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A Internet e a nova lógica da economia na era do indivíduo

Há cerca de dois anos, escrevendo sobre as dificuldades de se tentar lidar com a Internet segundo a lógica convencional do mundo do business, eu disse:

Marketing não é ciência. É uma questão de sensibilidade para usar linguagens certas. Isto é, linguagens que provoquem respostas. Convites ao diálogo que sejam aceitos.

E a Internet o que é?

Bem, se você pensa que ela é só uma super rede de comunicações, está enganado. Ela não é uma “coisa”; não é uma nova mídia convencional. Não é para ser usada como se usa a TV ou outdoors. Não é lugar para exibições.

Ela é a emergência surpreendente de um “algo” que ninguém conseguiu ainda capturar nem definir direito. Uma virtualidade, se você me permite, que superpõe uma nova dimensão da realidade à nossa experiência cotidiana. (Sim, a realidade para o marqueteiro é sempre virtual, mas isso é outro papo…)

A Internet, que num primeiro momento era apenas uma manifestação tecnológica intrigante e curiosa, revela cada vez mais outras nuances. Transforma-se numa espécie de artefato cultural muito mais denso de significados do que parecia à primeira vista. É seu profundo apelo a nossa humanidade que a distingue. Quem tem dado certo na Internet é quem entendeu isso.

Duas publicações recentes nos ajudam a perceber melhor do que se trata. “New Rules for The New Economy” de Kevin Kelly (Viking Press, 1998) não é propriamente sobre a Internet, mas sobre o impacto dessa coisa de conectividade na sociedade e na vida. Kelly escreve sobre o efeito misterioso e espetacular que brota quando se interconecta maciçamente pessoas e coisas. O mantra que ele repete sem parar é a força da conexão em rede. Para ele, algo quase místico, sem paralelo na história da humanidade, emerge daí, e, se nem tudo que é rede é Internet, ela é obviamente a manifestação mais dramática das possibilidades da lógica da interconexão. Kelly (editor da revista Wired) é um papa da era tecnológica. Um fanático pelas possibilidades que a tecnologia abre para que possamos gerenciar melhor o conhecimento, comunicação e informação. Deixando de lado seus messianismos (que às vezes soam irritantemente exagerados), qual o centro de sua mensagem?

A premissa central é que o mundo do soft – o mundo dos intangíveis: da mídia, do software, dos serviços – logo vai dominar e comandar o mundo do hard – o mundo da realidade física: dos átomos, dos objetos, do aço, do petróleo, do trabalho duro realizado com suor no rosto. Aço e toras de madeira vão obedecer às leis do software. Automóveis vão seguir as regras das redes, chaminés serão comandadas por knowledge. “Se você quer vislumbrar onde estará o futuro de sua indústria, imagine-a como sendo um negócio totalmente em torno do soft, mesmo que hoje você a veja baseada no hard”.

E daí segue: comunicação é a essência de tudo que tem a ver com tecnologia digital, portanto comunicação não é um setor da economia. Ela é a economia. Onde isso nos leva? Ao cerne do seu discurso: algo de misterioso e surpreendente acontece quando pegamos grandes quantidades de coisas, antes isoladas, e as conectamos. Quando permitimos que um objeto inerte transmita pequenas quantidades de informação e que receba inputs de suas vizinhanças, nós transformamos aquele objeto inerte em algo animado e interessante. Parece que há um desejo visceral de participação. Algo que grita:”Ei, estou aqui, estou aqui!!” Essas coisas não precisam ser inteligentes. Podem ser simples, banais. Podem ser bastante estúpidas até. É a interconexão que gera um todo inteligente ao permitir que, bendigamos, a verdade de cada um aflore.

A era industrial morreu. Na era do soft (do intangível, da rede), a maneira de se ganhar não é como Henry Ford fazia: montando enormes estruturas para produzir em massa grandes quantidades de coisas. O ganho não está na “coisa”. Está na rede. Ou melhor: o que tem valor é a relação.

Uma boa maneira de se formar uma rede? Dar coisas de graça.

Para produzir o primeiro “exemplar” do Netscape, gastou-se 30 milhões de dólares, mas a segunda cópia custou só 1$.O preço da postagem, praticamente. E cada cópia adicional do Navigator vendida aumenta o valor de todas as cópias prévias pelas oportunidades de transações que oferece. E quanto mais valor as cópias acumulam, mais desejáveis elas se tornam, e por aí vai. Uma vez que o valor e a indispensabilidade do produto tenham ficado estabelecidos, a empresa vende serviços a auxiliares ou upgrades para os primeiros usuários, enquanto continua com sua generosidade para com os novos entrantes. O mandamento básico é simples: crie uma rede de usuários, a maior possível. O valor não está na coisa, está na rede
.

Esse papo de generosidade empresarial às vezes irrita os homens de negócio mais hardcore, mas é uma maneira testada de se lançar um produto no market space que está emergindo. Stewart Brand, do Global Business Network, diz: “O maior evento da Internet hoje é a ausência de um business model”. É verdade. Dar o produto de graça? Que lógica de negócios é essa? É por desafiar nossa mentalidade “coisa”, produto, era industrial, que tem havido tanto “choro e ranger de dentes” com tentativas de se replicar na Internet modelos de marketing da idade da chaminé.

A segunda boa leitura que recomendo é o artigo de Gary Hamel e Jeff Samples na Fortune de 7 de dezembro de 1998: “The E-corporation – More than just web based its building a new industrial order”. O tom messiânico é o mesmo: “A Internet mudará a relação entre consumidores e produtores de maneiras mais profundas do que possamos imaginar. A Internet não é apenas outra mídia para propaganda, não é um novo canal de marketing. Não é apenas uma maneira de se acelerar transações econômicas. A Internet é a fundação de uma nova ordem industrial”.

A chave da coisa toda é a inversão completa das relações entre quem vende e quem consome: quem está no controle agora é o consumidor. A Internet é o triunfo absoluto do consumerismo.

A net é uma experiência que valoriza profundamente, digamos, a humanidade de cada um de nós. Que permite e estimula você a ser você. É algo que coloca você no centro, não mais esses modelos publicitários sem correspondência no mundo real. Sem truques, sem manipulações. Ela é sobre escolha, liberdade e controle. É um “lugar” para escapar, digamos, da artificialidade do marketing tradicional. Talvez valesse a pena um estudo mais completo desse dado central: quem tem dado certo na net, nada tem a ver com o marqueteiro tradicional. Quem dará certo na net é quem entender e dominar a profunda subversão que representa o simples fato de que quem manda nela é o ser humano normal: feinho, sozinho, chatinho, sem glamour ou charme especiais.

A net o valoriza e aplaude. Ela é para ele.

*Artigo publicado na Internet Business de 01/1999.

“O pessoal de Marketing tem apanhado um bocado para desvendar os segredos e o potencial da Internet (é veículo para expor mensagens e gerar recall? Oportunidade para qualificar prospects e gerar leads de venda? É meio para venda direta? O que é em termos de marketing?).”

Muitas bobagens têm sido feitas na web por causa do habitual simplismo com que as chamadas análises de mercado são realizadas.

Se a Internet é realmente essa maravilha que todos dizem – inclusive eu – por que é tão difícil fazer diferença em termos de marketing usando-a?

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