei, você acha mesmo que com esses tênis vai conseguir correr mais que o leão?” E o outro: “Quem quer correr mais que o leão? Eu só preciso correr mais que você”.
O espírito da coisa é esse. Pragmaticamente é esse tipo de vantagem competitiva que todos precisamos. Os acordos que o pessoal da “Prediction” tem com seus investidores os impedem de divulgar informações muito precisas sobre seus resultados, mas parece que estão ganhando dinheiro.
3- Outra lição: a maneira que os cientistas usam para prever os padrões do futuro não é mais dividir o sistema em suas partes constituintes – a tradição reducionista que tanto influenciou Taylor e que tanto nos vicia. Eles tiveram que aprender outro enfoque baseado na dinâmica da coisa como um todo: em vez de analisar comportamentos individuais para tentar, em seguida, inferir como o efeito final aparece, eles inverteram o processo e passaram a considerar o comportamento global do sistema desde o início. Em outras palavras: o que acontece em sistemas caóticos não é simplesmente a soma de uma porção de efeitozinhos individuais. O efeito final é maior que a soma das partes isoladas.
Será que além da metáfora há algo nisso para os homens de empresa?
UMA CIÊNCIA DA COMPLEXIDADE
Quando a crise da Ásia explodiu ano passado, o primeiro ministro da Malásia – Mahathir Mohamad – deu declarações culpando o financista internacional George Soros pela confusão; logo em seguida sua ira se dirigiu “aos especuladores judeus” que estariam agindo para desestabilizar a economia de um país muçulmano (Time; 3 de novembro de 1997). Ele queria punição para todos. Não percebia que não havia nenhum agente individual que pudesse ser responsabilizado pela catástrofe. O mundo em que providências locais resolvem as grandes questões, acabou. Não é simplesmente questão de demitir um cara ou prender outro, entende leitor? Seria muito simples se fosse.
Como será que funciona essa coisa de uma coleção de agentes individuais, interagindo, acabarem produzindo um efeito que não estava no programa? Algo sugere que entender isso possa lançar luz sobre vários dos problemas das empresas hoje, desde sua organização interna até sua atuação nos mercados.
A teoria da Complexidade começa com a idéia central de que objetos simples (ou agentes) agindo de forma “egoísta”, podem produzir um comportamento coletivo elaborado e surpreendente. Surpreendente no sentido de não programado. Em 1987 um especialista em computação gráfica chamado Craig Reynolds produziu um modelo (chamado “Boids”) que simulava perfeitamente o comportamento de um bando de pássaros.
No seu programa, cada “boid” é representado por um par de asas que obedece a três regras muito simples:
a) voe na direção dos outros boids;
b) tente adaptar sua velocidade à dos outros boids perto de você;
c) evite bater em obstáculos que surjam no seu caminho.
Quando a simulação começa, os “boids” estão espalhados ao acaso, mas logo formam um bando (flock) que gira, muda de direção, inverte o sentido do movimento e reage realisticamente a obstáculos a sua frente. A tendência deles de se agruparem em bando é chamada de “comportamento emergente”. A mudança de direção do grupo de “boids” não é programada: ela surge espontaneamente quando eles interagem uns com os outros e com seu ambiente. Observando um bando de “boids” voando na tela do computador, desviando-se, mergulhando sincronizadamente, rodopiando sempre em conjunto, você jura que alguém programou o comportamento desse organismo coletivo, mas não. Cada “boid” é totalmente estúpido e apenas segue cegamente suas três regras de comportamento.
Foi também o computador que abriu aos cientistas a possibilidade de entender a dinâmica de sistemas assim: o cérebro humano, ou uma economia, uma colméia de abelhas, um bando de andorinhas. Todas essas coisas têm grupos de agentes distintos (neurônios, formigas, empresas, consumidores…) que ao exercitarem motivações individuais, acabam produzindo efeitos característicos de um algo maior. Algo que não pode ser deduzido a partir do comportamento de cada agente considerado isoladamente, mas que emerge das interações entre eles. Podemos chamar a esse efeito que “brota” assim, de comportamento do mercado caso os agentes sejam consumidores; podemos chamá-lo de “eu”, quando estamos nos referindo a esse senso de self que surge a partir do disparo de agentes individuais interconectados – neurônios em nossos cérebros – cujo efeito conjunto gera essa entidade misteriosa: o “eu”.
Todas essas coisas são exemplos do que se chama “sistemas complexos”. Seu estudo se desviou da ciência do caos e tomou vida própria. Sistemas complexos são muito mais interessantes e ricos em possibilidades para as empresas.
Se o caos tem a ver com sistemas imprevisíveis no sentido tradicional, Complexidade tem a ver com sistemas em que um comportamento coletivo altamente ordenado acaba surgindo de surpresa, como resultado da ação de cada agente que o compõe. Sistemas vivos são assim; para gerar resultados têm de aprender a desviar-se de obstáculos como os “boids” de Craig Reynolds. É essa a inteligência essencial para sua sobrevivência; ela está profundamente vinculada à sua “plasticidade”: à sua capacidade de reconhecer e reagir. Aprender. Interessante…
QUAIS AS CARACTERÍSTICAS DOS SISTEMAS QUE SE COMPORTAM ASSIM?
1- Eles se auto-gerenciam. Isto é: o resultado final é conseqüência da interação dos agentes uns com os outros, mas independe de controle central. Não há controle central. Não há neurônio mestre no cérebro.
2- Ainda que independentes, os agentes produzem bolsões de cooperação formando grupos ou comunidades que geram comportamentos sofisticados que nenhum agente individual produziria sozinho. Exemplo: no cérebro, cada neuron está conectado a milhões de outros, alguns grupos de neurons agrupados em regiões específicas do cérebro se especializam em funções como linguagem ou visão. É exatamente a interação entre neurons que produz a inteligência.
3- Sistemas complexos têm que aprender e é por isso que eles se auto-gerenciam. Todo sistema complexo aprende através de feedback com o meio exterior, incorporando em sua estrutura informações sobre seu meio ambiente. Isto é: eles se adaptam fisicamente. Se reconfiguram sozinhos, automaticamente, em função das demandas do seu meio. Perder a capacidade de reagir assim, não ser capaz de aprender, é morte certa.
É por isso que esses sistemas são chamados de adaptativos: à medida que as condições externas mudam a estrutura do sistema muda junto, automaticamente.
4- O auto gerenciamento e o aprendizado através de feedback tornam esses sistemas extremamente flexíveis. Nichos de agentes antes especializados em certas atividades desaparecem, e novos nichos são criados à medida que o ambiente muda: assim os agentes nunca ficam presos a comportamentos que foram úteis no passado, mas que ficaram obsoletos.
É isso que faz o sistema como um todo se adaptar à mudança. Pode olhar ao redor: de um óvulo fecundado que evolui para um feto que evolui para um ser adulto, aos consumidores que formam mercados que formam economias, há sistemas adaptativos complexos por toda parte.
Entender os mecanismos que produzem esse tipo de ordem global tão espetacular a partir da simplicidade de ações individuais, é um dos grandes temas da ciência no fim do século XX.
NOVOS SABORES PARA UMA NOVA EMPRESA
David Freeman – um escritor especializado em ciência – escreveu na Harvard Business Review de Nov-Dez de 1994: “Em geral, os sistemas adaptativos complexos que encontramos na natureza são constituídos por agentes individuais que se ligam em rede para gerar comportamento auto gerenciado (self-managed) mas altamente organizado. Respondem a feedbacks do ambiente e ajustam seu comportamento em correspondência. Aprendem com a experiência e embutem o aprendizado em sua própria estrutura tirando partido da especialização sem ficar presos a qualquer tipo de rigidez.”
Parece bom demais par ser verdade, concorda leitor? Freeman prossegue: “Se essas características soam familiares é porque elas se ajustam muito bem ao tipo de organização que muitos managers estão batalhando para criar a fim de poderem levar em conta ambientes de negócio incertos – e freqüentemente caóticos”.
Não quero abusar da paciência dos leitores (nem dos editores) da Exame, mas se você for investigar de uns dois anos para cá, vai perceber que nada disso é coisa de “cientista maluco”. Vai ver que grandes empresas como a General Motors, O Citicorp, O Swiss Bank, a Deere & Co, estão usando ferramentas baseadas na Teoria da Complexidade em alguns de seus processos gerenciais (Não, nenhuma atingiu o status de metodologia revolucionária, graças a Deus. Os novos tempos desmoralizam todas elas).
Vai ouvir falar no Santa Fé Institute – no Novo México (EUA) – onde um grupo de cientistas de várias disciplinas (vários prêmios Nobel), se dedica à Complexidade e já chega a resultados incríveis com a simulação dos mais diversos sistemas. Inclusive transações econômicas – mercados – de uma maneira análoga ao que Lorenz fez com sistemas meteorológicos há mais de trinta anos. Seu objetivo é modelar comportamentos de mercado fazendo-os emergir a partir da interação de consumidores que se comportam individualmente segundo uma lógica simples.
A proposta é chegar a simular um sistema econômico completo. “Em vez de estudar a economia como uma máquina newtoniana, eles a vêem como algo orgânico, adaptativo, surpreendente e vivo”, nas palavras de Mitchel Waldrop, autor de um livro obrigatório para quem quer entender a nova ciência da Complexidade.
Um modelo assim preveria probabilidades de “booms” e “crashes” nos mercados financeiros, poderia simular os efeitos de decisões governamentais, ou indicar conseqüências de mudanças no comportamento dos consumidores. Seriam como “simuladores de vôo” para a tomada de decisões econômicas.
Procure que você vai encontrar trabalhos acadêmicos sobre temas empresariais: teses de doutorado, um crescente envolvimento de acadêmicos de várias especialidades nessas questões de performance empresarial, tudo fora das management schools tradicionais. Vai encontrar centenas de referências na Internet. Vai se surpreender com novas práticas para prever, planejar (que disso não podemos fugir), mas prever com base nessa nova ciência” que delineei, uma ciência que como ponto de partida não luta contra a incerteza, ao contrário, assume-a. Uma ciência que celebra a surpresa.
Um dia, talvez, seja de fato possível simular o comportamento de empresas em ambientes altamente competitivos, a partir do comportamento auto gerenciado (self organizing) de empregados individuais e dos fatores ambientais aos quais eles se adaptam. Os primeiros resultados são encorajadores. Talvez num futuro um pouco mais distante vejamos a dinâmica dos sistemas adaptativos complexos não como mais um modismo qualquer, mas como o núcleo – vá lá – de um novo paradigma (arghhh de novo…) para o pensamento empresarial.
A metáfora da máquina e a linguagem do controle, por deixarem de dar resultado, estão morrendo nas empresas e na vida.
Hoje nós, managers, muitas vezes nos vemos prisioneiros dos sistemas que temos de gerenciar. Não entendemos a dinâmica que atua nas suas entranhas e vivemos ainda presos à ilusão das respostas mágicas (incluindo o apelo a matemáticos, ou físicos). Não sabemos muitas vezes o que fazer para atingir os objetivos da empresa.Tendemos a nos alimentar de ilusão (lembre-se do primeiro ministro…).
Para entendermos nossos maiores desafios gerencias temos que aprender a ver o todo; é o todo que gera cada efeito particular, não o contrário. As empresas (não só as economias) de alguma forma vão ter que ser vistas como organismos vivos, e o caráter dos organismos vivos depende do todo.
Não me pergunte como vai ser isso; não sei. Mas como já disse, se tivesse de apostar, apostaria na ciência – na nova ciência.
Em todos os níveis o quadro mental do administrador hoje está sendo desafiado. As competências básicas todo mundo tem, mas elas se referem a uma paisagem que não existe mais.
A necessidade de aprender e se adaptar nesse nível quase biológico tem produzido já algumas novas idéias e ferramentas para a prática da administração. A Harvard Business Review de Nov-Dez 97 traz um artigo chamado Strategy Under Uncertainty; nosso tema aqui. No final os autores dizem que para poder analisar futuros que envolvam altos níveis de incertezas, muitas empresas vão ter que complementar sua caixa de ferramentas habitual – aquelas que davam certo em cenários simples. Dentre as novas ferramentas que eles sugerem para começar está o trabalho de um dos papas da Complexidade – John Casti, do Instituto de Santa Fé (nada de preconceito contra Paulo Coelho em Davos, portanto. Está mesmo na hora de sair do convencional).
O instinto de planejar – construir futuros dentro de nossas cabeças – nos torna distintivamente humanos. O sucesso que tivemos no exercício dessa arte até aqui nos deu a ilusão de que seria sempre possível domarmos o futuro extrapolando linearmente a partir do presente, mas isso só é verdade para futuros simples e não existem mais futuros simples. Já que é impossível prever com exatidão, a idéia deve ser: esteja preparado para qualquer futuro. Para isso, só há uma saída: estar permanentemente, continuamente, em adaptação.
O novo tipo de abordagem que buscamos para a empresa será ligado mais organicamente à idéia de aprender e reagir: adaptar-se. Creio que as empresas podem lucrar muito se elas se inspirarem nas novas narrativas que estão surgindo fora dos tradicionais nichos de consultorias e gurus. Isso se levarem a sério o processo de aprender como algo que transcende o mero treinamento formal de sala de aula (aliás, nada tem a ver com e ele); se mexerem em suas cabeças e passarem a aceitar a incerteza inerente ao jogo do futuro. Se entenderem e se apaixonarem pela estimulante verdade de que o passado passou. A stasis do passado não voltará.
O mundo da empresa está à espera de um novo tipo de líder. A articulação dos contextos para a ação nesse novo mundo depende de novos visionários capazes de exercitar o tipo de criatividade que não só a “nova ciência”, mas outras manifestações culturais estão nos apontando.
Já dá para vislumbrar caminhos por onde a empresa vai ter que passar. Não tenho a menor dúvida de que o novo executivo vai ter, sim, de ser sensível a outras disciplinas. Vai ter que ser especialista em ser humano, pois é da interação entre muitas “humanidades” individuais que vai emergir a empresa. Para isso tudo aposto nos insights e nas ferramentas da ciência. Aposto na integração de disciplinas que tradicionalmente eram praticadas isoladamente em seus escaninhos, algumas totalmente estranhas ao mundo empresarial até agora. A nova praxis empresarial vai brotar dessa interconexão.
As empresas vão precisar de outro tipo de executivo porque o mundo vai exigir outro tipo de gente. O amanhã não é uma situação; não é uma meta a ser atingida. É um processo, uma caminhada. Chegar lá significa manter-se vivo enquanto ele vai se instaurando. É caminhar em sintonia com ele.
Não depende de nenhuma nova disciplina que você tenha de aprender, ao contrário, depende só de sua predisposição para desaprender, se é que você me entende.
Comece a andar. Todos os postos do amanhã estão vagos. Candidate-se.
*Artigo publicado na revista Exame de 03/1998.