Innovatrix

Nem tudo que é novo INOVA

Há pouco tempo, recebi uma consulta de um estudante para um trabalho sobre inovação. ”Não consigo me situar”, dizia. Ele tinha buscado as melhores fontes, mas ficara confuso. Em dois bons livros recentes – bem pesquisados, elogiados, escritos por autores sérios – encontrara conselhos opostos.Um recomenda a destruição criativa (Destruição Criativa, de R. Foster e S. Kaplan, editado pela Campus). Para crescer, diz o livro, você tem de se reinventar sempre, fechando alguns negócios, abrindo outros, experimentando modelos alternativos.O outro livro diz que você tem de ficar naquilo que já faz sem se distrair em aventuras (Lucro a Partir do Core Business, de C.Zook e J.Allen, também da Campus).

Estudantes de administração sofrem um bocado. Dizem que é a profissão do futuro, mas eles não têm idéia do que vão fazer depois de formados. Se estudassem engenharia iriam construir pontes, se fosse medicina iriam curar doentes, mas gestão? Gestão é sempre sobre inovar. No passado era sobre supervisionar, mas ninguém precisa mais de supervisores. Inovação é produzir dinheiro novo por meio de alguma coisa, ou arranjo, que antes não era usada. Se não cria valor não é inovação, é apenas novidade, e novidade é irrelevante em negócios. Novidade que destrói valor, além de não ser inovação, é demissão certa.Veja uma: um hormônio que aumenta a produção de leite em 20%. Os primeiros produtores a adotá-lo ganharam mais, mas, à medida que muitos adotavam a “inovação”, a oferta excessiva fez o preço do leite despencar. Criação destrutiva, certo? Há vários tipos de inovação. Invenção é um deles: George Eastman e a câmera popular; Steven Jobs e o PC feito na garagem etc. Essas histórias são bacanas, mas são sobre personalidades fora da média. Nós, que somos “médios”, temos de ter uma disciplina para gerenciar a inovação. Algo que possa ser estudado como se estuda medicina, engenharia, direito… Gestão (inovação) tem de ser como medicina: discernir “o melhor tratamento” com base nas circunstâncias e agir.

Quando uma empresa lança um produto ou processo que a faz ganhar mais dinheiro operando da maneira como já estava estruturada para ganhar dinheiro, ela está inovando. Por exemplo: caixas eletrônicos reforçaram as margens históricas dos bancos, não revolucionaram o negócio. A Internet reforçou a maneira pela qual a Dell já estava estruturada (vendendo sem intermediários, por telefone). Empresas estabelecidas, em geral, são boas apenas nesse tipo de inovação (ignição eletrônica, airbag, freio ABS…). Inovação que preserva as margens históricas vem quase sempre de quem já está no setor. Kodak e IBM, de olho nas margens, tentaram um dia entrar em copiadoras grandes, mas levaram um “chega pra lá” da Xerox.

E as inovações que geram margens mais baixas que as dos produtos existentes? Bem, essas não são atraentes para os estabelecidos precisamente por isso. Essas inovações entram no mercado “por baixo”: têm desempenhos inferiores ao que existe, são mais baratas e têm apelo a dois tipos de público – ou é gente que nunca usou o produto estabelecido, por considerá-lo caro ou inacessível de alguma forma, ou é gente que usava por não ter opção. Estavam “superservidos” pelo produto existente. Clientes menos exigentes ficam felicíssimos em migrar para um produto que “entra por baixo” quando ele atinge seus requisitos mínimos de qualidade. Isso sempre acontece. E pior (para os estabelecidos): a melhoria progressiva de desempenho dos entrantes os leva, com o tempo, a atrair até clientes mais exigentes das estabelecidas, liquidando-as às vezes. É a síndrome de Caetano Velloso: “…a força da grana que ergue e destrói coisas belas”. O PC entrou “por baixo” e praticamente acabou com os minicomputadores, continuou a evoluir e atacou os computadores grandes (mainframes). A Southwest Airlines entrou “por baixo” e evoluiu até ficar atraente para os clientes das estabelecidas.O mesmo pode vir a acontecer com a nossa GOL. Foi assim que as mini-usinas siderúrgicas (Nucor e outras), usando tecnologia rudimentar, começaram produzindo só vergalhões (baixa qualidade e baixa margem) e não foram molestadas porque as US Steel da vida não tinham interesse nesse segmento. Pouco a pouco foram produzindo barras anguladas, chapas, aços especiais até encurralarem as grandes que estão hoje à beira do precipício.

Empresas estabelecidas só inovam para sustentar ou aumentar sua margem histórica. Nunca lhes faltam talento, tecnologia ou dinheiro. Geralmente têm essas coisas de sobra. O que não têm é apetite para correr o risco de tornar o acionista mais pobre com inovações de margem mais baixa. Foi por isso que a IBM perdeu a liderança em PCs – não conseguiu conciliar os processos estabelecidos para comercializar mainframes (caros e com margens de mais de 60%) com processos para PCs (baratos e margens de 20 a 30%). Canon e Ricoh com suas pequenas copiadoras de mesa de margem baixa fizeram a poderosa Xerox sangrar (IBM e Kodak não conseguiram, lembra?). As motos Honda idem com as Harley-Davidson. Rádios e TVs transistorizados Sony acabaram com os modelos de mesa da RCA a válvula (de quebra, acabaram com a própria RCA).

Inovação atua em processos também. A Dell, capturando o valor que ia para os intermediários, inovou em outro elo da cadeia, não no produto. Outra regra útil diz: enquanto seu produto não é “bom o suficiente” você tem de melhorar o desempenho dele, e para isso tem de controlar toda a arquitetura de sua produção (componentes, sistemas). Mas quando ele fica mais do que “bom o suficiente”, a inovação não pode mais vir do produto em si. Aí você pode (deve)“abrir” a arquitetura. O dinheiro grosso migra para quem fornece módulos ou subsistemas do produto (pense Intel, Windows…), ou para quem inova em outros elos da cadeia de valor (pense Dell) oferecendo mais conveniência. A indústria automobilística está assim. O dinheiro foge das montadoras e vai para fornecedores de subsistemas (freio, suspensão, direção…). É que os carros ficaram mais que “bons o suficiente”.GM e Ford montam negócios independentes em componentes e partem em busca de canais de venda novos e processos de customização à maneira da Dell. Se a Apple soubesse da regra do “bom o suficiente”, teria aberto logo a arquitetura de seu Macintosh. Há muito o dinheiro não está mais lá.

Schincariol X Ambev. O mercado disse à Nova Schin : “Experimentei e gostei.Você é boa o suficiente”. E agora? Tudo o mais sendo igual, vai ganhar quem tiver a melhor distribuição. Logística. A Schincariol tem de expandir a produção (para ter escala, custo mais baixo e preço competitivo) e tem de ter distribuição (= entrega = logística + relacionamento com varejo). É aí que é o jogo agora.O valor para a Schin saiu do elo produto (bem resolvido pela comunicação) e passou para o elo “entrega” de cadeia de valor.

Em meados da década de 90, a Amil Assistência Médica notou um mercado grande a que não atendia. Gente que a considerava mais que “boa o suficiente” (cara). Criou outra empresa – a DIX – focada nesse segmento. Outra estrutura de custos, outro nome, outra administração, outro endereço. É o que uma empresa estabelecida deve fazer quando quer entrar num mercado de margem mais baixa: criar outra empresa. Aperfeiçoando suas operações gradualmente, a DIX começou a ficar atraente para consumidores mais exigentes. Exatamente o mesmo que ocorreu com a Sowthwest Airlines, com as mini-siderúrgicas, com os rádios e TVs transistorizados… Pode apostar: a Dix vai “sugar” clientes que se consideram superservidos pelas estabelecidas – os da Amil inclusive. As estabelecidas vão ter de reagir buscando valor em outros elos da cadeia (venda/entrega).

Se há uma empresa brasileira que fala a língua das classes C, D, E (onde estão as grandes chances de “entrar por baixo”) é o Grupo Silvio Santos. Uma boa para ele seria integrar suas inegáveis competências em logística (Baú da Felicidade = entrega), em comunicação (rede SBT) e em financiamento (banco PanAmericano) para criar uma plataforma e vender qualquer coisa a essas classes.Tremenda inovação. A questão-chave para a gestão seria: como se organizar para isso? Faço com gente de dentro ou contrato fora? Os processos existentes no grupo sustentariam uma iniciativa dessas? Gerenciar a inovação para eles começaria com a resposta a essas perguntas com base nas circunstâncias específicas do Grupo Silvio Santos.Teriam de chegar ao “diagnóstico”, como em medicina.

Muitas inovações não dão certo porque são incompatíveis com os processos da empresa. Não funcionam lá mas podem funcionar fora. O famosíssimo Palo Alto Research Center, da Xerox, criou dezenas de produtos que tornaram milionárias outras empresas. Nessas outras sim, viraram inovações. Na Xerox foram apenas novidades.

E O INVENTO LEVOU…
Há inúmeras histórias de gente que criou, mas não aproveitou.

Veja três casos:

BIC OU BIRO? Bic é sinônimo de caneta esferográfica em grande parte do mundo – mas, se o nome tivesse relação com os inventores, o correto seria chamá-la Biro. A idéia de uma caneta com uma esfera na ponta foi de um húngaro refugiado na Argentina, Laszlo Biro. Apesar do sucesso inicial, o produto ainda tinha falhas de design e sofria com cópias generalizadas. Só 12 anos depois, quando o francês Marcel Bich comprou a patente de Biro e criou a caneta Bic, o produto se tornou um fenômeno de vendas.

ALTO LÁ Muito antes do Macintosh e de a IBM criar o termo PC, o primeiro computador pessoal já existia no laboratório Parc, da Xerox. Idealizado por Butler Lampson, o Alto já embutia conceitos que até hoje rendem fortunas para empresas como Microsoft e Apple: a idéia de uma área de trabalho (desktop), o mouse com dois botões e a interface gráfica. O Alto nunca se tornou um bom negócio para a Xerox. Seu sucessor, batizado de 8010, serviu de inspiração para Steve Jobs e Steve Wozniak criarem o Macintosh, o primeiro computador pessoal a ter sucesso comercial.

BETAMAX O sistema de videocassetes criado pela Soxy tinha tudo para ser um sucesso: as fitas eram pequenas, a qualidade da imagem, melhor. Apesar disso, o formato Betamax nunca chegou a vingar no uso doméstico, e o concorrente VHS tornou-se padrão. Um dos motivos apontados para o fracasso do Betamax é que as fitas tinham menos temp de gravação que a VHS. Mas uma explicação mais razoável é que a Sony se recusou a permitir que outros fabricantes licenciassem o formato, e acabou como a única fornecedora de fitas e videocassetes Betamax.

Este box apareceu no corpo de minha matéria na Exame, mas não foi escrito por mim – Clemente.

* Artigo publicado na Revista EXAME – Edição 812 – 03/03/2004 – Pgs. 87/89.

As idéias deste artigo são baseadas no trabalho de Clayton Christensen, da Unversidade Harvard.

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