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Enquanto isso, no Brasil… (o mal e a cura)

Temperos brasileiros dão sabores especiais aos pratos que Jagdish Sheth serve em seu livro. Arrogância e negação? Mappin e Mesbla na cabeça. Miopia? Acomodação? As 20 maiores redes varejistas de São Paulo, em 1965, sumiram. Por quê? Confiança excessiva em uma competência? Digite “Metal Leve” no Google. Brigas por território? Silos de poder? Matarazzo, Bombril, Casas Pernambucanas, Unipar (em andamento).

Corta para Golden Cross anos 80, auge de sua pujança. Obsessão por volume é isso aí. Uma máquina de vender. Inventou um esquema de distribuição em que multidões de vendedores ligados a diferentes estruturas, ficavam, a cada ano, com mais da metade da receita gerada por usuário conquistado. Um custo brutal que se somava a outros enormes. Uma conta honesta não fecharia. Quando a inflação acabou, acabou junto a ilusão de que a empresa gerava valor. Hoje, deve ter uns 10% dos clientes que um dia teve.

Quase todas as derrocadas brasileiras têm a ver com egos enormes, empresas inchadas, hiper-endividadas, dependentes de favores especiais e cheias de brigas territoriais. Apesar da pose, nunca se provaram como boas empresas, pois não havia competição decente. Havia sim, até 1991, um tal Conselho Interministerial de Preços (CIP) que analisava pedidos de aumentos feitos por empresas e fabricantes. Para que se preocupar com competitividade? Talento era convencer o CIP de que seu produto “merecia” um preço maior. Viviam-se épocas em que alguns se achavam detentores de uma esperteza que resolveria tudo, ou portadores de um mandato divino para continuar a existir, mesmo em meio a uma falta de “higiene empresarial” inacreditável (Varig).

Vigarice pura e simples também é parte do molho, claro (Banco Nacional; Banco Econômico). Quem não lembra da Encol? Um dia, a maior construtora de prédios residenciais do Brasil desmoronou ruidosamente após denúncias. Em 100% dos casos, há embates típicos da ausência de boa governança, entre familiares e/ou controladores. A Bombril, coitada, ainda não se recuperou disso. A Casas Pernambucanas tinha, em 1970, a maior rede de lojas do Brasil. Morto o fundador, os herdeiros começaram a brigar e a rede entrou em decadência.

Caso diferente é o da Metal Leve, que não agüentou o tranco da competição pós abertura dos anos 90 e foi vendida para o grupo alemão Mahler. Excelência técnica não bastou. A Metal Leve está no rol das que desceram ao inferno sem pecado mortal. Era tão boa tecnicamente que logo depois estava de novo no topo.

A maioria dos pecados brasileiros que citei foi “pré-capitalista”. Agora, feita a faxina, serão cometidos erros mais interessantes, como os do livro. Faz parte, mas daria para evitá-los?

A CURA

Por que empresas boas têm de cometer erros, às vezes fatais? Um psicólogo chamado Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia em 2002, matou a charada: não têm. Cometem por falhas previsíveis e conhecidas nos processos de decisão. Até aí é o que Jagdish Sheth diz, mas Kahneman vai adiante: essas falhas são originadas em viéses programados em todos; mesmo nos decisores mais capazes, preparados, e inteligentes. Exemplo: agir como se o sucesso de ontem garantisse o sucesso eterno. Kahneman chama isso de “viés do otimismo exagerado” (arrogância?). Quando decidiu operar nos EUA, a Amil Assistência Médica (onde, na época, eu participava de certas decisões), quis reproduzir lá pressupostos daqui. Preciso dizer o que aconteceu?

Kahneman fez experimentos que mostraram o seguinte: não adianta dizer “não seja superficial / complacente / arrogante / míope / acomodado”. Ser superficial é parte da natureza humana. Ofereça a um grupo de turistas um seguro que paga um milhão em caso de morte por qualquer razão durante a viajem. Depois, ofereça pelo mesmo preço, outro seguro que paga um milhão por morte apenas por atentados terroristas. Apesar de o segundo caso estar contido no primeiro, o segundo vende muito mais. Bobagens assim independem do nível intelectual da pessoa. Einstein não escaparia.

Após ganhar o Nobel, Kahneman passou a ser requisitado por grandes corporações. Se as empresas vivem ou morrem dependendo da qualidade das decisões que tomam, deveriam ter um processo bem estruturado para examinarem, checarem e aprimorarem essas decisões, certo? Deveriam, mas não têm. E, segundo Kahneman, não têm porque optam por não ter, apesar de saberem, racionalmente, que deveriam ter. Que coisa, hein!

Se me pedissem para apontar um conjunto de idéias realmente relevante para as empresas, surgido nos últimos tempos, eu não teria dúvida: Daniel Kahneman é o cara. Colocou ciência (não especulação, não achismo, não bobajada politicamente correta) no estudo do comportamento em situações de risco (tudo a ver com o que acontece nas reuniões de diretoria). Mediu coisas, fez experimentos exaustivos e concluiu: somos superficiais by design.

Somos descendentes de antepassados que só sobreviveram porque avaliavam riscos sem rigor. Quando um vulto estranho se aproximava da caverna em que dormiam, nossos “avós” saíam correndo, não ficavam teorizando sobre as probabilidades daquilo realmente ser um tigre. Os que teorizavam, iam sendo dizimados. Os tigres, volta e meia, eram reais o suficiente para devorarem os “pensadores rigorosos”. Com o tempo, os genes dos “rigorosos na avaliação de seus riscos” foram sendo eliminados da população dos humanos. Sobramos nós, assim, superficiais, cheios de “defeitos de fabricação”. A regra prática que se revelou utilíssima para a sobrevivência da espécie humana foi: “se lembrar vagamente um tigre, saia correndo”.

Grupos também têm viéses. É impressionante como um líder “forte” induz todo mundo a concordar com ele, gerando em cada um a ilusão de que suas posições são independentes e livres (viés do pensamento de grupo – groupthink bias). E lá vem mais um investimento duvidoso, mais uma compra sem lógica, mais um produto sem pé nem cabeça, mais uma filial em lugar errado, mais um aumento suicida na comissão dos vendedores.

Kahneman está frustrado com as empresas. Coitado, ele é originário do meio acadêmico e não conhecia a “turma”. Recomenda enfaticamente que tanto indivíduos como grupos estabeleçam mecanismos para examinar como suas decisões são tomadas. Não tentar eliminar seus viéses, contorná-los. Essa é a cura. Seja sincero, leitor: qual a chance de uma recomendação dessas ser seguida nesse mundo cheio de egos vulcânicos, vaidades cósmicas, heróis corporativos e outras baboseiras? Nenhuma chance, pois isso implicaria em reconhecer os viéses, em primeiro lugar. Ele lamenta: “… o que é mais estarrecedor é quão raramente as pessoas mudam de opinião. Não ficam conscientes de que mudam de opinião, mesmo quando mudam de opinião. Grande parte das pessoas, após terem mudado, reconstroem sua opinião anterior; acreditam que sempre pensaram como pensam agora. Além disso, quando uma pessoa é convencida de alguma coisa, ela passa a achar que sempre pensou daquele jeito.”

Isso é bom demais, não é não? Mais sutil ainda: “… ao lembrar de alguma bobagem que fizeram, as pessoas podem até admitir o erro, mas isso não significa que passam a ser capazes de evitar aquele erro [ ]; nossas pesquisas não dizem que executivos, tomadores de decisão, não possam ou não queiram ser racionais. Elas dizem que mesmo gente treinada para ser racional e fria, não age assim, mesmo sabendo que deveria agir. Se eu tenho um conselho às empresas, é que dediquem algum tempo para estudar seus processos de decisão e erros. Registrem-nos para aprender com eles. Isso não acontece hoje.”

Quer evitar que sua empresa decida errado? Aí está. Boa sorte.

* Artigo publicado na Revista Época Negócios – Nº 10 – Dezembro 2007 – P. 68-69.

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