Innovatrix

Ao mestre com carinho

Desculpe professor, mas o senhor acertou no alvo… de ontem.

“Embora uma boa parte da administração seja baseada em intuição, existe uma disciplina com base científica inquestionável, que norteia toda a prática de administração: Pesquisa Operacional! A título de exemplo, podemos citar o famoso caso do sucesso da Federal Express, que tornou-se líder mundial na logística com base na aplicação sistemática dos princípios da pesquisa operacional.”

Prof. Raad Qassim – Escola de Engenharia & COPPE – Universidade Federal do Rio de Janeiro

O trecho acima é de uma carta enviada à Exame pelo professor Raad Y. Qassim da UFRJ, comentando minha última matéria “Em Busca de Otários”.

Fiquei honrado com o comentário do professor. Fui seu aluno (ele participou da banca que avaliou minha tese de mestrado em Engenharia Nuclear na COOPPE/UFRJ em 1976). É um fino PhD, educado em Londres, um gentleman e um grande mestre.

Considero-o um craque, mas o que ele propõe (administração norteada por pesquisa operacional), bem, isso “misses the point” completamente (o inglês é uma homenagem a ele, não se trata de qualquer esnobismo). Fico encabulado de estar pensando alto em público, mas pergunto sem maldade: será que o mestre anda desatento ao mundo?

Pesquisa Operacional (PO) tem a ver com logística. Um aspecto importante da operação de qualquer empresa. Qual o número “ótimo” de garçons que um certo restaurante deve ter, se ele recebe 400 clientes, em média, por noite e tem X mesas de 2 lugares que ficam ocupadas durante Y minutos? Qual o número ideal de vendedores que minha empresa deve ter para cobrir “otimamente” uma certa área geográfica cujo potencial de vendas é Z?

Obviamente, essas são coisas importantes de se saber. A resposta precisa a essas perguntas se reflete diretamente no lucro das empresas. Pesquisa Operacional é útil, sim. Creio mesmo que grande parte das empresas teria muito a ganhar se usasse um pouco da disciplina de PO para adquirir insights novos sobre a alocação de seus recursos. PO é sobre maximizar produtividade. É sobre otimizar. Quer saber mais sobre isso? Pode perguntar ao Prof. Qassim. Ele conhece esse assunto profundamente.

Mas, com todo o respeito, eu não diria que PO “norteia toda a prática da administração”. Não diria mesmo. Eu reformularia: otimização norteia toda a prática da administração de “ontem”. Isso mesmo. Administração hoje nada tem a ver com otimização, mas sim com a mente humana; com ambigüidade, incerteza e paradoxo; com a Internet, conexão e rede; com informação; com o indivíduo. Essas coisas definem uma lógica que nada tem a otimizar no sentido tradicional. Ela é antiotimização, se vocês me permitem.

É isso que está saltando aos olhos.

A metáfora dessa era pós-industrial (em que já vivemos, mas não entendemos) não é mais a máquina. Máquinas, sim, deixam-se otimizar. Faça um bom projeto. Ajuste bem. Sintonize direito os parâmetros da operação. Lubrifique as engrenagens. Otimize. Otimize. Otimize.

Mas a nova metáfora é a do orgânico, do organismo. A nova lógica é a biológica e otimização nesse domínio é outro papo.

Vejam o que se considera o maior paradoxo da era da informação: não se consegue detectar o efeito da informatização nas estatísticas sobre produtividade.

Informatiza-se pra valer. Automatizamos tudo. Somos tão dependentes do poder do microchip que uma distraçãozinha nossa gera o tal “bug do milênio” – um cochilo potencialmente catastrófico. (Na última vez que confiamos desse jeito num artefato tecnológico ele bateu num iceberg e afundou. Nosso medo é justificado.)

Mas, com toda automação, cadê a produtividade que não aparece nas estatísticas? Automação otimiza ou não?

Kevin Kelly, num livro recente (“New Rules for the New Economy”- Viking Press, 1998) fez uma série de comentários sobre isso, dos quais me aproprio, em parte, a seguir.

Gerar oportunidades é muito mais importante que aumentar produtividade ou otimizar oportunidades que já estão aí. Muito mais importante.

A Federal Express – desculpe mestre – é um sucesso de ontem. Não estou dizendo que a empresa não esteja bem. Deve estar. Sua logística é, de fato, soberba. Mas estar bem hoje não garante rigorosamente nada. Não ensina nada. Não inspira nada.

Inovação é o ponto, não otimização. Inovação é dificílimo porque não é possível estabelecer regras para institucionalizá-la. Para que ela aconteça, as próprias regras que possibilitaram sua emergência devem ser rompidas.

Então é o contrário: a questão não é resolver problemas (a la PO), mas reconhecer, aproveitar e gerar oportunidades. Isto é: há muito, muito mais a ganhar alargando-se o espectro das oportunidades do que otimizando-se o que está aí.

Concordo: é duro nos livrarmos dessa coisa de eficiência e produtividade.

No passado, ferramentas melhores nos possibilitaram trabalhar com mais eficiência. “Bem – pensaram os economistas – então a era da informação vai ser um banho de produtividade superior.”

Pobres economistas.

Ferramentas melhores foram veículos para o sucesso de ontem. Produzindo mais output por hora trabalhada, tínhamos acesso a mais “coisas” a preços menores. O padrão de vida aumentou. Produtividade nesse sentido é tão fundamental para o crescimento econômico que todos os governos estabelecem medidas para ela e tentam aperfeiçoá-la.

Mas essa produtividade, de certa forma, é exatamente a coisa errada com que se preocupar na nova economia.

Para medir eficiência, você precisa de um output uniforme, mas onde encontrar output uniforme numa economia que valoriza cada vez mais o intangível, a customização total – do jeans à Barbie? Estilos de vida, idiossincrasias individuais, inovação criativa.

Novidade não pode ser uniforme. Máquinas é que são boas em dar conta do que é uniforme e sem surpresa. Elas adoram trabalho tedioso e repetitivo. Aperfeiçoamentos constantes fazem com que elas cada vez produzam mais “coisas” por hora. Só quem deve preocupar-se com produtividade são os robôs.

Os setores industriais dos países desenvolvidos mostraram realmente aumentos de produtividade (3 a 5%) na última década. Exatamente onde seria de se esperar esses aumentos.

Eficiência é para robô. Gente é para brilhar.

A Internet, ícone supremo dos novos tempos, não é eficiente. É extremamente ineficiente. Tem que ser ineficiente. Não tentem otimizá-la que ela congela.

A forma mais óbvia de se realizar qualquer tarefa complexa, como governar 100 milhões de pessoas, por exemplo, é vir com uma lista de todas as tarefas que devem ser executadas, na ordem em que devem ser executadas e, em seguida, estabelecer um comando central, para garantir a execução de tudo. A economia da antiga União Soviética era articulada dessa maneira – lógica, mas imensamente não prática.

O que houve com ela? Ruiu.

Agora, tentam implantar o capitalismo lá. Também não está dando certo. Capitalismo não se implanta, capitalismo vai se estabelecendo. Consolida-se step by step a partir da interação dos agentes que compõem o sistema. Só acontece com tempo. Capitalismo é não ótimo.

Oportunidades é que são para humanos.

E oportunidades exigem flexibilidade, exploração, curiosidade, tentativa e erro, além de muitas outras qualidades. Onde os humanos estão mais criativamente envolvidos com sua imaginação – que é exatamente o que os faz humanos – nós não vemos qualquer ganho de produtividade. E por que deveríamos ver?

Um estúdio de Hollywood que produz filmes mais longos por dólar é mais produtivo que outro que produz filmes mais curtos? Na sociedade de serviços de hoje, a atividade econômica acontece cada vez mais em setores como informação, entretenimento e comunicações, nos quais “volume” de output não tem sentido algum.

O problema em se tentar medir produtividade é que ela mede quão bem as pessoas fazem o trabalho errado. Kelly chega ao ponto de afirmar: “Qualquer trabalho que possa ser avaliado em termos de produtividade provavelmente deve ser eliminado da lista de coisas que pessoas devam fazer.”

Pesquisa Operacional não é o fundamento da nova administração. PO se preocupa com fazer o trabalho de forma “certa”. Administração preocupa-se com definir o trabalho certo a ser feito.

Administração é Marketing, cada vez mais, e Marketing nada tem a ver com otimização. Só tem a ver com a mente humana – percepções e idiossincrasias – não com, “coisas”, produtos. (Se Exame quiser, eu aprofundo isso num artigo futuro)

A mente humana não é otimizável.

Produtos, coisas, é que podem ser otimizados, e qualquer um deles – de qualquer categoria – já chega ao mercado hoje totalmente “otimizado”, senão nem entra. (Qual o melhor produto: um Mercedes ou um BMW? Tem sentido uma pergunta dessas?)

Concordo que num país como o nosso, chega a ser um delírio quase irresponsável pretender pular a etapa da “velha” produtividade, mas estamos falando de grandes temas, de tendências ainda incipientes mesmo entre os países desenvolvidos da sociedade globalizada.

Se o Brasil tiver mesmo pretensão de se tornar algo mais que essa “Tanzânia com elefantíase” que é hoje, vai ter que continuar inserido no mundo e, cedo ou tarde, vai ter de chegar lá.

Admito: enquanto não chega, há sim, muito a otimizar e, portanto (mas só por enquanto), meu antigo mestre pode ter alguma razão.

*Artigo publicado na revista Exame de 02/1999.

Leia também