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Em busca de otários

“Os managers têm de aprender a conhecer a linguagem; a entender o que as palavras são e o que elas significam. Talvez, mais importante de tudo, eles têm de adquirir respeito pela linguagem como o nosso dom e herança mais importante.”

Peter Drucker, The Practice of Management (1954).

Por que é tão difícil formar gente competente em administração? Aliás, qual é mesmo a essência dessa nossa profissão?

Dizem que é “obter resultados através de pessoas”, mas definir administração assim equivale a dizer que, para ficar rico, basta acertar na loteria. Ótimo, mas como é que se faz?

Um bom cirurgião tem de dominar um conjunto de técnicas, além de informações. Um bom advogado idem. A formação deles os prepara para isso. Seu treinamento é – em larga medida – de adestramento específico.

Administração é diferente, e por isso nenhum curso, nenhuma técnica prepara ninguém para esse ofício.

Ao perguntar o que fazer para formar gente competente, você faz a pergunta errada.

Antes é preciso entender outras coisas…

Chame como quiser: administrador, manager, executivo… essa nossa profissão é muito estranha.

Há nela algo que sempre me fascinou: o tema principal na literatura especializada em management é a busca permanente da definição do que é administrar.

É a única profissão que passa o tempo todo tentando entender o que ela própria é.

A Harvard Business Review de Setembro/Outubro de 1997 traz um levantamento das “Práticas e Idéias” relevantes em administração surgidas nos últimos 75 anos. Está lá: dos 14 livros-chave publicados entre 1922 e 199, a enorme maioria trata, de uma forma ou outra, de definir e tentar entender a natureza do management, não de técnicas ou disciplinas a serem aplicadas no dia-a-dia pelo manager.

Como podemos chamar de profissão uma atividade em que não conseguimos sequer especificar o que se deve aprender?

Entrei tarde nesse mundo.

Tinha 36 anos quando – vitimado pelos desacertos do programa nuclear Brasil/Alemanha – abandonei uma carreira de físico profissional para tentar melhor sorte nele.

Vivi vários ciclos de insegurança, permanentemente desanimado com o que sempre considerei uma ausência quase total de idéias sólidas que guiassem os praticantes desse ofício.

No início desconfiava a la Groucho Marx: “como posso confiar num clube que me aceita como sócio?”

Logo compreendi, porém, que o mundo do business – ao contrário do que ocorre em outras profissões – abriga rotineiramente gente com as mais variadas formações. Eu não era uma exceção tão notável assim.

Mas, mesmo tendo compreendido isso, minhas dúvidas persistiam: “Tudo bem que a profissão é aberta, mas tem de haver algum conhecimento específico a ser dominado. O que tenho de estudar, ler, aprender; enfim, saber fazer, para me tornar um administrador competente?”

Saí a campo para recuperar o tempo perdido. Li tudo. Freqüentei todos os seminários. Fiz todas as perguntas.Visitei empresas modelo dentro e fora do Brasil. MBA? Curso em Harvard? Pode apostar. Até conheço pessoalmente a maioria dos gurus internacionais de “primeiro time” (isto é; os que cobram mais).

Sempre me considerei meio outsider nesse meio; eternamente deslocado e inseguro quanto aos rituais da profissão.

Até hoje, almoços de negócios me são indigestos; jamais consegui organizar minha agenda; detesto memorandos (viva o e-mail!); perco todos os cartões de visita que me dão e nunca tenho os meus próprios comigo. Um vexame.

E pior ainda: a maioria dos livros que todo mundo lê, dos seminários que todo mundo freqüenta, dos gurus que todo mundo aplaude… bem. deixa pra lá.

Fui formando certas opiniões, mas sentia-me inseguro para externá-las. Entrara atrasado no baile; o problema devia ser meu.

Com o tempo, esse desconforto foi sendo substituído por uma compreensão um tanto pessoal daquilo que é a essência do trabalho do administrador, e acabei descobrindo grandes prazeres nesse negócio de management.

Entendi que a obtenção de resultados – o desafio permanente do gerente – envolve o domínio de certas artes, sofisticadas e sutis, que acabaram me remetendo para outros mundos. Percebi que o seu trabalho só pode ser definido na ação, e que por isso não há escola capaz de formar um manager. Entendi que essa construção engendrada no dia-a-dia por ele, é sempre intermediada pela linguagem. Não é uma “coisa” – um ato como o do cirurgião, mas sim, um processo. Aberto, sem fim, no qual a linguagem é essencial, como na ciência e na arte.

Minha convicção, hoje, é de que isso que chamamos administração de empresas – com todas as suas contradições, e toda a sua aparente superficialidade – é uma atividade sofisticada e profunda. Sim, é a profissão mais importante do futuro.

Não é poesia; estou falando de resultados – a única coisa que legitima a ação de um manager.

Hoje, a vanguarda do pensamento empresarial começa a apontar para idéias que – eu desconfiava secretamente – um dia viriam a ocupar o centro do palco. Idéias que não têm nada a ver com o tradicional em management.

É isso que me dá coragem para tentar superar antigos traumas e exorcizar publicamente meus velhos fantasmas. Se parto de uma experiência tão pessoal é porque estou convencido de que ela reflete vivências de muita gente nessa profissão.

Doze anos depois de ter começado nisso, não sei se realmente me tornei um bom manager mas, pelo menos, adquiri fortes convicções sobre essa minha (já não tão nova) profissão.

Quer ouvi-las?

O corpo de idéias realmente fundamentais em management é minúsculo

Há no mundo das empresas certas verdades que todo mundo percebe, constata, sente no ar… mas que não se consegue articular explicitamente. Não, não sou eu que estou cismado que o rei está nu: ele está peladão mesmo.

Primeiro, o lado mais escuro da coisa.

Voltemos ao levantamento da Harvard Business Review (HBR) que citei no início (aquele que discrimina o que se pode considerar relevante em administração nos últimos 75 anos). O critério foi identificar o que eles chamam de idéias, livros e artigos chave.

(No caso dos artigos, considerou-se apenas os publicados pela própria HBR, que foi lançada em 1922.)

O resultado não é estimulante.

Em 75 anos, não há mais que 9 idéias, 14 livros e 15 artigos chave identificados pela mais antiga, tradicional e conceituada revista de management.

Se você pensa que administração é uma disciplina que se pode dominar através de estudo sistemático, pense de novo.

Admito que, à primeira vista, pode não parecer tão ruim assim (eu acho ruim de qualquer maneira), mas considere um período mais recente: de uns vinte anos para cá. Desde o início da revolução digital, mais ou menos. Certamente, a época mais frenética na história humana em termos de mudança.

Veja o quadro a seguir:

Produção intelectual relevante em management de 1978 a 1997

Idéias-Chave Zero
Livros-Chave 5
Artigos-Chave da HBR 7

 

Se você tiver paciência com uma pretensãozinha pessoal (não, não é uma nova teoria arrasadora), eu digo: não há exceção para isso, e essa é a essência da coisa.

Administração trata de gente, de motivação humana. O que define nossa humanidade é que -ao contrário dos primatas a partir dos quais evoluímos – temos a capacidade de criar futuros dentro de nossas cabeças através das narrativas silenciosas que fazemos para nós mesmos. Criatividade, consciência, inteligência – tudo isso é ligado à linguagem. É através dela que moldamos o mundo e, aprendendo a sair do imediato e do familiar, criamos a possibilidade real de um novo enredo começar a se desenrolar dentro do enredo original.

Essa é a função do líder: moldar seu mundo. Não é possível ser mais concreto que isso, sinto muito. Ninguém vai ensinar-lhe esse “como fazer”.

Não há linguagem certa em management, assim em abstrato. É o fato de levar à ação geradora de resultados que define uma linguagem vencedora.

Os cientistas usam a matemática, nós temos usado a palavra. Tudo é linguagem: códigos simbólicos usados para descrever a realidade.

Não estou dizendo que não existem fatos objetivos em management. Claro que existem, mas sejam eles quais forem, sua importância e significado são estabelecidos pela linguagem. É ela que confere significado às coisas e molda a maneira pela qual vemos e agimos.

É por isso que propaganda não morre. A linguagem publicitária é mobilizadora de ação. “Compre meu produto!” (ação = $$$ – não se choque com o pragmatismo, por favor). Com ela ocorre o contrário exato de tantas outras baboseiras em management. Propaganda só morre quando a linguagem morrer, isto é: quando deixarmos de ser humanos.

Pessoalmente sempre me impressionou o fato de as grandes teorias da ciência estarem sempre ligadas a uma forma de falar, a um tipo de narrativa que leva à ação. Ação em ciência é a capacidade de prever, explicar e gerar coisas úteis. Há tempos, ainda como físico, eu notara que, a partir de certa escala, não se pode dizer nada objetivo sobre o que a realidade da natureza de fato é. A “sorte” é que a matemática permite que os físicos continuem a “gerar coisas úteis”, mesmo quando eles não conseguem chegar a um acordo verbal sobre o que significa realmente aquilo que eles estão estudando. A tal Física Quântica é o maior exemplo disso.

As diferentes fases da experiência humana sempre exigiram diferentes formas de linguagem que davam forma à maneira como se pensava e agia.

O que há realmente de novo no mundo hoje é que, na era do digital, há outros tipos de linguagem querendo se instaurar; competindo com a linguagem puramente verbal.

Na era do virtual, da Internet, do Tamagotchi, do vídeo-game, dos bares e parques temáticos, estamos procurando experiências; vivências.

A economia de serviços é passado. Estamos entrando na economia do experimentar, na qual, o que parece contar, é a imersão num tipo de contexto que possa ser experimentado sensorialmente, independentemente de falatório, de instruções, comandos, essas coisas .

Contextos; físicos ou não. Lugares ou espaços virtuais, mas sempre ricos em significado e, portanto, mobilizadores de ação.

Nossas novas formas de narrativa no mundo das empresas deverão passar por aí; não só no marketing – onde a ação que se quer é: “compre meu produto” – mas na própria maneira pela qual a empresa é administrada.

Há algo de novo no horizonte, mas não conseguimos ainda discernir seus contornos definitivos.

Em meu primeiro livro, “Em Busca da Empresa Quântica”, descrevi um episódio, que considero ilustrativo desse novo tipo de “linguagem”. Uma experiência intensa. Pouco papo. Reproduzi livremente um relato de Kevin Kelly em seu livro “Out of Control”.

Acho que muito do que o management é na era da complexidade (do digital, do virtual) está ali.

Uma certa tarde em Las Vegas; um experimento na nova linguagem do experimentar.

O cenário é um auditório escuro em Las Vegas com um telão. 5000 pessoas que participam de uma conferência sobre computadores. Cada pessoa carrega uma tabuleta: um dos lados verde, o outro vermelho. Uma câmera de vídeo varre o auditório e alimenta computadores que registram no telão a localização exata de cada tabuleta. Quando a audiência vira suas tabuletas, aparece no telão um imenso mar de pontos verdes e vermelhos ondulando como numa tapeçaria. É o registro de 5000 decisões individuais. O objetivo disso tudo é demonstrar que é possível obter coordenação sem controle. Harmonia de formas sem estrutura.

A primeira tarefa é jogar um videogame antigo chamado Pong. Loren Carpenter, o speaker da conferência – especialista em computação gráfica – faz aparecer o jogo no telão. Uma bolinha eletrônica se movendo dentro de um quadrado. De cada lado, dois retângulos móveis agem como duas raquetes. É um pingue-pongue eletrônico. O lado verde da tabuleta faz a raquete se mover numa direção, o vermelho a movimenta na direção oposta. A direção predominante do movimento da raquete é então o resultado da média predominante de “pontos” verdes ou vermelhos na tela. Cada tabuleta é um voto.

Carpenter fala pouco: “Ok, pessoal. A turma da esquerda do auditório controla a raquete da esquerda; a turma da direita controla a da direita; se você não tem certeza se está à direita ou à esquerda, escolha o lado que quiser. Ok? Go!”

A multidão delira. Em pouco tempo, 5000 pessoas estão jogando razoavelmente. Cada movimento da raquete é a média das intenções de milhares de pessoas. “Dá nos nervos. A raquete normalmente faz o que você quer, mas nem sempre. Quando não faz, você passa a gastar tanta atenção tentando antecipar o movimento da raquete como o da bolinha eletrônica. Fica-se definitivamente consciente de uma outra inteligência “online”.

Carpenter decide elevar o nível. Pong é simples demais.

Desenha um grande círculo no telão. “Vocês conseguem desenhar um “5” verde dentro desse círculo?”. Por um momento, nada acontece. Em seguida, começam a aparecer, desajeitadamente, ondas de pontos verdes que crescem à medida que as pessoas, acreditando estar no contorno do “5”, viram e desviram suas tabuletas. Vagamente uma figura começa a surgir. A audiência começa a perceber a silhueta de um “5” no meio da confusão; quando isso acontece, o “5” se precipita, nítido. O pessoal das beiradas”, que tinha dúvida sobre sua posição exata no contorno, ajusta finalmente sua tabuleta, e o “5” fica nítido.

O “5” se auto-estabelece.

Vamos aumentar a aposta de novo.

Carpenter ativa um simulador de vôo no telão. “O pessoal da esquerda controla o equilíbrio, o da direita controla a inclinação.”

A audiência começa a experimentar com os instrumentos de controle. O avião deve pousar num vale estreito. Na hora de tocar o chão numa aterrissagem tão arriscada, não há lugar para “médias”. Tem de haver precisão. É muito mais difícil que fazer um “5”. As projeções mentais são mais complicadas. O feedback entre ação e resultado é menos imediato. Parece que o avião vai bater, está desestabilizado, balança violentamente. O auditório entra em crise. “Verde! Verde!”, grita um lado. Mais vermelho, vermelho, Vermeeelho! Está totalmente desequilibrado. A inclinação errada vai fazer a asa bater no chão… Mas, de alguma forma o grupo recupera o controle, levanta o nariz do avião que sobe e se movimenta em círculo para tentar de novo. Ninguém decidiu se era para girar à esquerda ou à direita. Ninguém mandou tentar de novo. Ninguém estava no controle. Tudo acontece seguindo a “mente coletiva do grupo”.

Tentam de novo. Quase deu, mas têm de repetir a tentativa. O grupo decide como uma mente única, “em comunicação lateral, como um bando de pássaros levantando vôo”.

À medida que se prepara para nova tentativa o avião se inclina um pouco, e mais um pouco, a “mente coletiva” dos cinco mil participantes decide fazer um giro completo. Uma cambalhota de 360 graus. Top Gun. Cinco mil pessoas controlando coletivamente um avião. Sem erros. O pouso é perfeito. A multidão aplaude de pé.

Essa nossa profissão maravilhosa.

Sem ironia.

Espero que você tenha entendido porque acredito que ela é, de fato, a profissão do futuro.

Ela será cada vez mais associada a nossa capacidade de inventar futuros, de criar enredos dentro de enredos. Ser bom em administração torna-se igual a ser bom na vida.

Uma coisa existencial.

Aceitemos o fato de que ninguém sabe exatamente (ainda) como será esse futuro (que, aliás, já chegou), mas a sociedade digital – e, portanto, a empresa da era do digital – é uma experiência; a vivência de um processo.

No passado foi o discurso, no futuro será essa vivência; um experimentar, um mergulho intensamente emocional em algo que tem de se construir coletivamente como naquele auditório em Las Vegas.

Administração: a arte de obter resultados através de narrativas. Enredos dentro de enredos. Algo muito ligado à própria aventura humana. Ela é sobre ser humano; é profundamente, biologicamente, humana.

Estamos envolvidos num colossal experimento, na empresa e na vida. Esse experimento é totalmente aberto, imprevisível, open-ended. O resultado depende da narrativa que formos competentes para construir.

Esqueça os gurus. Ninguém pode lhe dizer como será o futuro, e já que ele é aberto, seu projeto de vida como pessoa e como empresa só pode ser um: você tem de estar preparado para qualquer futuro.

Tente entender a natureza do processo em que estamos metidos. Fique atento ao enredo que está se desenrolando. Objetivamente pouco há a fazer além disso. Desconfie de quem afirma o contrário.

Essa é a aventura em que nós – macacos de cérebros grandes – nos vimos metidos, sem estarmos preparados. Paciência. O acidente da inteligência nos coloca de posse de uma arma gloriosa: a capacidade de permanentemente criar um novo enredo dentro do enredo que vinha se desenrolando.

Há cem mil anos, nossos ancestrais já enterravam seus mortos em meio a rituais. Há trinta mil anos, já exercitávamos nossa humanidade desenhando nas paredes de cavernas. Tentávamos criar outros enredos, pular para outras dimensões. Fazer a “alma saltar e ganhar liberdade na amplidão”, como diz o verso de Caetano Velloso.

A agricultura nos possibilitou dar outro salto há dez mil anos. A ciência tem trezentos, a revolução industrial tem 200, e o computador pessoal não mais que 10 a 12. Nosso problema não é a mudança – mudança sempre houve -, é a rapidez com que ela ocorre. Desafio inédito à nossa capacidade de reagir.

Administrar bem é entender esse processo e influenciá-lo conscientemente. Construí-lo ativamente.

Na empresa como na vida, o talento é fazer acontecer.

*Artigo publicado na revista Exame de 10/1998.

Fonte: Harvard Business Review – Set/Out 1997.

Isso na área de atividade que tem a obrigação de refletir mais imediatamente as transformações pelas quais a sociedade passa.

Exatamente no momento da vida do século em que o digital (a informação no seu sentido mais profundo) redefine e vira de pernas para o ar tudo o que achávamos que sabíamos.

Somos a primeira geração em toda a história, em que aquilo que aprendemos durante os anos de nossa formação tem menos valor prático do que o conhecimento produzido depois que já estávamos ativos no mundo. Com nossos filhos será mais dramático ainda.

E, com tudo isso, a tal “ciência da administração” nada tem a declarar, não é curioso? (O que será que eles ensinam nesses cursos de administração de empresas por aí?)

Mais intrigante ainda: enquanto a revista mais prestigiada do mundo diz que não há nenhuma idéia nova no setor, os livros de “administração e negócios” são o segmento editorial que mais cresce.

Muito sintomático… Imagine o conteúdo do que se publica. Volto já ao assunto.

Ok, você pode não concordar com os critérios da revista. Então dê um desconto. Dobre o número de livros e artigos. Triplique. Continua pobre por comparação com qualquer outra atividade que pretenda ter algum lastro acadêmico.

Conclusão: administração não tem.

E, se é assim, compará-la com outras disciplinas (eu quase digo “disciplinas de verdade”) não tem mesmo sentido. Nosso ramo tem sua própria lógica; tem de ser entendido isoladamente.

É a profissão mais bem paga do mundo (em termos de $$, nem Ronaldinho nem Michael Jordan são páreo para seus equivalentes no mundo do business ), mas o fato é que ninguém conseguiu definir substancialmente (de uma maneira não trivial) qual é a essência do que fazemos.

Ronaldinho e Michael Jordan ganham seus milhões fazendo gols e cestas. Para isso, sabem que têm de estar bem fisicamente, treinar muito, etc. Nós temos de “gerar resultados através de pessoas”. Tudo bem, mas qual o nosso equivalente ao “muito treino e nada de excessos” dos milionários do esporte? Não existe.

Entender isso foi o primeiro passo. Hoje, saí da crise e assumo:

I Iove this game… Nenhuma pretensão a Michael Jordan. Não estou falando de basquete; falo de administração.

Administração não se aprende na escola

Claro, nós temos também nossos textos “canônicos” – aquilo que todo mundo tem que ler para poder ser considerado minimamente informado sobre nosso trade.

Peter Drucker escreveu sobre essas coisas há várias décadas. Há os clássicos, como “Marketing Myopia” e “Marketing Imagination” de Theodore Levitt. A própria HBR republica, na sua edição de Julho-Agosto de 1998, um clássico eterno: “Evolution and Revolution as Organizations Grow”, de Larry Greiner (publicado originalmente 26 anos atrás).

Tirando essas coisas, sobra pouco.

O que sobra é cultura geral: uma espécie de “mexido” conceitual em que se junta e remexe uma porção de idéias na mesma panela. O “conteúdo” vem de campos tão diversos como Economia e Psicologia, com algum tempero de outras ciências humanas. Sempre de áreas em que o comportamental (o humano, o humano…) é que domina, nunca o técnico.

Tudo o que há de relevante em management parece de fato já ter sido dito. É como essas coisas sobre emagrecimento – depois que alguém falou “dieta e exercícios”, o que há realmente de novo que se possa dizer?

Repare: o que mudou em relação à década de 50 quando Drucker articulou as idéias centrais da teoria da administração? Muita coisa sem dúvida, e o exemplo mais dramático é o tal impacto do digital (vulgo economia da informação) no mundo das empresas.

O que não há é algo específico para o mundo das empresas. Isto é: o que há é o impacto dessa “coisa” no mundo da educação, da família, nos hábitos e costumes, no mundo da cultura em geral. O impacto do digital é no mundo, e, como o mundo não entendeu ainda essas novas realidades, a empresa também não.

Os saberes do manager nunca se estabeleceram pela reflexão tranqüila e distante do front.

Nossa atividade é anticontemplativa. O manager só se define no calor da ação; é aí que ele se forma. Não existe gerente fora do front. Só se aprende através de um mergulho profundo na prática do real.

Nós, administradores, somos parte da paisagem que tentamos desvendar, pois a empresa opera dentro do turbilhão social. Só há idéias novas em management como conseqüência de novas práticas na sociedade, e não tem sido a empresa a origem dessas práticas novas. Isto é: a empresa reflete a sociedade, não molda a sociedade.

Parte do fascínio permanente e da atualidade desconcertante de Frederick Taylor – fundamentalmente importante para a mentalidade produtiva dos americanos no século XX – é que talvez ele seja a única exceção a essa regra. Mas mesmo o taylorismo foi forjado, lembre-se, no chão da fábrica – cronômetro e prancheta na mão. Mergulho no real é isso aí. (Confira meu artigo “Taylor Superstar” na Exame de 09/97.)

Uma das tendências positivas para nossa profissão no futuro, é que essa entidade a que chamamos empresa pode realmente vir a se tornar a fonte primária da inovação social; mas isso é para o futuro. Até hoje ela foi apenas o reflexo.

Para atuar ativamente em qualquer coisa hoje, você tem que entender o furacão em que estamos metidos; tem que estar consciente de seus impactos; das suas implicações. A ausência de idéias relevantes no nosso campo, no período mais turbulento da existência do planeta Terra, reflete simplesmente o fato de que ninguém conseguiu perceber ainda as implicações das novas realidades na vida em geral.

Por isso, um novo discurso precisa ser articulado; precisamos desesperadamente de outra forma de narrativa. A linguagem de ontem não serve mais e, enquanto não descobrirmos – ou melhor, inventarmos – essa nova linguagem, podemos até ir nos distraindo com as “Reengenharias” da vida, mas não se iluda: dessa cartola não sai coelho.

A chave para entendermos o manager é, portanto, a ação. Essa ação tem que ser induzida, gerada por “algo”.

É nesse “algo” – que leva a resultados – que o manager tem que ser craque. Essa é a essência de sua profissão.

Antes de entrar nisso, volto a um assunto no qual toquei de passagem: a mediocridade dos temas populares em management – o que vai nos levar a entender melhor a psicologia desse profissional que, mais que qualquer outro, é dominado por duas compulsões humanas básicas: medo e ambição.

Por que aumenta cada vez mais a oferta de livros, palestras e seminários para managers?

É mesmo paradoxal.

Se não há nada de substancial acontecendo em management, por que tanta oferta? Está aí uma esquizofrenia básica do nosso ramo. Pouquíssima coisa digna de atenção, mas cada vez se oferecem mais coisas, mais coisas, mais coisas.; a enorme maioria, claro, irrelevante. Qualidade abaixo da crítica.

Há demanda e alguém surge para ocupar o nicho. Afinal, somos ou não businessmen? Somos ou não somos bons em detectar oportunidades de mercado?

A questão central é: por que a cabeça dos managers é assim tão esquisita? Desconfio de que o que há aqui é uma insegurança básica. Algo psicanalítico mesmo. Deixe-me explicar.

A realidade do dia-a-dia do manager não é nada charmosa.

Talvez lhe tenham dito, naquele curso de “Introdução à Administração”, que você iria se tornar especialista em analisar, planejar, controlar, motivar. Iria tomar decisões de vida ou morte sobre sofisticadíssimos aspectos estratégicos da sua empresa; essas coisas…

Enganaram você. Pode esquecer.

O dia-a-dia do manager (a menos que você se chame Bill Gates) é resolver emergências; apagar incêndios; falar ao telefone; ser interrompido a toda hora; participar de reuniões burocráticas; submeter-se a rituais empresariais nada excitantes; fazer média com alguém, preencher formulários. argh. Não quero deprimi-lo; mas é isso mesmo.

Sejamos sinceros: o dia-a-dia da administração é uma coisa que lembra as trivialidades quotidianas na ausência completa de colorido. É tão excitante quanto cortar as unhas e usar desodorante.Tão arrebatador quanto conferir o troco no supermercado. Enganaram a gente.

Parece que, para fugir dessa realidade, vivemos correndo atrás de coisas geniais, transformadoras, relampejantes. Messianismos de todos os matizes, de preferência ouvidos ao vivo dos próprios “messias” que os formularam, que, é claro, por um fee nada modesto, estão sempre disponíveis.

Veja os livros sobre negócios, um segmento que cresce sem parar no mundo todo (não é só no Brasil; isso nada tem a ver com nosso subdesenvolvimento). De que tratam tantos livros?

Entre em qualquer livraria.

Aposto o que você quiser que, em qualquer uma, em qualquer lugar do mundo, você vai encontrar, pelo menos, duas seções: os chamados “Alternativos” (que atendem por “New Age”, “Espiritualismo”, “Esotéricos”, etc…) e “Administração e Negócios”. (Desconfio que isso seja mais que mera coincidência, mas deixa pra lá.).

Bem, você é um manager que quer estar atualizado; certamente não está interessado naquelas velhas almas gêmeas de sempre, nem nas cabalas de ontem, muito menos nos requentadíssimos anjos, demônios e ETs de anteontem. Você quer conteúdo.

Dribla os alternativos; passa direto pela “auto-ajuda” e chega finalmente aos livros para executivos.

As estantes estão repletas. O que você vê?

“Jesus CEO”; “O Segredo da Matilha – Lições dos lobos sobre a organização”; “Como aprender a administrar com os índios”; “Explodindo em Chamas – controle sua empresa como se ela fosse um dirigível”.

Isso sem contar inúmeras versões de metáforas guerreiras – os Sun Tzus da vida. Executivo adora esse negócio de se comparar com guerreiros e generais. Freud explica?

Claro, não há só isso, mas o que vende mesmo é isso.

“Em Busca de Otários”

A revista Fortune de 14 de outubro de 1996 traz uma reportagem devastadora. O título, “In Search of Suckers” (Em Busca de Otários), ironiza o megassucesso de Tom Peters e Bob Watermann, “In Search of Excellence”, um livro de 1982.

A matéria cita, entre outros títulos, pérolas como: “Você não precisa ser um gigante: Lições de Haile Selassie sobre liderança” – livro de memórias do falecido rei etíope, que era baixinho, e que mostra como “alguém de qualquer tamanho pode ficar no poder quase indefinidamente”.

Que profissão essa nossa, hein?!

Boa parte da literatura empresarial é desse nível, leitor. (Entende agora minha depressão?)

Por trás disso, está a lucrativa indústria dos seminários para executivos.

Quer faturar uma graninha? Escreva um livro (qualquer livro!) e arranje alguém que introduza você no circuito dos palestrantes para executivos. Trate de preferência de ninjas, golfinhos, da sabedoria dos povos primitivos aplicada à administração (índios são uma boa) andorinhas ou lobos. A turma adora essas coisas. Exatamente como meu sobrinho de sete anos.

Você tem dificuldade para escrever? Ok, não precisa escrever.

Mas, para poder entrar nesse circo – perdão, nesse círculo -, vai ter que ter curriculum em algo apreciado pelo gosto popular. Organizar escolas de samba, digamos, ou treinar times de futebol. Fale sobre sua experiência de vida; de como você “gerenciava os conflitos” e fazia todo mundo se unir, entende? Os auditórios estarão sempre cheios.

Concordo: é mais divertido do que trabalhar. E é a sua própria empresa que paga os caras e dispensa você do batente para assistir a essas coisas .Um vidão, né?

Twyman Towery – autor de “Sabedoria dos Lobos – A maneira da natureza para o sucesso organizacional” – é fichinha no ramo. Cobra só US$ 4.500 por palestra; faz quatro a cinco por mês. Se chegar ao topo pode passar de U$50.000 por palestra. Nada mal.

Perguntado sobre sua atividade de palestrante, ele diz candidamente:

“Eu também poderia falar sobre ciclos industriais – tenho slides excelentes sobre isso; mas,quando eu falo dos lobos… quando eu mostro essas criaturas seguindo em frente, um após o outro, através da neve. Eles fazem isso porque o primeiro deles quebra a neve e torna o caminho mais fácil para os que o seguem por centenas de milhas. Quando o lobo que lidera se cansa, ele simplesmente sai e cede a liderança para o seguinte; vai para o último lugar da fila de onde é mais fácil prosseguir. Isso é trabalho em equipe! E a audiência. você pode ouvir a audiência suspirar.”

Alan Farnham, o autor da matéria da Fortune, perguntou a Twyman “da maneira mais educada que pôde” se, durante alguma palestra, ninguém nunca dissera que essa história de lobos era a coisa mais estúpida que já ouvira.

A resposta: “Não, mas uma vez uma senhora disse, após ouvir a história, que ela jamais daria apoio a nada que tivesse a ver com direitos dos animais…”

Não vou comentar nada. A Exame censuraria.

É claro que nem tudo é tão grotesco. Suba um pouco de nível e as coisas ficam mais sofisticadas. Realmente não sei se ficam substancialmente melhores.

Por uma estranha compulsão psicológica, achamos que tem de aparecer anualmente algo que nos traga uma revelação nova (no sentido bíblico); algo que mude nossas vidas.

Seria engraçado se não fosse sério. Seria cômico se não fosse comigo.

Há também a necessidade legítima de aperfeiçoamento.

Abra qualquer número da “Economist” – a mais sisuda (e, para mim, a melhor) das revistas internacionais de informação semanal. Está sempre lá: anúncios oferecendo treinamentos para managers de todos os níveis em todos os cantos do mundo. Da London School of Economics até o “think tank” Instituto de Santa Fé nos EUA, um pólo de ciência avançada que agora oferece também um curso para managers num certo centro de “estratégias emergentes”. O curso é baseado na nova ciência da complexidade (veja meu artigo “A ciência e os negócios” na Exame de 03/98).

A demanda por cursos de formação/aperfeiçoamento para gerentes é enorme; as ofertas são as mais variadas. A tendência é mundial, e seria leviano colocar tudo no mesmo saco de mediocridades, mas já participei de alguns cursos pelo mundo afora, e não posso deixar de compartilhar uma desconfiança com você. É o seguinte:

Para mim o que, em larga medida, movimenta a indústria de “educação” para managers é a necessidade de um certo tipo de terapia de grupo.

Grande parte dos freqüentadores não está interessada no conteúdo desses cursos, só na mis-en-scène; só em participar de um ritual. Sentimo-nos bem por estar entre iguais; percebemos que nossas perplexidades, dúvidas, inseguranças, são também vividas por outros, e isso nos conforta. Pergunte a um freqüentador típico o que mais gosta neles. A resposta nunca é: “novas informações relevantes”, nem mesmo “atualização de conhecimentos”, mas sempre algo como: “oportunidade para relacionamento”. Traduzindo: oportunidade para conviver com iguais.

É terapêutico, entende? Não entende?

Eu explico minha teoria.

A cabeça do manager: medo e ambição

Administrador é como ator: há certas técnicas básicas a serem dominadas, mas elas não lhe garantem nada… Técnicas são fundamentalmente desimportantes no mundo das empresas.

Dentro da cabeça do manager não existem saberes notáveis; a personalidade dele é moldada por um certo tipo de habilidade prática – uma sensibilidade intuitiva para integrar e criar significados – somada a um casamento estranho entre medo e ambição.

Administração atrai gente que quer desesperadamente estar à frente mas que, como nunca tem segurança de que realmente está, vive com medo de ficar para trás.

Qual o estereótipo do gerente?

É o de alguém permanentemente sob o peso de enormes responsabilidades; alguém que tem de tomar decisões a toda hora e acertar na maioria das vezes, sob pena de ter que dizer adeus àquele bônus maravilhoso no fim do ano.No caso extremo, ele sabe que será confrontado com aquele papo: “Estamos reformulando as coisas por aqui, João; a diretoria resolveu disponibilizar o seu cargo.”

Sabe o que quer dizer isso? Claro que sabe: João está demitido.

O jargão do nosso meio é hipócrita. A cabeça do manager é muito dominada por esses dois ingredientes: o medo de ficar de fora somado à ambição de alcançar mais. Daí a tensão.

Talvez aí é que se origine a necessidade de procurar isso que chamo de terapias de grupo para executivos.

Sempre me fascinou a sede com que… compramos livros e não lemos, vamos a seminários e cochilamos, sublinhamos frases que soam bem, independente do que possam ter de conteúdo.

Somos os únicos profissionais do mundo que pagam para serem ridicularizados. Adoramos zombar de nós mesmos. Sentimos prazer em nos autoflagelar. Dilbert é um personagem sob medida para o mundo das empresas.

Tom Peters percebeu isso tudo muito bem.

O que há de errado com Tom Peters

Ele é o mais requisitado e caro guru empresarial. O rei da gurulândia.

Por ironia, foi quem me fez perceber há anos, ainda como físico, que esse negócio de administração podia ser de fato interessante. Sua trajetória de 1982 para cá simboliza, de certa forma, o melhor e o pior de nossa profissão.

Seu primeiro livro, “In Search of Excellence”, em parceria com Bob Watermann, é muito bom. Um dos catorze da relação da HBR. Fruto de um projeto de pesquisa patrocinado pela McKinsey que identificava características-chave do que eles chamavam de empresas excelentes. Os dois autores desfecharam um ataque frontal contra o modelo racionalista em administração, aquela coisa de se achar que o segredo do sucesso em management é resultado de alguma técnica ou teoria.

Claramente emergiu um padrão entre as empresas pesquisadas por eles; as campeãs não eram as craques em habilidades técnicas, mas as que dominavam aquilo que simplificadamente podemos chamar “habilidades humanas”; que traduzem uma certa sabedoria intuitiva; muito mais para aquelas coisas que nossos avós nos ensinaram do que para grandes academicismos.

“In Search…” tinha a ambição de formular algo equivalente às leis de Newton para a administração: descobrir leis gerais que valessem sempre. E foi apoiado nessa premissa implícita que ele se tornou o maior best-seller em business em todos os tempos (120 semanas na lista dos mais vendidos do New York Times).

Leis de Newton? É claro que não conseguiu.

Logo, logo, várias das excelentes foram para o buraco, e em vez de Peters assumir que a verdadeira natureza da administração não comporta “leis de Newton”, ou formulações definitivas que valham em quaisquer circunstâncias, ele começou a usar sua formidável retórica em exercícios verbais cada vez mais vazios. Até se tornar o que é hoje: um mestre na retórica pela retórica.

Ao contrário de Bob Watermann – low profile e discreto, Peters é avassalador. Confrontado com o fato de que várias das excelentes empresas rapidamente se tornaram ex-excelentes, ele não se aperta. Sua atitude é como a de alguém que diz: “Eu disse que havia critérios de excelência? Pois esqueça; não me leve a sério. Não leve nada a sério. Duvide de tudo, apague tudo…”

Não entendo como esse tipo de retórica possa ajudar alguém que tenha de produzir resultados no dia-a-dia.

A multidão delira enquanto ele, suando em bicas, anda freneticamente pelo palco. Às vezes fingindo dialogar com um personagem imaginário; às vezes indignando-se melodramaticamente. Um show-man. Dilbert provoca: “Ele cospe quando fala”. Peters não dá a mínima. Cobra US$ 60.000 por seminário de um dia. Faz 60 deles por ano. (Eta cuspezinho lucrativo, né?)

A sucessão de livros que ele escreveu depois de “In Search.” é, no geral, uma seqüência cada vez mais densa de banalidades e retórica vazia, às vezes desconcertante, mas raramente relevante: “Tire os sapatos!”; “Vá criar vacas!”; “Demita-se!”.

Um dos produtos comercializados por uma de suas empresas chama-se: “The Tom Peters Business School in a Box”, que vem com 42 “cartões pessoais”, 14 “cartões de ponto” e dois dados, um colorido e outro branco. Lembra do meu sobrinho de sete anos? Pois é.

Seu último livro, “O Círculo da Inovação”, é uma confusa coletânea de frases e pensamentos curtos; algo como uma espécie de auto-ajuda para executivos. Não me surpreenderei se, em breve, estiverem sendo veiculadas em santinhos ou em tampinhas de refrigerante (comercializados pelo “Tom Peters Group”, naturalmente).

Tom Peters adora jogo de palavras.

Declara-se contra a idéia de “learning organization”, um conceito interessante veiculado pela primeira vez por Peter Senge num livro que é também um dos 14 HBR. Nada de organização que aprende, diz Peters, a organização do futuro tem é que ser boa em esquecer.

Mas o que, concretamente, significa desaprender ou esquecer, senão exatamente incorporar continuamente novas habilidades? E incorporar novas habilidades o que é?

É precisamente. hmmm… aprender, certo?

Mas tudo bem, vamos deixar o jogo de palavras de lado e perguntemos a ele como implementar isso de “esquecer”. Como transformar a empresa numa entidade que “desaprende”? Ele não diz, naturalmente. Ninguém diz.

Alguém aí pode me explicar concretamente como se faz para implantar o “empowerment” ou “colocar o cliente no centro” ou construir uma “networked organization”? Pergunte, e o guru vai convidar você para refletir sobre o significado da palavra implantar. Mas você não quer refletir sobre palavras! Você, que está pagando US$ 500 para assistir a esse seminário, não quer ser enrolado por jogos de palavras. Você quer é saber como é que se faz!!!

A verdade é que nenhuma idéia em management tem qualquer significado intrínseco. Cabe ao gerente dar significado a elas, e esse é o seu papel. E é esse impregnar de significados que é a competência que o manager tem que ter.

Millôr Fernandes, numa entrevista à revista República (n° 2, maio de 98), disse: “Arte é consenso. Não tem valor intrínseco. Valor permanente é marcar gol. Pelé marcou mil gols, é o maior jogador do mundo. Gosto e opinião autoritária fazem o consenso.”

O trabalho do manager é análogo ao do artista, mas há uma importante diferença. O critério de sucesso aqui não é arbitrário; ele se traduz sempre no ruído do dinheiro entrando no caixa. Managers adoram esse ruído. Tom Peters é um sucesso porque ganha dinheiro vendendo o produto Tom Peters.

É pragmático assim e (como diria Tom Peters) ponto.

A verdade é que o que ele fez de importante não está relacionado a nada do que disse, mas -como dizem John Miklethwait e Adrian Wooldridge em “The Witch Doctors” – ao fato de ter “lançado, liderado e definido as estratégias de marketing dos gurus.”

É o que eu disse: Peters é bom em ser Tom Peters. Só.

O trabalho da linguagem – a verdadeira natureza da coisa.

O sucesso retórico de Tom Peters não é acidental. Não é acidental que nós, gerentes, passemos tanto tempo em reuniões ou ao telefone, ou usando todo tipo de artifício verbal para… para… que mesmo?

Para tentar mobilizar a ação.

Administração é um jogo dominado totalmente pela linguagem. Peters e outros faturam tentando nos fazer crer que é um jogo de palavras. Não é. É linguagem mobilizadora de ação que conta. O resto é bobagem.

Linguagem não é papo, não é palavreado oco, bacharelesco ou rocambolesco. É qualquer código simbólico que nos permita obter resultados no mundo.

Resultado é fazer gol, diria Millôr.

É esse o nosso jogo; o sofisticado jogo de gerar ação através de histórias, narrativas, enredos, construídos pelo manager.

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A habilidade central do manager é saber contar uma história interessante, mobilizadora, que provoque engajamento e leve à ação.

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A ação que temos de gerar pode se traduzir em “compre meu produto”, se a história for dirigida ao mercado. Ou então pode se traduzir, dentro da empresa, em motivação renovada, aumentos de produtividade e comprometimento, quando dirigida ao público interno. No dia-a-dia é isso que conta e recompensa.

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Idéias populares e modernas em administração, como “o cliente em primeiro lugar”, não têm qualquer significado intrínseco. Permanecem vazias enquanto o manager não conferir significado a elas através de um conjunto de atitudes (que chamo de narrativas) que induzam a ação. Esse é o talento que ele tem que ter, mas que ninguém pode ensinar a ele.

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