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O escândalo da variabilidade dos desfechos em saúde

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Nos anos 1980, três grandes ecossistemas de produção de automóveis dominavam o mercado global- GM , FORD e CHRYSLER. Suas cadeias de fornecedores eram uma barafunda de interesses conflitantes, desconfianças, ódios reprimidos e destruição de valor. Qualidade ruim, preços altos e crescentes. A qualidade era ruim by design; a ineficiência estava embutida no sistema.

Lembra algum sistema de prestação de serviços que você conheça, leitor?

Então, outra mentalidade de “produção” começou a furar a casca da mediocridade existente. Veio do Japão. Enquanto as 3 grandes precisavam de 2500 fornecedores para montar um carro ruim e caro, a Toyota fazia um melhor e mais barato com 300 fornecedores.

O segredo do famoso sistema Toyota de produção?
Redução de variabilidade “na saída”, via padronização de tudo o que pode ser padronizado.
Toyota não é sobre carros. É sobre como treinar gente para produzir outputs com variabilidade “zero”.

A mentalidade dominante até então era: “variações são naturais em fabricação de automóveis. É da natureza do produto, algo intrínseco à sua produção. Defeitos nos carros que saem das linhas de montagem devem ser aceitos porque são naturais”.

Essa mentalidade é a mesma que existe em saúde: “Variação é natural em saúde. Faz parte de sua prática. Cada cliente é único..blá..blá..blá”.

 

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Veja a catástrofe que esse tipo de mentalidade acarreta em saúde no mundo inteiro. Não quero nem pensar no que ocorre no Brasil.

 

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Diferenças de custo e qualidade podem variar de 400% A 3600% mundo a fora. É uma coisa medieval.

A solução para a saúde é a mesma que dá certo em todos os outros setores. Defina padrões em função do que o cliente final demanda, e monte seus “processos de produção” de forma a garantir que eles sejam entregues com o mínimo de variação possível.

Value Based Health Care enfatiza a produção de desfechos que o cliente demanda para certa doença ou condição (ex:câncer de cólon) , ou para grupos que têm risco semelhante (ex:idosos multimórbidos). Com o tempo, o mercado vai escolher os fornecedores que entregam os melhores desfechos pelos menores custos. Redução de custos e melhoria da qualidade para o usuário. Sistema Toyota de produção em saúde.

A Toyota contestou a mentalidade que imperava. “Se há defeitos, há causas. Elimine as causas e você elimina os efeitos”. Vale em saúde?
Só vale. É exatamente a mesma coisa.

Abaixo está o livro q recomendo quando me pedem orientação para entender gestão da saúde. Não façam MBA antes de lê-lo. Talvez nem precisem fazer depois. “A máquina que mudou o mundo” não é sobre carros, é sobre a produção de qualquer coisa centrada em VALOR PARA O USUÁRIO. Foram as práticas descritas neste livro que detonaram a mentalidade estabelecida na indústria automobilística. Exatamente o mesmo que será necessário em saúde.

 

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VALOR PARA O USUÁRIO é criado pelas mesmas práticas em qualquer setor! Elas são sempre baseadas em desfechos (requisitos de usuários).

Serão nessas práticas que as orquestradoras de saúde terão de ser boas (veja meu post AQUI ). Essas orquestradoras também virão de fora do sistema, como a Toyota veio, e vão dominar a saúde se as guildas do establishment médico não atrapalharem.

PS: Por favor, não me enviem mensagens dizendo que “saúde é diferente de carro”. Conheço esses argumentos e são todos indigentes. Poupem meu inbox, queridos leitores!

É um escândalo que não haja um movimento coordenado em busca da redução da variabilidade em desfechos em saúde. Não quero provocar ninguém, não quero ser desrespeitoso, não digam que eu “não gosto de médicos”, não argumentem (please!!) que “engenheiro tem que se limitar à engenharia” …

Doutores, o não enfrentamento do escândalo da variabilidade em desfechos por parte do establishment médico, é inaceitável. É perverso. É desleixo. É covardia. É anti-medicina e anti-saúde.

Como não se atacam as causas da variabilidade nos desfechos em saúde, morre mais gente do que precisaria morrer.

Será que os estudantes de medicina sabem dessa aberração? Eles deveriam estar estudando saídas para isso antes de estarem formados, mas certamente nem sabem do problema. Serão bons médicos que acham que a natureza de sua profissão exige variabilidade.

Não faltam bons médicos, falta engenharia na prestação do serviço médico.
Algum MBA em saúde desses, está fazendo tese sobre “Eliminação de variações em desfechos de sistemas de saúde”?
Duvido.
Os conselhos médicos pensam algo a respeito?
Talvez achem que variação é “íntrinseca à medicina”, que é “assim mesmo”, que “medicina não é carro nem hamburguer”..blá..blá..blá.

Se um engenheiro fosse confrontado com níveis de “variação na saída” como os que existem em saúde, e lhe dissessem que “engenharia é assim mesmo”, ele entraria em depressão . Não levantaria da cama de manhã. Se conseguisse sair de casa, sentaria no meio fio e passaria o dia chorando “lágrimas de esguicho” (como diria Nelson Rodrigues), envolto em densas brumas de inconformismo e desolação.

Em 2012, Atul Gawande, um cirurgião famoso por defender a adoção em medicina de praticas redutoras de variabilidade (checklists, por exemplo), escreveu um ensaio que se inspirava na “CheeseCake Factory”- uma cadeia de restaurantes cuja operação é hiper padronizada- para propor práticas que evitassem a variabilidade em outputs médicos.

Leia: Big Med -Restaurant chains have managed to combine quality control, cost control, and innovation. Can health care?

Gawande foi atacado duramente. Um neurocirurgião publicou um artigo dizendo que “variabilidade em medicina é bom”- In defense of variation: A neurosurgeon takes on Atul Gawande. Uma coisa patética.

Mas Gawande está certo e o cara do artigo está errado.

A saúde caminha rápido para um novo paradigma de produção e remuneração- um novo paradigma baseado em valor. Toyota, McDonald’s, CheeseCake Factory têm algo a ensinar.

 

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