Gestão é resultado, não esforço.
Da Física à Administração. Clemente Nobrega, físico, consultor de empresas, escritor e palestrante, lançou seu novo livro: A Ciência da Gestão, para tratar da gestão como uma disciplina. Clemente, que atuou como físico durante 12 anos, cursos Strategic Marketing Management, na Harvard Business School, foi diretor de marketing da AMIL Assistência Médica por dez anos e fundou em 2000 a TFK – Tools for Knowledge, consultoria e treinamento em práticas gerenciais de alto nível. Autor de outros livros como: Em Busca da Empresa Quântica e Antropomarketing, o novo trabalho de Clemente aborda a gestão de uma maneira mais científica e menos palpiteira.
Na entrevista a seguir, Clemente Nobrega fala dos conceitos da “ciência da gestão” e da importância desse conhecimento para todos,independente do cargo que ocupe.
VendaMais – O que é a “Ciência da Gestão”?
Clemente Nobrega – É como um corpo de conhecimentos codificados que nos permite tomar decisões com mais chance de acerto. Toda ciência tem princípios, mas, se perguntarmos a qualquer gestor profissional quais são os fundamentos para a gestão, teremos respostas do tipo “é a arte de obter resultados”. São poucos que vão dizer o que deve ser feito em cada circunstância para obter os tais “resultados”.
VM – Qual é o princípio da “ciência da gestão”?
CN – Um primeiro eixo é estabelecer o que define sucesso e onde se quer chegar. O gestor vai ter de definir esse objetivo e, em seguida, desconstruí-lo,identificando o que fazer e em que ordem de prioridade fazer para chegar lá.Isso implica em priorizar recursos (pessoas, dinheiro, equipamentos, instalações)e fazer escolhas. Sucesso na empresa privada se mede em valor econômico.A noção de valor é o fundamento de tudo e a maneira que eu uso para categorizar as circunstâncias das organizações é baseada numa descoberta de Clayton Christensen – professor da Universidade de Harvard – relacionada à forma como elas decidem agir para capturar dinheiro. Resumindo, a força motriz que impulsiona tudo o que uma empresa faz (as decisões que toma, os mercados em que entra, o tipo de pessoa que contrata) depende dela estar numa situação mantenedora ou “disruptiva”.
VM – Qual é a diferença entre uma empresa mantenedora e uma “disruptiva”?
CN – Mantenedoras são as tradicionais, tudo que fazem é condicionado pelo desejo de manter ou aumentar o dinheiro que seus acionistas já se acostumaram a ganhar. Empresas “disruptivas” não têm passado, entram no mercado “por baixo”, criando apelos para um tipo de cliente que não interessa muito às organizações estabelecidas, pois geram margens menores que os tradicionais. O produto que as “disruptivas” vendem, geralmente, é menos sofisticado que o das estabelecidas. Pense na Gol Transportes Aéreos, nas Casas Bahia.Todo o esquema de categorizar as ações que o gestor deve desempenhar é baseado nessa primeira clivagem: minha empresa é mantenedora ou “disruptiva”?
VM – De acordo com essa visão, o que é gestão?
CN – É um “agir” inspirado por uma maneira particular de mentalizar o mundo. Mesmo organizações sem fins lucrativos e até pessoas, precisam do que chamo de “mentalidade gestão”. Supervisão é passado. As empresas precisam de gente que agregue valor ao que elas fazem, não de capatazes que “tomem conta”. Gestão é estratégia, inovação e marketing. É sobre ganhar mais do que se gasta, descobrir maneiras de fazer isso. É entender as motivações íntimas de quem compra de você. Gestão é resultado, não esforço.
VM – Quem não pensa assim não dá para isso?
CN – Não. Esforçar-se não traz sucesso. O que traz sucesso é esforçar-se na direção certa. Descobrir essa direção é que é “o pulo do gato”.
VM – Existe um manual que diz como o gestor deve agir?
CN – Existe um método, uma disciplina, mas não um manual. Medicina não tem manual, engenharia e direito também não.
VM – Como se pensa e age certo em gestão?
CN – Partindo das circunstâncias específicas do problema que está tentando resolver, seja ele qual for. É errado tentar generalizar um “modo certo de agir” independentemente das circunstâncias. É errado dizer que terceirizar é o melhor a fazer na empresa. A Casas Bahia, por exemplo, não terceirizam a entrega, nem a fabricação dos móveis que vendem, e tem um enorme sucesso. Nas circunstâncias de seu mercado atual isso está correto.
VM – O senhor disse que todos devem ter a “mentalidade gestão”. Um vendedor precisa entender de gestão para vender?
CN – Sim. O ponto de partida é que o valor deve ser definido de fora para dentro. É o cliente que define o que é valor, não o vendedor. Grande parte dos vendedores ainda tem a mentalidade de empurrar produtos para quem compra, partem do produto, não do cliente. Todo bom vendedor faz o contrário.
VM – No livro “A Ciência da Gestão” o senhor comenta que “ouvir o cliente”, “perguntar o que ele quer” e “fazer o que ele deseja” são conceitos enganosos e suicidas. Qual é a forma de conhecer as necessidades do cliente?
CN – Não é correto perguntar porque o cliente não sabe ou só consegue responder o óbvio. O que importa é a capacidade para descobrir o que o cliente quer, observando como ele vive sua vida e concluindo a partir dessa observação.
VM – Então, marketing é circunstância. Não é foco no cliente, e sim numa circunstância específica em determinados momentos. Por quê? Como o vendedor pode tirar proveito disso para obter melhores resultados?
CN – Porque as necessidades dele mudam, temos de pensar na circunstância em que ele está. Alguém pode preferir o McDonald’s em certa situação (crianças com fome e a empregada faltou) e a mesma pessoa vai preferir um restaurante chique em outro momento (um encontro de negócios). Isso é óbvio, mas não é praticado.
VM – Vender é a “ciência das circunstâncias”?
CN – Claro. Sem esse entendimento fica-se focado no seu produto e não no cliente.
VM – Quais as características que um vendedor precisa ter para chegar a gestor? Ou pelo menos ser gestor de si mesmo?
CN – A principal é estar muito bem informado sobre as necessidades e desejos de seu público. O bom vendedor descobre isso por ele.
VM – Quais são as características e qualidades que um gestor precisa ter?
CN – Habilidade para entender o que o cliente considera valor; lidar com a competição; estabelecer métricas claras; discernir pontos fortes e fracos com sua própria organização; capacidade de liderança para mudar os rumos.
VM – Gestão é sempre sobre escolhas? Em que conceitos o gestor deve se apoiar para tomar suas decisões?
CN – Sempre. Para decidir, deve se apoiar no seu critério de sucesso. Naquilo que define sucesso para ele.
VM – Por que pessoas inteligente, criativas e empreendedoras tomam decisões que levam ao fracasso? Como tomar as decisões certas?
CN – Porque a tendência inconsciente de qualquer gestor é continuar a fazer o que deu certo. Isso pode ser um erro enorme dependendo das circunstâncias. A tendência de ficar no conhecido é humano. Mudar é antinatural, principalmente se você tem sucesso. É por isso que liderança é tão fundamental.
VM – Em time que está ganhando não se mexe? Empresas de sucesso precisam mudar suas estratégias?
CN – Em time que está ganhando se mexe sim, porque o mercado se mexe. Os mercados mudam. Eles deixam de valorizar coisas que valorizavam antes.
VM – Qual a importância dos líderes nos processos de inovação?
CN – Só o líder pode bancar o novo. Seu papel é se mover em sintonia com os mercados, e, dependendo de qual mercado atue, vai ter de mexer em time que vem ganhando sim.
VM – Os conceitos da “ciência da gestão” podem ser utilizados em pequenos negócios?
CN – Se o negócio é pequeno e quer permanecer pequeno ele tem que se preocupar em fazer bem o “feijão com arroz” do dia-a-dia e rezar para que não apareça um grande por perto. Essa opção é de risco, pois pode desaparecer de uma hora para outra. Negócio pequeno, por razões econômicas, não consegue resistir quando um concorrente grande chega perto. Para ser relevante e permanecer, o pequeno tem de ter a ambição de crescer, senão será uma aventura artesanal de um grupo de empreendedores. Agora, se é pequeno e quer crescer, o mecanismo que me parece ter mais apelo para realidades como a do Brasil é o da “entrada por baixo”, que Christensen chama “disrupção”. Voltamos à categorização mantenedor/disruptivo. Pequeno que quer ficar pequeno é possível, mas não é recomendável. Pequeno que quer ganhar escala e relevância é o mais estimulante. Para crescer ele vai ter de gerar dinheiro novo de alguma forma. Vai ter de fazer coisas que não fazia. Vai ter de inovar.
VM – Como agir em empresas onde é proibido errar e, portanto, é proibido tentar e inovar?
CN – Saia dessa empresa. Ela não tem futuro.
VM – A maneira pela qual a empresa inova é que define o que o gestor deve fazer?
CN – É isso que vai determinar se ele é gestor mesmo ou apenas supervisor. Toda empresa TEM de inovar, não há mais como ganhar dinheiro por muito tempo fazendo o que sempre se fez. Inovação virou o “prato do dia” em gestão porque não há outra maneira de se continuar ganhando dinheiro. As tecnologias que moldam o mundo das relações econômicas igualam tudo muito rapidamente. Sua vantagem de hoje desaparece cada vez mais rápido. Porém,as empresas não podem inovar de qualquer maneira. Elas não têm liberdade para isso. Empresas estabelecidas só podem inovar de forma mantenedora, por meio de um processo tipo “mais do mesmo”. Por isso defendo idéia de que ensinar/ aprender gestão deve começar com um mergulho na dinâmica da inovação, pois são as circunstâncias em que a inovação pode operar na empresa que definem o que seu gestor deve fazer.
VM – Qual o seu conselho para os vendedores que querem chegar a cargos de liderança?
CN – Devem entender que eles têm de ser bons em marketing, não em vendas no sentido antigo. Marketing parte do entendimento preciso do que o cliente de fato quer e deseja. Não parte do que eu tenho para vender.
* Entrevista publicada na Revista VendaMais – Edição 125 – Setembro/2004