Senha: Cliente – Parte II
5. A economia da Internet – Marketing e comércio eletrônico
Para um marqueteiro, informação em si, tecnologia da informação etc. não são ofertas econômicas. A informação importante para ele é aquilo que arruma e configura as coisas de maneira tal que faça o cliente reagir: “Opa! Vou comprar isso”.
Marketing trata daquilo pelo qual o cliente está disposto a pagar. Em marketing é o conteúdo total da mensagem, a oferta econômica total que conta.
Normalmente, o esforço de marketing é organizado em função dos chamados 4Ps: Produto, Preço, Placement (praça, ou canal de distribuição) e Promoção. Esses 4Ps é que definem a mensagem total com que o marqueteiro trabalha. O que a economia digital faz com cada componente dessa mensagem?
Vira tudo de pernas para o ar. Veja só:
A falácia do “melhor produto”
O produto, já há tempos, não é mais o centro de nenhuma oferta de marketing relevante (excessões tipo Viagra são isso mesmo: exceções). Isto é, quem tentar competir dizendo “Compre-me, sou o melhor”, vai perder. Já está perdendo.
Essa é uma das verdades mais simples e menos entendidas do mundo empresarial.
Todo mundo hoje tem o “melhor” produto. Mercedes ou BMW, qual o melhor? Rolex ou Breitling? Sony ou JVC?
Bobagem.
O que conta é, cada vez mais, a experiência do cliente com o “produto”, não o produto em si. A experiência total de comer num restaurante, não apenas a boa comida; a experiência total de comparar, escolher, receber e dirigir um automóvel, não apenas a excelência técnica do produto…
O produto (com poucas exceções) é seco e sem graça como o texto de um “anúncio classificado”. Isto é: o produto não é nem pode ser o centro da coisa, mas sim o embrulho, o ambiente, o clima, a experiência associada ao ato de comprar.
É por isso tudo junto que o cliente paga.
Joseph Pine e James Gilmore dizem em “The Experience Economy” (Harvard Business Press,1999):
“Pense na commodity por excelência, o café. O preço do café no mercado de commodities se traduziria numa xícara custando 1 ou 2 cents de dólar. Se você mói e empacota os mesmos grãos, e os vende como uma marca num supermercado, o preço do cafezinho sobe para algo entre 5 e 25 cents a xícara. Sirva-o numa cafeteria convencional e o preço sobe para 50 cents. Quer dizer, dependendo da forma como você considera o café – mercadoria, produto, ou serviço – o preço (da mesma coisa), sobe bastante.
Em outras palavras: dependendo da atmosfera que você cria para servir o mesmo produto, seu preço varia. Se você extrapolar para um ambiente como um restaurante cinco estrelas, ou um expresso bar ,onde o pedido, a “criação” e o consumo do café vêm mergulhados num ambiente mais sofisticado – onde há uma “atmosfera teatral ” mesmo – o cliente vai pagar algo entre 2$ e 5$ por xícara. O “valor” da xícara de café (a disposição do cliente para pagar por ela) pode aumentar mais de duzentas vezes… Se você pede a mesma xícara na praça de São Marcos, em Veneza, no café Florian, imerso na visão e no clima da mais tradicional cidade do Velho Mundo, você vai pagar, feliz da vida, 15$ a xícara…
Quando um cliente paga por um serviço, ele compra uma série de atividades intangíveis realizadas em seu benefício, mas, quando ele compra uma experiência, ele paga para passar seu tempo desfrutando de uma série de eventos memoráveis, que uma empresa encena – exatamente como numa peça de teatro – para engajá-lo de uma forma pessoal.”
Na verdade, essas coisas já estão por aí há algum tempo. A Disney, por exemplo, é exatamente sobre isso. A tese é que o mundo dos negócios vai ser dominado por abordagens tipo Disney, independentemente do setor da economia em que atuem. Bares e parques temáticos são a primeira onda. “Para cada convidado (nunca clientes), os membros do elenco (nunca empregados), encenam uma produção completa que envolve visão, cheiros, sons, gostos, texturas…” O marketing vai ser sensorial. O digital permite a criação de ambientes assim – 100% humanos.
Se há uma chance de a informação se manifestar via imaginação, como surpresa, é isso que vai acontecer. Foi isso que a informação sempre fez, afinal. A informação, que nos fabricou pelo DNA e seu código digital, procura sempre as melhores mídias para produzir surpresa.
Nada disso começou com a Internet. Com ou sem ela, o produto como base de diferenciação, já era.
Lembre-se: informação é sobre diferença. Assim, se produtos em geral estão essencialmente iguais, seus atributos não podem ser a base para que o cliente decida a compra. Produto de boa qualidade é apenas o tíquete para entrara no jogo, como tenho repetido. Apenas isso.
Caia na real: você não controla o preço
Preço – outra variável da mensagem de marketing – não é algo que se possa controlar de fato – é conseqüência das inúmeras atividades que você desempenha para produzir, vender e entregar. Não é possível cobrar menos sem vantagem real em custo e, para se ter vantagem real, é preciso ou ter um método de produção revolucionário, ou uma forma de vender e entregar revolucionária.
Excelência em produção ou operações nunca pode ser a base para uma estratégia duradoura.Todo mundo acaba copiando, como Michael Porter nos ensina. Foi o que aconteceu com os produtos japoneses que assombraram o mundo nos anos 80.
Portanto, preço não depende de você.
Mas, se a Internet não altera a produção de “coisas”, ela chacoalha tudo em distribuição – outro P da mensagem de marketing, reduzindo os custos da venda e da entrega, eliminando intermediários e revendedores clássicos.
A queda dos preços na economia não é bola de cristal – é uma lei da natureza. É bom você começar a procurar formas de diferenciar a experiência do cliente com seu produto/sua empresa, pois a única forma de ter vantagem competitiva será através de ofertas econômicas que terão de ir muito além do produto e serviços tradicionais.
O fim do consumidor ignorante
Sejamos sinceros. A economia até hoje foi organizada em função da ignorância do consumidor. Não havia opção. Na economia analógica tínhamos de ter o revendedor, o entreposto, o intermediário em geral. O preço que pagávamos embutia os custos de uma infinidade de operações intermediárias, necessárias para trazer a tal caixa de sucrillhos de uma fábrica distante para perto de mim.
Em matéria de promoção (outro P da mensagem de Marketing) não digo que a propaganda tradicional vá morrer. Não vai. Há produtos que só podem ser promovidos via comunicação (muito) redundante mesmo. Essas ofertas, típicas de mercados de massa (analógicos por natureza), não morrerão, mas vão perder a primazia que ainda têm. Produtos analógicos são, ou tendem a se tornar, basicamente commodities.
Uma commodity é aquele produto que não contém informação suficiente para que surpreenda. Não é elaborado; é seco; não apela à imaginação e, portanto, pode ser oferecido ao mercado via comunicação analógica; isto é, muita propaganda charmosa, muita “criatividade” no sentido que os publicitários adoram, mas que nem sempre se reflete em resultados.
Commodities não podem ser diferenciadas e, quando não é possível apelar à imaginação, a disputa é sempre com base na “força bruta”. Preço. Preço. Preço. Apelo ao preço funcionou durante décadas quando economias de escala associadas à produção em massa resultavam sempre em diminuição de custos quando se reduzia preço (em português: reduzo o preço -vendo mais – o custo unitário de produzir cai). Isso não está funcionando mais, o que é outra conseqüência da economia da informação, que valoriza mais o símbolo que a coisa.
O mundo das transações econômicas já hoje está tendo sua lógica virada de pernas para o ar. Quem tem mais a perder está começando antes. Gigantes, multibilionários fundem-se, compram-se, vendem-se – o que está por trás disso? Essas mega-empresas sabem que a lógica econômica está mudando e, como ninguém está seguro do amanhã, tratam de fazer lastro. Querem simplesmente garantir uma presença no futuro, qualquer que seja ele, comprando de outros, competências ou ativos, que não têm. Sua estratégia de sobrevivência não é a do talento: é a do tamanho, da “massa muscular”.
As ofertas de marketing no contexto do mercado de massas (moribundo) é proporcional à escala (tamanho). É por isso que chamo esses mercados e produtos de analógicos.
Tamanho é que é documento. Valoriza-se quem tem mais de alguma coisa, não quem tem mais significado. Força bruta. É Schwarzenegger e Stallone. Nada que seja muito simbólico conta. Woody Allen está fora dessa disputa.
Tiazinha e Carla Perez, por exemplo – você sabe com base em que atributos elas competem. Mercados para produtos assim existirão sempre e, para eles (analógicos), a mensagem tem de ser também analógica. Em bom português, sempre haverá mercado para mulher pelada. É tudo explícito, literal, nada resta para ser imaginado.
Mas, no geral, a propaganda tradicional sofrerá concorrência (e perderá terreno) para formas diretas de comunicação pessoal. Boa parte da comunicação já pode, graças às mídias digitais, ser dirigida ao destinatário individual. A linguagem digital permite a identificação do cliente numa base muito mais um-para-um. A tecnologia já existe, e não se vê mais disso por enquanto, porque não se mudam cabeças analógicas com facilidade.
Ao abrir um canal direto com o zé-mané – o cidadão simples da rua, anônimo e sem rosto, ao ouvi-lo, considerá-lo, dar poder de barganha a ele, a economia muda. Promoção, crescentemente, só repercute se direcionada precisamente ao público certo, até o nível do indivíduo mesmo. Adeus primazia da mídia de massa. Adeus marcas charmosas. Eu, consumidor, não quero saber de charme, quero é saber o que você vai fazer por mim.
A morte do caixeiro viajante
Não precisando mais sair atrás da informação, o cliente assume o comando. Na Harvard Business Review de 01/2000, Adrian Slywotzky fala da era do “choice board”. Ele diz assim:
“Graças à Internet, em todos os tipos de mercado, os clientes vão poder descrever exatamente o que querem, e os fornecedores poderão entregar rapidamente. Chamo essa inovação de choice board (algo como quadro de escolhas). Choice boards são sistemas interativos, on-line, que permitem que clientes individuais desenhem seu próprio produto, escolhendo a partir de um menu de atributos, componentes, preços e opções de entrega. À medida que as escolhas vão sendo feitas pelo cliente, sinais vão sendo mandados para o sistema de fabricação do fornecedor, que coloca em ação as engrenagens da encomenda de componentes, montagem e entrega.”
De novo: o papel do cliente muda. De receptor passivo para projetista ativo…
Uma conseqüência direta disso é que, por serem essencialmente ferramentas para design e canais de transmissão de informação, os choice boards não precisam ser, e certamente não vão ser, controlados pelas empresas que produzem os produtos.
Já pensou nas implicações disso? Eliminando o intermediário clássico, a economia digital aumenta o valor da informação na sua mensagem.
Entre parênteses. Dizem que a profissão do futuro será designer de web sites. Discordo. A melhor pedida para quem quer se estabelecer profissionalmente na onda da Internert é se especializar em logística. A Internet é boa para se obter a informação, comparar e comprar, mas o desafio ainda é a entrega. Logística, rapaz, logística. Design de web sites vai ser breve o que “digitação” e “processador de texto” foram no passado recente. Todo mundo vai saber. A Internet é excepcional para se identificar, de casa, o produto certo, pelo preço certo, esteja onde estiver esse produto. Mas o desafio maior do e-commerce e o que, na minha opinião, vai fazer a diferença, é a entrega no tempo certo. Quando você precisa de algo imediatamente, você vai até seu carro e sai pra comprar, não vai até o computador se conectar… Do ponto de vista puramente utilitário – melhores salários/maiores oportunidades -, os melhores empregos da economia da informação (se você ainda se interessa pela noção antiga de emprego), serão em logística de distribuição.
6. Na era do digital…
Nada detém a informação em sua ânsia de reconfigurar modelos antigos e acabar com limitações de espaço e tempo.
Repare, leitor, que quando a informação é transportada por coisas – um memorando, um folheto publicitário, um vendedor – como acontece no mundo analógico, ela, a informação, só chega até onde o veículo que a transporta chega. Não pode ir além.
A lei básica da comunicação no mundo analógico diz assim:
“Se você quer comunicar precisamente as características de seu produto ou serviço, você tem de usar um canal de alcance limitado, não pode atingir muita gente. Se você quer atingir muita gente, tem de abrir mão dos detalhes, você não pode pretender ser detalhista”.
Informação rica, audiência pequena e vice-versa. Não dá para ter os dois.
Anunciando na TV, por exemplo, eu atinjo muita gente, mas tenho de limitar a quantidade de informação de minha mensagem. “Quer detalhes? Procure nosso representante”.
Em inglês, num trocadilho com a sonoridade das palavras, diz-se que a mensagem econômica ou tem reach ou é rich. Alcance e riqueza de detalhes são incompatíveis. É um ou outro.
Por que eu preciso de vendedores? Porque, para informar detalhes do meu produto -automóvel, seguros, enciclopédia, imóveis, viagens – essa é a maneira mais prática. Simplesmente não há outra. Nada na economia fugia dessa lógica, até que chegaram as mídias digitais – até que a Internet chegou.
A Internet, possibilitando comunicação precisa e instantânea, alcance mundial, vira tudo de pernas para o ar, porque acaba com a necessidade de escolhermos entre reach e rich. Você pode ter os dois. Em que isso tudo implica?
1-Todas as empresas estabelecidas vão ter de se reconfigurar e, basicamente, isso é negativo para elas.
Não se iluda, leitor, as empresas, apesar de todo blablablá de modernidade, agilidade, vantagem para o consumidor etc, em geral, estão detestando isso tudo, e por uma razão simples: o cliente, informado, passa a estar no comando, não elas.
Sejamos sinceros. A estrutura das relações de compra e venda é montada em função da ignorância do cliente. A frustração do cliente está embutida, by design, nos nossos sistemas de negócios. Por mais que se fale em customização, relações um-a-um etc e tal, as empresas sabem que ainda se ganha bastante dinheiro ignorando essas coisas.
Elas não criam essa ignorância, entenda bem, apenas a exploram. Suas linhas de produtos, no máximo representam uma melhor estimativa do que elas, empresas, acham que os clientes vão desejar, e eles então que se virem.
Customização? Não brinquem comigo…
Quem vende sempre explora a impossibilidade de se obter informação.
Pense no que você tem de fazer para comprar uma camisa, por exemplo: você tem um milhão de possibilidades e, para fazer comparações, tem que andar um bocado, visitar dezenas de lojas e perder um tempão. Uma busca ampla leva tempo, é cansativa e, fatalmente, incompleta. Ninguém faz isso. Não navegamos assim, para usar o termo técnico. O que fazemos? Preferimos ir a uma loja já conhecida. Essa loja conquistou você como cliente, exatamente por sua impossibilidade prática de fazer uma busca ampla – de navegar de outra forma.
Na Internet, milhões de pessoas trocam maciças quantidades de informação, diretamente, rapidamente e de graça. Os consumidores podem fazer buscas muito mais precisas e sem custo, ou a custo irrisório. A navegação e a escolha ocorrem independentemente da loja física e de seu sistema de distribuição.
A disponibilidade da informação, rica e ao alcance de todo mundo, significa para as empresas simplesmente o seguinte: agora vai ser mais difícil ganhar dinheiro. O consumidor está no poder. Ele tem todas as informações. Ele pode me comparar com meus concorrentes, no mundo inteiro, instantaneamente.
Eu, empresa, vou ter de ser realmente boa. Vou realmente ter de ser mais eficiente, vou ter realmente de ser transparente para o cliente. Ou faço isso ou estou fora.
Um subproduto excelente da economia da Internet é que ela vai forçar essa turma toda a praticar o que já se sabe (e se fala) há tempos: “cliente em primeiro lugar”, “empresa totalmente voltada para o cliente”, blablablá.
A verdade é que a maioria das empresas não tinha, na era analógica, qualquer motivação econômica para ser voltada para o cliente. Apesar de toda a conversa fiada dos últimos quinze anos, empresa voltada para o cliente é exceção.
Agora não. Não é mais opcional. Ou você faz ou morre.
E não é só cliente pessoa física, não. A Free Markets On-line, uma empresa de Pittsburg, desenvolveu um software que permite que grandes compradores industriais organizem leilões on-line. Nos 48 leilões que organizou até o fim do ano passado, a maioria dos participantes economizou mais de 15%, alguns chegaram a 50%. A empresa está crescendo 40% ao trimestre, e acredita que seu mercado só nos EUA seja de 300 bilhões de dólares.
Você acha que os fornecedores estão gostando? Lógico que não podem estar, mas agora são eles que não têm opção, ou entram nos leilões ou adeus.
Quem compra tem o poder. Nunca houve mudança maior.
Mas não pense que é sempre quem tem o menor preço que vence. Quem pode continua cobrando o chamado premium price por qualidade extra. O que está mudando é: se você não tem qualidade extra, vai ter que baixar o preço, amigão. A nova economia o expõe. A economia digital força a transparência.
Empresas da era analógica (as nossas empresas) têm filiais, prédios, frotas de caminhão, grandes forças de vendas, parques gráficos. Essas coisas, antigamente, eram consideradas “barreiras de entrada”; isto é, dificultavam muito a vida de quem queria competir com elas. Hoje é o contrário, essas coisas podem ser uma tremenda vulnerabilidade.
Imagine um grande jornal, por exemplo: uns 25% da receita podem vir de anúncios classificados. O que vai acontecer quando for mais fácil e prático usar a Internet para procurar emprego, ou para obter direto uma lista dos candidatos mais adequados ao emprego que você oferece, ou comprar ou vender carros usados, ou qualquer outra bugiganga. Ter um jornal de grande circulação, ótimo conteúdo editorial, com grande volume de classificados não vai ajudar muito, certo? Todos os grandes jornais já sabem disso. Eles vão ter de se reconfigurar para ficar vivos.
Não tem nada a ver com o conteúdo editorial do jornal.
É impressionante como boa parte das pessoas ainda pensa que “ora, a Internet não ameaça os jornais, é muito chato ler jornal pela Internet”. Mas não se trata de ler jornal, trata-se da destruição de uma fonte importante de receita dos jornais. Pode escrever aí: os grandes jornais vão todos se reconfigurar nos próximos anos.
2- Se as empresas estabelecidas estão suando frio, os empreendedores estão vivendo dias de glória.
Novos competidores surgem do nada para desafiar os estabelecidos. Não vou analisar a lista usual dos campeões (Amazon.com, Dell Computers, E-Trade…), eles estão diariamente nas páginas de jornais e revistas do mundo inteiro. Nunca foi tão compensador arriscar. Há muito pouco tempo, todos os MBAs talentosos saíam da faculdade direto para empresas de consultoria (Mckinsey, Andersen) ou bancos de investimento. Hoje não, os alunos deixam seus cursos de management com um diploma na mão, uma idéia na cabeça e se mandam para Silicon Valley, onde vão se engajar em novos experimentos empresariais que ninguém tentou ainda. Vários ficam milionários da noite para o dia.
A economia da informação se resume às implicações de um único fato realmente revolucionário: o marketing tem de ser totalmente centrado no poder do cliente, na redefinição do papel dessa entidade econômica que nunca teve importância nenhuma – o cliente. Quem entender e explorar as implicações disso é que vai vencer.
3- As estratégias mais produtivas para quem tem um negócio estabelecido (analógico ou de “cimento e tijolo”) são estratégias cooperativas, não competitivas.
Não estamos numa guerra entre o mundo digital e o analógico. Metáforas guerreiras (Sun Tzus etc) nada valem hoje. O mundo analógico já perdeu, mas como você tem um negócio estabelecido nesse mundo (seu $$$ vem daí, certo?), tem que manter um pé lá, outro cá, e ir tirando o pé de cá aos poucos, senão você cai.
Para mim, a economia da web e a economia do mundo “real” vão co-evoluir e adaptar-se uma à outra. Não se trata de mundo real versus virtual. Trata-se de um novo domínio real/virtual. Quando o virtual se integra ao real, é que o potencial de surpresa, novidade e valor econômico se torna maior, não quando um substitui o outro abruptamente. Amazons e Yahoos são excitantes, mas em minha opinião, não são o modelo acabado do que vai se estabelecer. O que vai se estabelecer são modelos mistos.
Uma a uma, todas as coisas que nos importam na vida, todas as formas de expressão humana, estão sendo tocadas pelas possibilidades do digital – comunicação limpa e precisa. O imperativo crescente das empresas é se reinventar; isto é, prepararem-se para, via Internet, tornar-se cada vez mais digitais. Esse para mim é o mais interessante desafio no mundo empresarial hoje: você sabe que tem de colocar seu negócio na web sob pena de estar morto daqui a algum tempo, mas não pode correr o risco de desmotivar seu canal de distribuição tradicional, senão morre hoje.
Essa coisa de um pé no presente e outro no futuro, é um tremendo desafio gerencial. Tem de ser enfrentado, mas essa reinvenção não pode ser radical, em minha opinião.Tem de ser gradual. Em vez de criar dois negócios separados (o que é inevitável em alguns casos, mas não em todos) integre os dois. Vai haver conflito, mas ele pode ser gerenciado. É a inabilidade para fazer isso que está causando os maiores problemas aos negócios estabelecidos hoje.
Em uma palavra: a primeira etapa é integrar o mundo virtual ao real e deixar os dois co-evoluírem. Gerenciar esse processo. Só o tempo vai mostrar como a coisa vai ficar, antes é impossível saber. Ninguém sabe. Quem diz que sabe está mentindo.
Suponha que você está na CompUSA, a maior rede de megastores dos EUA. Cada loja é super-estocada com PCs, periféricos e softwares. Você acha de tudo lá. Cada item tem na caixa o endereço de um website na Internet. Suponha que um certo PC ou componente esteja em falta numa loja, em certo momento, mas está disponível para compra no site da própria rede, o compusa.com. Por que, então, não deixar o cliente se conectar à Internet, comprar o que quer on-line e receber em casa? “Desculpe”, diz o vendedor, “mas não podemos, mesmo sabendo que há milhares de computadores na loja e que todos já vêm com modem, browser e… bem, desculpe… não dá. Política da empresa”.
Outro exemplo: seria de se esperar que um cliente pudesse comprar um livro na barnesandnoble.com e optar por pegá-lo na livraria (de cimento e tijolo) da B&N mais próxima de sua casa ou trabalho. Assim, economizaria nos custos da postagem. Sem chance. E se você comprasse um livro on-line via barnesandnoble.com, mas depois decidisse trocá-lo por outro numa livraria física da B&N? Esqueça.
Suponha ainda que você esteja numa das 1.000 livrarias da B&N mas não lembra exatamente o nome do autor ou título do que quer comprar. Por que não se conectar, na própria loja, rapidinho, ao website barnesandnoble.com e, em 3 ou 4 minutos no máximo, obter a informação? “Proibido”, diz o vendedor. “A política da empresa é manter o website como uma empresa separada das livrarias reais”.
(Fonte: “Digital Darwinism” – Evan Schwartz; Broadway Books, 1999.)
É isso o que realmente está causando problemas às empresas hoje. Elas não percebem que digital e analógico (virtual e cimento-tijolo) podem e devem ser parte de uma mesma realidade num primeiro momento. Não têm necessariamente de ser antagônicas.
Anos e anos de consultores e gurus falando em reinvenção radical da empresa, reengenharias, metodologias para turnarounds revolucionários, metáforas guerreiras etc… dão nisso.
7. Informação é estratégia, entendeu?
Além de “surpresa”, informação no mundo empresarial é também aquilo que junta as atividades da empresa (a “cola”) e, assim, se confunde com a própria idéia de estratégia – aquele conjunto de atividades que, realizadas coordenadamente, dão a sua empresa o direito de ganhar mais do que gasta, e ficar viva.
Estratégia é a arte de criar valor para o cliente. É a maneira através da qual a empresa define seu negócio e junta as duas únicas coisas que realmente importam: conhecimento e relações. Ou seja, ajusta as competências da empresa (o seu dentro) aos clientes lá fora. Veja um bom exemplo:
IKEA – o maior varejista mundial de móveis e utilidades domésticas. Os elementos do sucesso da IKEA são: móveis simples, de alta qualidade, design escandinavo, fornecedores de componentes no mundo inteiro, kits (de mobiliário) fáceis de transportar que os clientes levam e montam sozinhos; lojas enormes, em subúrbios, com muito estacionamento; amenidades como cafeterias, restaurantes e mesmo unidades de cuidado infantil (child care). Sua habilidade em fazer o cliente desempenhar o papel normalmente a cargo dos representantes de venda tradicionais, junto com sua competência em estocar, comprar, etc, permite à IKEA cobrar de 25% a 50% menos que seus concorrentes.
Mas custo baixo não é tudo. A IKEA consegue ter custos e preços baixos porque conseguiu reconfigurar os papéis, relações e práticas no negócio de móveis. O resultado é um sistema integrado que inventa e cria valor, alinhando as várias competências dos participantes de uma maneira mais eficiente e efetiva do que ocorrera no passado. Isso é informação: a cola que dá consistência ao arranjo final.
Repare na relação da IKEA com seus clientes. A empresa imprime mais de 45 milhões de catálogos todo ano, em 10 línguas. Apesar de cada catálogo cobrir não mais de 30% a 40% dos cerca de 10.000 produtos da empresa, cada cópia vira um script, explicando o papel de cada ator no sistema de negócios da empresa.
Nas lojas, há supervisão de cuidados infantis, playgrounds, cadeiras de rodas para os idosos, restaurantes etc. A idéia é tornar a ida à IKEA um programa para a família. Quando entram, os clientes recebem fitas métricas, papel e lápis, catálogos… tudo para fazê-los não precisar da ajuda de um vendedor. Os produtos são grupados de modo a representar não apenas mesas e cadeiras, mas “designs de espaços vitais”. Depois de pagar, os clientes colocam seus kits em carrinhos e os levam para seus carros. Se o pacote não cabe no carro há um rack de teto para o transporte, que o cliente pode comprar ou pegar emprestado.
A IKEA oferece mais que mobília “co-produzida” (isto é, produzidas por ela e pelos clientes em conjunto), ela oferece melhorias co-produzidas em design de interiores, informação, equipamento, seguro e shopping como forma de entretenimento… O objetivo da empresa não é poupar o cliente de fazer certas atividades, mas mobilizá-lo e motivá-lo a fazer coisas que ele nunca fez antes.
(Fonte: “From Value Chain To Value Constellation” – R.Norman & R.Ramirez, Harvard Business Review – 08/1993.)
Repare como isso é a representação exata do nosso modelo para a nova economia da informação: experiências, choice boards etc. O cliente escolhe. O cliente projeta. O cliente se engaja em vivências que antes ele nem sabia que podia viver. E adora. Diverte-se. É um performer. Ele faz a coisa acontecer.
A IKEA inventa valor, motivando o cliente, ele mesmo, a desempenhar as atividades que geram valor.
Anote aí: bem antes da Internet, os businessmen mais talentosos já estava percebendo que o cliente adoraria ser parte da ação, que ele não se importaria a mínima de desempenhar papéis antes destinados a outros, desde que isso trouxesse vantagem real para eles, em preço ou comodidade. Juntar preço mais baixo com comodidade e com experiências interessantes para o cliente é o mapa da mina.
Veja os caixas eletrônicos. Para os próprios bancos, foi uma surpresa notar que o cliente gosta de ter aquele trabalho (ele o vê como comodidade). No início, achava-se que só clientes de baixo saldo médio iriam querer usá-los. Engano. Nos caixas eletrônicos, o cliente engaja-se numa atividade self-service, análoga àquela do cliente da IKEA na sua experiência de comparar/montar móveis.
Os bancos que nunca imaginaram ou previram que isso ia acontecer, agora têm de se dedicar a coisas que permitam ao cliente executar sua performance de forma cada vez mais divertida e funcional: eles agora investem seu tempo desenhando cabines mais interessantes, cartões que não sejam engolidos pela máquina, sistemas de informação e interfaces gráficas agradáveis que conectem o cliente, lá na ponta, aos sistemas internos do banco.
É a informação, o digital, o virtual, a cena, o script, os atores, o papel representado por cada um. Tudo mudou. Tudo se reconfigurou.
Como ocorreu com os caixas eletrônicos no início, ainda hoje há quem insista em que o cliente nunca vai usar maciçamente a Internet, porque “pessoas gostam de contato face a face”. Interações via computador só seriam atraentes para gente de nível cultural baixo, dizem eles… Não acredite nesses especialistas, digo eu. É o mesmo tipo de gente que previu que o brasileiro jamais usaria filtros de papel para café, pois estávamos acostumados com a coisa “real”. Aquele anti-higiênico filtro de pano que sua avó usava é que, para eles, era a tal “coisa real”. Essa gente não sabe de nada.
Havendo vantagem (preço + comodidade), o cliente se engaja. Havendo, além disso, oportunidade para que ele, cliente, participe e experimente algo surpreendente e divertido, ele até paga mais por isso.
Marketing é sobre gente; gente adora brilhar e adora brincar. Os contextos digitais permitem isso. Criando palcos virtuais para pessoas comuns, a informação atinge o centro do que significa ser humano, e as transações econômicas vão explorar isso.
O novo posicionamento das empresas
Estratégia vai incorporar a experiência do cliente.
Todos os artigos recentes sobre competência estratégica citam (além da IKEA) a SouthWest Airlines como exemplo. Num momento em que a maioria das grandes companhias aéreas americanas está mal, a SW continua firme, rentável e admirada. Michael Porter fala da excelência com que a empresa conseguiu, a la IKEA, reduzir custos graças à competência com que tem sabido integrar um conjunto preciso de atividades e ignorar outras: voando apenas em rotas domésticas nos EUA, sem assento marcado, sem refeições, sem manuseio de bagagem, tendo um período de parada em aeroportos mais curto, pessoal de terra mais produtivo, uma tripulação menor que a dos concorrentes, quase não pagando comissões a agentes de viagens (vende direto), etc.
A cola da informação dando forma a um modelo muito original de empresa aérea.
O cliente da SW adora voar com a empresa e, como ocorre com a IKEA, assumiu alegremente várias tarefas que antes eram desempenhadas por funcionários. A revista Fortune de 28/02/2000 classifica a SW como a sexta empresa mais admirada dos EUA.
Mas não é só isso. Vários exemplos clássicos de bom posicionamento estratégico têm um lado que Michael Porter – a suprema autoridade do ramo – não valoriza, mas talvez devesse: o engajamento do cliente. Voar na SouthWest é uma experiência única. A tripulação é treinada para proporcionar uma experiência singular ao cliente. As pessoas na empresa são selecionadas também em função do bom humor e têm liberdade total para se divertir no trabalho.
Assim como acontece com a IKEA, é o envolvimento, o engajamento total do cliente, o prazer da brincadeira de montar seus próprios móveis ou de participar de performances durante um vôo. É quase um jogo. Concursos, encenações, shows – tudo conduzido pela tripulação com a participação ativa dos passageiros. Experiência. Teatro. Engajamento.
O marketing do futuro muito próximo não só vai reconhecer, bem no seu âmago, a primazia do cliente, mas será totalmente desenhado em função de suas experiências (não de promoções, ou preço, ou mesmo do produto…).
Vai ter de entender não o que o cliente quer, mas o que o cliente sente e percebe.
A nova economia da informação é 100% humana.
No livro Computers as Theatre, Brenda Laurel diz: “o design de experiências humanas via computador nada tem a ver com desktops melhores, telas mais bem arranjadas, ícones mais bonitos, mas sim com a criação de mundos imaginários que têm uma relação especial com a realidade. Mundos nos quais possamos estender, amplificar e enriquecer nossas capacidades de pensar, sentir e agir.”
Exato. O cliente quer estar envolvido. Quer ser ator, não figurante.
As mídias digitais, permitindo outro nível de comunicação, possibilitam a criação de novas realidades, tão reais quanto quaisquer outras. Realidades que são intermediadas pela linguagem digital e levam a experiências ricas em surpresa e significado.
É por essas experiências que o cliente vai pagar.
É no seu desenho que você vai ter de ser bom.
*Texto expandido do artigo publicado na revista Exame de 04/2000.