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A quinta onda é o seu futuro – Parte II

Quem foi aí que falou em maluquice?
Uma empresa on-line chamada Reel.com foi lançada para vender cópias do megahit Titanic por $9,99 assim que o filme chegou aos cinemas. A Paramount — o estúdio que produziu o filme — fornecia-lhe as fitas a 15$.

A Reel.com gastou milhões de dólares anunciando sua promoção. O que ela queria? Atrair toneladas de visitantes e chegar ao lucro vendendo espaço de “propaganda” (banners) em seu site. Milhares e milhares de pessoas foram ao site comprar o vídeo. A Reel.com estava gastando 600 mil $ por semana anunciando a promoção, mas lucros nada. Estava quase perdendo os 7,7 milhões de dólares que os investidores tinham colocado no negócio, e ia quebrar, quando foi comprada por $ 100 milhões por um gigante do ramo de aluguel de fitas de vídeo chamada Hollywood Entertainment. Ufa!!

O que está por trás disso? A idéia de que se há um site atraindo muita gente, no fim das contas/eventualmente/de alguma maneira, ele vai virar um negócio real.

Esse tipo de jogada é motivado por ambição pura.

Se você ficou impressionado e quer tentar algo assim (afinal você é ou não é empreendedor de si mesmo?!) aqui vai a dica de um especialista americano da qual me aproprio (é ironia, mas absolutamente de acordo com a lógica vigente):

Crie um site chamado notadeumdollar.com.br. Comprometa-se a enviar notas de um dólar, novinhas, a quem lhe enviar 85 cents. Correio incluído (notas verdadeiras, claro, sou um consultor sério!). Esse site atrairá certamente milhões de clientes do mundo todo da noite para o dia. Você poderá vender milhões em espaço de propaganda. Patenteie a idéia. Procure os investidores, avise à mídia e lance ações da empresa no mercado.

Depois me conte como é a sensação de ser milionário (pela idéia eu só cobro um modesto percentualzinho do seu ganho).

A evolução elimina os organismos menos aptos; a economia digital vai eliminar esse tipo de aventureirismo. Esses booms não podem durar. O que vai acontecer? O mais provável é que os investidores, de repente, resolvam cair fora, percebendo finalmente que esses business models realmente não funcionam, ou redescobrindo que o que dá valor às empresas é lucro. Não hits; não apenas receita; não atenção da mídia; não perspectivas; não jovens corajosos.

Lucro.

(Fonte: “Digital Darwinism”. Evan Schwartz; Broadway Books, 1999.)

A lógica da quinta onda diz que a web não é apenas mais um lugar para se fazer as mesmas velhas coisas de modo um pouquinho diferente. Não é isso. É um espaço em outra dimensão que permite às empresas oferecerem valor de forma original, e permite às pessoas exercitarem, a seu modo, sua individualidade e seu direito de serem elas mesmas.

É absurdo abordar a Internet como se fosse TV.

Temos a tendência de pegar idéias novas e querer forçá-las para dentro de cabeças de ontem. Nossa ansiedade dispara quando percebemos que não funciona.

A Internet é mesmo o embrião de uma nova ordem industrial. Muda tudo. O problema não é ela, somos nós. Ela não nos autoriza a esperar linearidade e otimização. Dê um tempo. Observe. Entre nela experimentalmente, mas entre. Ela, como tudo no amanhã que já chegou, só pode se instaurar passo a passo.

6- Todas as empresas serão virtuais

As mudanças que estão vindo por aí são, de fato, empolgantes. “Neurônios de fibra ótica” conectando funcionários, fornecedores e clientes em tempo real. Dentro da empresa, ela já tem de estar comunicando-se assim, senão jamais se comunicará com o mundo exterior. Eu sei que você gostaria que isso tudo já estivesse funcionando assim. Eu sei que não está, mas não apresse o futuro. Vai acontecer.

E vai acontecer por uma questão de lógica econômica, não porque é moderninho. Em “ondas” passadas, fazia sentido ter grandes grupos de pessoas fazendo tarefas especializadas com coordenação central; mas essa entidade chamada empresa, organizada assim, está cada vez fazendo menos sentido.

É simplesmente mais econômico deixar o trabalho fluir entre times, pequenos, temporários, que se organizam e se coordenam em resposta a estímulos do mercado. É muito mais eficiente. A pressão por se tornar virtual (isto é: produzir coisas reais e oferecer serviços de valor, sem muitos “ativos fixos”) está se tornando muito forte para se resistir.

É essa a pressão fundamental da quinta onda. Ninguém tem escolha. Assim como no mundo natural as espécies evoluem em resposta ao desafio de perpetuar-se (deixando cópias delas mesmas no mundo) para você entender a evolução da web, você tem de entender o que movimenta sua dinâmica: dinheiro.

Não se choque. A Internet está propondo uma aposta ousada, empolgante e assustadora: as maneiras de se ganhar dinheiro, muito dinheiro, estão mudando radicalmente. Continue lendo.

7- Atenção: os cases empresariais mais interessantes de todos os tempos estão acontecendo nesse exato momento, e com todas as empresas ao mesmo tempo

Se você der uma olhada nas revistas internacionais dos últimos meses vai encontrar (geralmente na capa) um personagem com cara de bebê, chamado Jeff Bezos. é o executivo principal da Amazon Books, a livraria virtual queridinha de todo mundo.

A Amazon é exemplo típico do sucesso que pode se tornar padrão na quinta onda, um sucesso totalmente diferente do das ondas anteriores. Bezos não está na categoria dos malucos que mencionei, e vale à pena prestar atenção no que está fazendo.

Sempre soubemos que o valor de uma empresa é determinado por seus bens e por sua performance (lucros). Pois bem, a Amazon não tem bens e não tem lucros, no entanto suas ações são valorizadíssimas, a empresa está cheia de dinheiro captado no mercado e seu dono está bilionário.

Sua rival de “cimento e tijolo”, a Barnes and Noble, com centenas de lojas “reais” espalhadas pelos EUA, vende, via Internet, 10 vezes menos que a Amazon, mas corre um perigo real e não sabe o que fazer. A B&N, claro, tem estoque, tem ativos e tem lucro, mas vale muito menos que a Amazon (que esse ano vai dar um prejuízo de mais de 500 milhões de dólares).

É esquisito: ninguém se interessa pelo fato da B&N ter 15% do mercado dos EUA e a Amazon só 2%.Tudo o que interessa é que a amazon.com tem 8,4 milhões de clientes registrados, enquanto a barnesandnobel.com tem só 1,7 milhões, e que, de todos os livros vendidos on-line, a Amazon vende 75% e a B&N só 15%.

O valor de mercado da amazon.com é 18 bi de dólares e o da barnesandnoble.com é 3,2 bi (o da B&N de “cimento e tijolo” é menor ainda: 2 bi).

Esse é só um exemplo. Há muitos outros. O valor de mercado da Yahoo — que está só há três anos no mercado de ações — pulou de 34 milhões de dólares para 27 bilhões. Mais que a Boeing; mais do que toda a indústria siderúrgica americana.

A supervalorização das empresas virtuais está deixando todo mundo perplexo. As gigantes olham desconfiadas: “não vai durar”, diz Louis Gerstner da IBM. Jack Welch da GE também desdenha, mas segundo a Business Week de 28/06/1999 “os dois são muito espertos para não terem notado que há muito mais acontecendo do que simplesmente preços de ações explodindo”.

Qual a lógica disso?
Deixe-me explicar.

O valor incrível desses iniciantes (start ups) é baseado na percepção geral de que eles têm um talento único (e ainda raro) para a quinta onda. O mercado está fazendo uma aposta nisso. Bezos, por exemplo, começou vendendo livros sem lojas e sem estoque. Sucesso. Entrou por CDs e fitas de vídeo. Sucesso. Começou a fazer leilões virtuais, encarando de frente outro xodó do mundo dos negócios virtuais, a e-Bay. Sucesso também.

Está acontecendo um choque de “modelos de negócio”, que ameaça subverter as bases de tudo o que achamos que sabemos. Em bom português: as regras de se ganhar dinheiro estão sendo viradas de pernas para o ar.

Bezos, multibilionário da noite para o dia, vende o quê?

Resposta: vende a possibilidade de uma nova forma de vender.

Como é que é?!?

Numa entrevista à Business Week de 31/05/99 ele foi perguntado:

— Não haveria o risco de tornar a Amazon tão abrangente que as pessoas não saibam exatamente o que ela é?

Sua resposta:

— Não. Veja, nós não somos um empresa de livros. Não somos uma empresa de música. Não somos uma empresa de vídeos. Não somos uma empresa de leilões. Somos uma empresa de clientes.

Bezos quer vender. tudo e, por enquanto, o mercado está acreditando que vai conseguir. A Amazon dá prejuízo hoje porque investe tudo o que ganha em infra-estrutura para “gerenciar clientes de. tudo”. Compra outras empresas. Atrai talentos. A expectativa é que em dois anos esteja lucrativa; será?

Ele aposta no fim do shopping center tradicional (que, por sua vez, superou o “centro da cidade” de ontem, que por seu lado, já superara a “rua principal” de antigamente como o lugar aonde íamos para comprar coisas).

Ele quer ser o líder da nova era do comércio eletrônico, graças a um talento incrível para criar relações com um cliente de cada vez, como se cada um fosse único. Entende, na alma, que o futuro quinta onda é um para um mesmo. Já tem 8,4 milhões de clientes registrados.

Esse é o âmago da coisa.

O velho mundo dos negócios era simples: ataque o competidor; aperte os fornecedores; seus clientes estão “lá fora”, explore sua ignorância; eles não querem, não podem e não devem ser vistos de forma diferente…

A economia da Internet acaba com isso. A rede não uniformiza, diferencia.

Cada cliente pode ter a informação completa e adora ser visto como indivíduo; altas doses de colaboração entre a empresa, seus funcionários e fornecedores são possíveis e em vários níveis. Ninguém sabe os efeitos disso, mas ninguém quer perder o bonde.

Veja o “pobre” ex-número 1 da Compaq — Eckhard Pfeiffer — demitido em abril. Causa principal da demissão: gostaria de imitar a Dell Computers (18 milhões de dólares de vendas on-line por dia em hardware customizado), mas não podia se arriscar a apostar tudo na web e provocar a ira de seus distribuidores tradicionais. O dilema o paralisou. Está fora.

Não agir é o pior pecado. Ninguém sabe como a coisa vai ficar, então só experimentando. Na trajetória de A para C, o pior que pode haver é ficar atolado em B. Prepare-se para ver muita gente afundar no pântano da indecisão. A “destruição criativa” da quinta onda é alimentada pela sabedoria da rede. Não é simplesmente uma questão de tecnologia, é entender que na rede as coisas são diferentes; só tamanho não é documento; menos pode ser mais.

A melhor saída para as empresas cimento e tijolo que têm medo de destruir seu negócio atual, mas sabem que não podem perder a quinta onda, é criar empresas virtuais (se tiverem tempo – se não tiverem devem comprar alguma que já exista) para concorrer com seu negócio e canais tradicionais.

Pode ser que o que é negócio principal hoje não consiga mais competir amanhã. Cimento e tijolo podem esfarelar. Exatamente isso é o que acaba de fazer a Toys R Us, o gigante do varejo de brinquedos em lojas de cimento e tijolo, ao perceber a possibilidade de vir a ser “amazonizado” por um iniciante virtual chamado (adivinhe!) e-Toys.

As Amazons da vida aproveitaram-se do conhecimento que seus fundadores têm do potencial da tecnologia. Bezos e outros fizeram o que fizeram em cerca de dois anos. São quase nerds se divertindo. Mas…

8- A nova economia é sobre estratégia, não é sobre tecnologia.

Tecnologia abundante e barata estará ao alcance de todos na quinta onda. Estratégia é que vai definir o jogo.

Estratégia é sobre ser diferente. Requer pensamento original, e nisso os Bezos da vida têm sido realmente bons.

Estratégia é fazer as mesmas coisas que seu concorrente faz, mas de forma diferente, ou fazer coisas que o cliente valoriza, mas que seu concorrente não faz. A Amazon sabe ser diferente das duas maneiras, mas pode ser copiada. Seu modelo não tem qualquer mistério. Seu sucesso está na cabeça e na alma de Jeff Bezos — um empreendedor de verdade. Questão de vocação.

Enquanto os empreendedores da quinta onda experimentam freneticamente, a Internet vai definindo novos modelos de se fazer negócio. Há muito mais fracasso que sucesso, é claro (é a seleção natural darwiniana aqui também — alguém devia escrever sobre as histórias de fracasso na Internet, certamente têm mais lições que as de sucesso). Nunca tente usar um meio complexo, não otimizado, caótico e indisciplinado como a Internet para operar planos de marketing tradicionais, caretas, acadêmicos e de ontem. nunca. O web site da Amazon não é particularmente bonito nem atraente, é funcional. Internet não é TV. Não perca seu tempo com glamour.

Se cimento e tijolo podem virar pó, empresas virtuais podem virar fumaça.

Tudo o que não é sólido pode desmanchar-se no ar.

Louis Gerstner, o chefão da IBM, diz na Economist de 26 de junho de 99:

“A tempestade que está chegando — a verdadeira força — vai se manifestar quando as milhares e milhares de instituições que existem hoje aproveitarem o poder dessa infra-estrutura global de comunicação e computação, e o usarem para transformarem a si próprias. Essa é a verdadeira revolução”.

Então, um cenário possível para o futuro quinta onda é o seguinte: as grandonas — as IBMs, GEs, SIEMENS, WAL MARTs, as grandes multinacionais de telecomunicações etc… — entram firme no jogo virtual e roubam a cena. As amazon.com até sobrevivem, mas não como os “donos da bola” que muitos hoje apostam que serão. Essa é a visão da Economist, a sisuda revista semanal inglesa, ao contrário da Fortune americana, mais para o lado dos jovens empreendedores.

É isso que está sendo decidido.

Quando (e se) as grandes conseguirem entrar, a coisa pode realmente virar. Quem vai vencer? Não sei.

A chave para o que vai acontecer é, única e exclusivamente, a cabeça de quem está no comando hoje. Se as gigantes tradicionais mostrarem vocação para o virtual, se tiverem sensibilidade para entender o seu impacto, e conseguirem abraçar o mundo novo com a cabeça e o coração, aí, concordo, ninguém segura.

Tamanho, apesar de não ser documento, conta muito. E tamanho mais sensibilidade é melhor que apenas tamanho ou apenas sensibilidade.

Essa é a grande questão portanto: os “estabelecidos” terão cabeça para fazer essa virada? Para mim não é óbvio que a resposta seja sim.

9- Vai ganhar quem souber integrar o familiar com o surpreendente

No futuro não bastará mais estar por dentro da tecnologia nem ter uma boa idéia. A mais completa e radical mudança é o entendimento de que a empresa não pode mais ser vista como entidade isolada, mas é parte de um “sistema nervoso”.

Pessoalmente torço pelos jovens empreendedores, mas o mais provável para mim, lamento, é que não sejam eles os barões da nova economia. Espero estar errado.

É claro que o passado tem muito a inspirar, e nem acho que seja tanto o passado: o que inspira é entender o fio condutor que une passado e futuro. Darwin nos ensinou que a complexidade se instaura sempre por cima do que já existe, assim, as empresas que terão mais sucesso serão as que aprenderem a integrar todo o manancial de riqueza e possibilidades da web com o mundo físico familiar. As empresas que souberem integrar mídias de massa e mídia interativa, fazendo uma reforçar a outra, estarão entre as campeãs. Idem para as que conseguirem integrar seus canais de venda tradicionais com o web-commerce.

Quer um nome para apostar nesse páreo?

IBM. Ela está muitíssimo bem posicionada para isso. Apesar de não ser uma empresa virtual, um quarto dos 80 bi de dólares que fatura está vindo de serviços relacionados a comércio eletrônico de alguma forma e, mais importante: já tem uma história notável de reinvento de si mesma e de “destruição criativa” de si própria. Em menos de uma década mudou de hard para soft. Hoje é serviço. Está viva e bem, obrigado.

É esse, leitor, o debate que você devia estar acompanhando, mas ficam fazendo você perder tempo com as histórias da carochinha desses cursos de business por aí. É pena.

Entre parênteses:

No meio da mais extraordinária mudança que já houve no mundo das empresas, as escolas de administração e negócios não estão nem aí e seguem recomendando literatura do século passado, inspirando-se num mundo que já morreu, apegadas à fantasia perversa de que esse mundo vai ressurgir das cinzas. Não vai.

Honestamente eu gostaria de saber quantos cursos de marketing/administração/negócios oferecem algo cujo conteúdo toque (de leve que seja) naquilo que se convencionou chamar de e-commerce ou e-business. Pouquíssimos, aposto. Mas, certamente, continuam todos obrigando seus alunos a lerem história medieval (nada contra!), direito comparado (que ótimo!), filosofia escolástica (maravilha!), comportamento do consumidor – vulgo behaviourismo (nossa mãe!), e mais as inevitáveis: contabilidade, matemática financeira, estatística, etc, etc…

Conheço todos os argumentos que supostamente justificariam isso, ninguém precisa me enviar mensagens enumerando-os. Poupem meu disco rígido. Eu sei que o futuro se constrói em cima do passado, não eliminando-o. Sei que mesmo a tal destruição criativa de Schumpeter não destrói, substitui. Sei que, como diz Peter Drucker, administração é uma disciplina que exige conhecimentos de história, matemática, filosofia, psicologia, certo, certo… Minha crítica é quanto ao enfoque: esses cursos são todos montados com base no pressuposto de que as empresas do futuro serão iguais às do passado, mas não serão. E esse futuro já está aí. O desafio da escola é preparar para o mundo, mas o mundo (em que já estamos vivendo) tem outro tipo de lógica.

Não dá para perdoar. E não venham me dizer, por favor, que isso a que me refiro ainda está muito recente para poder ser matéria de curso. Besteira. Há material abundante sobre isso tudo sendo reportado diariamente (em tempo real!). O pessoal quer é estar informado. Entender a dinâmica do que está em curso, não o desfecho. Os alunos só querem aprender, mas ninguém está pedindo que ensinem nada. Ainda não entendeu? Não explico mais.

Fim do parênteses.

O empreendedor é o motor da destruição criativa, sem ele nada acontece. Repare que não há nada de “difícil”, secreto ou “proprietário” no que Bezos faz. Não há nenhum mistério em se montar um sistema como o que ele tem. Por que a B&N não faz igual? Falta vocação. Ela está tentando, mas não tem a “alma do negócio” virtual, sua alma é de cimento e tijolo.

Como é também de cimento e tijolo a alma da Toys R Us, da Merryl Linch, da Compaq e muitos outros gigantes ameaçados por concorrentes virtuais.

De uma forma ou outra, o mundo quinta onda dos próximos cinco a dez anos será um turbilhão que vai afetar muito sua vida, leitor.

Não há para onde correr. Fique ligado.

10- Seu desafio real é ser feliz

Há vários empreendedores como Bezos: jovens, elétricos, energéticos e meio esquisitos. Nunca param. Minutos podem fazer a diferença. A Fortune de 24/05/99 traz uma reportagem de capa com eles. Características: 38 anos em média, sentem-se confortáveis com ambigüidade, são “paranoids”, brutalmente francos, intensamente focados, mas prontos a voltar atrás, desconstruir e tentar de novo. Não têm compromisso com nada.

Se Bezos é o símbolo do novo empreendedor, há outros, mais antigos, fazendo com sucesso a transição para a quinta onda: Bill Gates, Andy Groove (Intel) e Michael Dell (Dell Computers), por exemplo.

Nenhum tem qualquer comprometimento irreversível. Se fizer sentido econômico, a Microsoft mata até o Windows, sem se importar com que problemas isso possa causar a consumidores ou desenvolvedores de software. Se a Dell descobre uma maneira de montar seus computadores usando metade das pessoas que tem, a outra metade está na rua, não duvide. Isso não é crítica — é destruição criativa — ou eles rompem o estabelecido em suas empresas, ou alguém o fará. O lema de Groove é: “só os paranóicos sobrevivem”.

Personalidades charmosas e atraentes esses novos empreendedores da destruição criativa. Eles são os construtores da nova ordem.

Serão bons exemplos?

Será que tanta flexibilidade, que sem dúvida é muito bom para a empresa, faz sentido para seres humanos? Será que realmente queremos ficar pulando de tarefa em tarefa? Queremos mesmo ser tão independentes assim?

Muitos especialistas dizem que sim, que flexibilidade é igual a promessa de liberdade. A nova economia estaria trabalhando em favor do humano. Vale a pena pensar nisso um pouco.

Há um belo livro recente que trata muito bem dessa questão e discorda do oba-oba geral: The Corrosion of Character – The personal consequences of work in the new capitalism; Richard Sennett – Norton, 1998 (edição brasileira da Record). Há um perigo nesse negócio de empreendedor de si mesmo, diz o autor. Antigamente ser flexível significava ser capaz de adaptar-se temporariamente a condições que mudavam, sem perder a forma essencial (como uma árvore que enverga sob ação do vento e depois volta à forma original).

Mas Sennett vê a coisa diferente com essa “flexibilidade” de hoje. Ela significa não ter forma essencial nenhuma, estar sempre em fluxo, sempre se movendo de uma forma para outra. Ser flexível nesse sentido é não ter ligações nem comprometimentos. A empresa flexível tem que estar pronta para abandonar seu produto, suas estratégias e, até mesmo, seus clientes, para se mover para um mercado mais lucrativo ou adotar uma nova maneira de fazer negócios.

Mas nós não somos Bill Gates, certo leitor? Uma vez que estabelecemos uma ligação com lugares ou pessoas, não gostamos de rompê-los. O caráter de uma pessoa depende de suas conexões com o mundo a seu redor. Romper essas conexões deixa-nos com um senso de vazio tremendamente sério. Não temos amigos, só contatos. Não teríamos mais ligações profissionais, só times temporários de trabalho. Não haveria mais longo prazo, só nos concentraríamos no aqui e agora. Isso iria remover um dado central da nossa humanidade: não teríamos mais uma narrativa em que colocar a nós mesmos e, por isso, não veríamos mais continuidade em nossas vidas. Sem uma narrativa para dar forma ao “movimento do tempo para a frente”, perderíamos o sentido do que seja desenvolvimento pessoal.

A velha ética do trabalho que dizia que o sacrifício de hoje traria a recompensa amanhã não teria mais sentido. Se tudo muda da noite para o dia, por que se preocupar com o amanhã?

A empresa é sobre pessoas e pessoas só existem em função de narrativas. Suas vidas são essas narrativas. O autor Peter Brook diz:

“Nossas vidas estão permanentemente inter-relacionadas com narrativas – com histórias que contamos e ouvimos. Que sonhamos ou imaginamos ou que gostaríamos de contar. Todas elas são trabalhadas e retrabalhadas num depósito (nossa própria vida), em que narramos, contamos coisas para nós mesmos, num monólogo episódico, às vezes semi-consciente, mas virtualmente ininterrupto. Vivemos imersos em narrativas, recontando e reavaliando o significado de nossas ações passadas. Antecipando o resultado de futuros projetos. Situando a nós próprios na interseção de várias histórias ainda não completadas.”

Reinventando permanentemente a nós mesmos, perderíamos o significado que nossa experiência passada nos garantia.

Um dos personagens de Sennett chama-se Rico, um bem sucedido consultor independente, especializado em tecnologia. Rico vive uma tremenda crise pessoal tentando descobrir sua identidade.

Ele e a mulher, Jeannette, casaram-se enquanto estavam na business school. Ambos são profissionalmente muito bem sucedidos. Nos 14 anos em que estão casados e com um MBA, mudaram-se 4 vezes. Apesar de todo sucesso não têm controle sobre suas vidas. Sempre à espera de um chamado para outro projeto, não têm senso de pertencer a nada. O pai de Rico foi servente a vida toda. Era um ítalo-americano com ligações fortes com sua comunidade. Seu trabalho não mudava dia após dia, mas ele conseguiu, lentamente, ir construindo uma vida melhor para sua família. Ele e sua esposa checavam toda semana o aumento em sua poupança, e mediam seu progresso pelas pequenas melhoras que iam conseguindo fazer, ano a ano, na casa em que moravam. Com toda a monotonia daquela vida, o pai de Rico tinha um senso concreto de progresso na vida.

Ele era ator no enredo que tecia. Havia um enredo. Apesar de estar situado bem embaixo na escala social, sua narrativa pessoal dava-lhe um senso de auto-respeito. Sua identidade como homem emergia da unidade de sua vida. Seu filho, ao contrário, tem uma vida profissional excitante por sua interminável variação. Rico teve o exemplo do seu pai no esforço de construir, dia a dia, uma vida melhor para os filhos, mas sente que não tem algo equivalente para os seus. Seu sucesso significa pouco para seus filhos. Sua maior preocupação é não poder oferecer “a substância de sua vida de trabalho”, como exemplo de como seus filhos devem conduzir-se eticamente. Seu trabalho nada tem a ver com sacrifício e dedicação. “Você pode imaginar como eu me sinto estúpido ao falar em dedicação para meus filhos”, diz Rico, “é uma virtude abstrata para eles. Eles não vêm isso em lugar nenhum”.

Isso é para você pensar. Esse tipo de fragmentação pessoal é mesmo um risco da sociedade da quinta onda, e caberá a você lidar positivamente com mais esse desafio. Nem só de excitação e novidade alimenta-se o futuro, mas — como diz a Harvard Business Review (Maio-Junho/1999) comentando o livro, se o risco existe, há também coisas muito boas que Sennett não vê.

Lidaremos melhor com o fracasso, por exemplo. Se temos mais chance de experimentar fracasso com mais freqüência, a maneira pela qual lidaremos com ele será mais saudável também. No ambiente explosivamente experimentador de Silicon Valley, em que há muito mais fracassos que histórias de sucesso, há uma geração aprendendo a, de certa forma, orgulhar-se com o fracasso. Vendo-o como oportunidade para o crescimento e predisposição para experimentar livremente. Nada a ver com essa cultura ridícula do “vencedor” que ainda glorificamos, mas que é resquício de ondas passadas. O “vencedor” de ontem vai morrer também. Se você nunca falhou, você é suspeito. Fracasso na quinta onda vai ser muito menos catastrófico, vai ser comum. Falhou no seu último job como agente de si mesmo? Não importa, sempre haverá um próximo para você se dar bem. O lado bom é que, tiradas do conforto de seus “empregos para sempre”, as pessoas percebem que têm de assumir a responsabilidade por sua vida profissional e pessoal.

Essa atitude, para mim, pode ser a chave para resultados consistentes e duradouros. Mais que qualquer livro, qualquer palestra, qualquer guru. Se isso assusta um pouco é porque o eixo da coisa é deslocado para você. Você é o ator. Você tem que se expor. Não há nada nem ninguém que possa substituí-lo no processo de construir sua própria vida, fazendo suas opções.

O dia-a-dia, em qualquer empresa, emburrece, pois a tendência dos livros, “treinamentos”, palestras e gurus é tirar a responsabilidade de você, dando a entender que alguém pode ensinar-lhe algo. Isso é ilusão. Como já disse, você tem que aprender, mas ninguém pode lhe ensinar.

A vida na empresa e fora dela (estratégias e tudo o mais) tem que ser construída através do engajamento na ação ao longo do tempo; não no papo. No processo você vai errar; você tem que errar.

Não podemos é tornar-nos também, como diz Carr, “homens e mulheres virtuais”, eficientes e adaptados, mas sem substância.

A lógica do futuro (que já chegou, lembre-se) diz que isso depende exclusivamente de você.

*Texto publicado na revista Você S.A. de 08/1999.

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