Ford, GM, Toyota e Casas Bahia – Inovação e gestão da inteligência
Falam muito em “gestão da inteligência”, mas o tema é uma confusão só. Deixemos a história explicar por que. Veja a indústria automobilística. O gênio de Henry Ford foi mostrar que o automóvel podia ser um produto de massa, e um elemento centralíssimo na sua estratégia eram operários burros,mas bem pagos (desculpe, era isso mesmo). Linhas de montagem eram tarefas repetitivas, especificadas de modo a não haver a menor necessidade de pensar, só executar. “Um homem posiciona o parafuso, outro coloca a porca, um terceiro aperta“. A Ford produzia as partes do modelo T, fabricava seu aço, vidro e pneus (tinha seringais na Amazônia), era dona da estrada de ferro que trazia matéria prima e levava os carros prontos. “A gestão soy jo“, dizia Ford. Brilhante por 20 anos perdeu para o General Motors. Na GM de Alfred Sloan divisões autônomas decidiam sobre produção e comercialização de vários tipos de carros. O staff central não se metia no dia-a-dia delas, só auditava as divisões, planejava e coordenava a estratégia global. Sloan baixou um conjunto de “procedimentos padrão” para garantir um mínimo de uniformização, e isso era só o que controlava: designs, revendedores, informação de mercado, operação de fábricas, compra de peças e insumos. Repare: tinha de haver algum “engessamento” (procedimentos padrão), mas a GM era muito mais flexível do que a Ford. Com Sloan a inteligência migrou mais para a ponta. A GM brilhou por 70 anos, até que chegou a Toyota com outro nível de “engessamento”. Na Toyota, todas as atividade de produção são especificadas. Ao mesmo tempo, as operações são totalmente flexíveis na resposta às demandas do mercado. A flexibilidade é “engenheirada” no sistema. Quando especifica um processo, a Toyota está formulando uma hipótese sobre o mercado, que é testada nas linhas de produção. Os operários são treinados para a experimentação constante. É a resposta contínua a problemas novos, que faz o sistema, aparentemente rígido, ser tão flexível. Os operários não são especialmente “sofisticados”, são treinados para trabalhar assim. Fico pensando na Casas Bahia: o sucesso dessa estupenda inovação brasileira está ligado à competência na concessão de crédito para gente pobre. Vendedores avaliam informalmente (“no papo”) a validade de se dar crédito à certa “dona Maria” (tipicamente: uma empregada doméstica, sem CPF, sem conta em banco, sem comprovação de renda). Fazer um esquema assim funcionar em larga escala é inédito. A Casas Bahia fez. Mas, acabo de ler que a inadimplência está hoje em cerca de 10%, o dobro de 3-4 anos atrás. Potencialmente é sério. Não estaria na hora de engessar um pouquinho o processo de concessão de crédito? Produtos de massa (crédito, neste caso) exigem sempre algum engessamento na ponta. Descobrir o grau certo desse engessamento é o talento que o gestor tem que ter, e é isso o que define como devem ser as práticas da gestão da inteligência numa empresa. Explico melhor na coluna de agosto.
* Artigo publicado na Revista Época Negócios – Nº 17 – Julho 2008 – Coluna INOVAÇÃO.
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